Eutanásia: uma lei ou um referendo? Tudo está em aberto

Será em 2018 que vai haver uma lei que regula a forma como decidimos sobre o final da vida? Em cima da mesa há um projecto-lei do PAN para despenalizar a eutanásia. O tema é tão polémico quanto a realização de um referendo.

Foto
Há quem considere que a necessária discussão sobre o tema está ainda por ser feita em Portugal ANDRÉ KOSTERS/LUSA

Foram vários os debates sobre a eutanásia que decorreram ao longo do ano, mas 2017 acaba com um único projecto-lei para a legalizar. Foi apresentado pelo PAN em Fevereiro. No primeiro trimestre de 2018, o Bloco de Esquerda (BE) promete ter pronto um outro projecto-lei, isto depois de ter colocado à discussão pública um anteprojecto para abrir a porta à morte medicamente assistida em determinadas circunstâncias. Por ora, não há indicação de mais nenhum diploma elaborado pelos outros partidos.

Que destino terão estes projectos? Será 2018 o ano em que a eutanásia se torna legal em Portugal? Será, pelo contrário, o ano em que o assunto fica adiado? Ou será o ano em que se decide fazer um referendo sobre o tema?

O deputado André Silva, do PAN, acredita que o assunto exige debate, que é importante fazê-lo “de forma não emocional nem crispada”, e que o seu partido respeitou e valorizou esse espaço tão necessário. Agora, acrescenta, é altura de dar "o espaço para a Assembleia da República” fazer essa reflexão. Está convencido “de que há condições para o projecto-lei ir a votação” — e para ser aprovado.

Do BE “o compromisso” é mesmo “esse”, levar adiante a discussão da lei, refere José Manuel Pureza, que tem acompanhado o processo como deputado. “Sabemos que é um assunto que suscita opiniões diversas e que há muitos deputados que concordam que a penalização da eutanásia não é solução”, afirma.

Mas no PSD, por exemplo, se a convicção do deputado Carlos Abreu Amorim é a de que o ano que aí vem tem todas as condições para que a lei da eutanásia possa ser discutida e votada, já o desfecho na sua bancada parlamentar será incerto, pois o compromisso assumido pelo líder, Pedro Passos Coelho, foi o de dar liberdade de voto. Os candidatos à liderança do PSD, Pedro Santana Lopes e Rui Rio, têm posições opostas em relação ao tema: o primeiro é contra, mas admite o referendo, o segundo é a favor.

Em Fevereiro, o PSD organizou um debate “com os dois lados” na Assembleia da República; a Comissão de Direitos Constitucionais, Liberdades e Garantias formou um grupo de trabalho para coordenar “a agenda preparatória” do relatório sobre a admissibilidade de uma primeira petição pela despenalização da eutanásia; e houve discussão suficiente no Parlamento, considera Carlos Abreu Amorim. Assim, 2018 será certamente “um ano em que haverá possibilidade” de os deputados tomarem uma posição informada sobre a matéria.

Subscritor do abaixo-assinado pela despenalização da eutanásia, o deputado do PS Pedro Bacelar de Vasconcelos diz que “há todas as condições” para se aprovar uma lei. No seu partido, o que “tem prevalecido” nestas matérias “é o princípio da liberdade de consciência”. “Acho que será predominantemente favorável”, calcula. “Mas é mera intuição."

Já o PCP não se pronuncia sobre um tema em abstracto — só quando existir uma lei concreta em votação, explicou o deputado António Filipe.

Referendo polémico

Apesar das diversas discussões, elas não foram suficientes, considera, por seu lado, o médico Miguel Oliveira da Silva, ex-presidente da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Gostava que “houvesse um debate tão alargado quanto possível” na sociedade, na Ordem dos Médicos, nas outras ordens, nos hospitais — o que, na sua perspectiva, não aconteceu. E quer evitar que a decisão sobre a eutanásia seja “uma moeda de troca entre partidos”, que seja uma decisão tomada “de cima para baixo”. O momento deveria, pelo contrário, ser um exemplo de democracia participativa.

No entanto, defende que a lei só deveria ser votada na próxima legislatura e que os partidos deveriam também declarar a sua posição no programa eleitoral de 2019 para que, quando votem, os cidadãos estejam esclarecidos sobre isso.

Miguel Oliveira da Silva calcula que os acontecimentos se desencadeiem assim: se houver maioria a favor da lei no Parlamento, o Presidente da República enviará a questão para o Tribunal Constitucional, que irá declarar que é inconstitucional; na hipótese de se optar por um referendo, Marcelo Rebelo de Sousa pode decidir não fazê-lo, prevê.

A verdade é que se a lei é polémica, o referendo sobre a matéria também não é consensual. Para Pedro Bacelar de Vasconcelos, essa não é uma opção: pessoalmente é “absolutamente contra”, porque a eutanásia é matéria que não deve estar dependente “de emoções e de fenómenos imprevisíveis, é uma discussão de questões centrais da dignidade humana que não pode ser posta em causa, não é referendável”.

Posição completamente oposta tem Rui Nunes, presidente da Associação Portuguesa de Bioética, que defende um “debate profundo na sociedade portuguesa”, “que não está a acontecer”, e que deveria culminar num referendo. “Esta divergência só tem uma hipótese que é resolvê-la através do referendo”, considera. Rui Nunes acredita, de resto, que esse será o desfecho. “Ou é aprovado um projecto-lei e é consensual ou não é aprovado e o movimento em favor da despenalização não desiste facilmente. Mas não estou a ver que nenhum dos preponentes se contente com o resultado de uma mera votação parlamentar.” De resto, Rui Nunes acha que a lei só terá legitimidade se for reflexo de um referendo. “Até estou convencido que a maioria será a favor”, diz.

Rampa de lançamento?

O desejo de Ana Paula Figueiredo, que se tornou activista depois de o pai se ter suicidado em 2014 após vários pedidos de ajuda, falhados, a médicos para morrer, era que 2018 fosse “uma rampa de lançamento”. Ou seja, que fosse “uma esperança para que todos os seres humanos que se encontrem em estado terminal” tenham a possibilidade de recorrer à eutanásia. “A lei tem que ser aprovada. Respeitamos os valores de cada um mas tem que haver direito de escolha”, conclui.

No pólo oposto está a deputada do CDS Isabel Galriça Neto, que tem gerido este dossier (foi formado um grupo de trabalho na sequência da petição “Toda a Vida Tem Dignidade” contra a despenalização). É necessário um debate mais esclarecedor, que coloque no seu lugar os termos usados: expressões como “morte assistida” mascaram, afinal, a “morte antecipada”, “por médicos”, acredita.

A possibilidade de um referendo “é coisa menor”, sublinha: “Neste momento a questão é o esclarecimento.” Legislar em 2018 seria “uma precipitação”. “Cerca de 60% dos portugueses não têm acesso a cuidados paliativos, mas todos passam a ter acesso a eutanásia? Onde está a equidade e a preocupação com a liberdade?”

Legalização da eutanásia? Está tudo em aberto.

Sugerir correcção
Comentar