Passageiros do Sud Expresso encalhados na fronteira francesa

O TGV proveniente de Paris deixou de dar ligação ao Sud Expresso em Irun. Passageiros têm de atravessar a fronteira de táxi e até a pé.

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Miguel Manso

Desde há algumas semanas que o Sud Expresso deixou de receber na fronteira hispano-francesa de Irun a correspondência do TGV proveniente de Paris e Bordéus. A operadora francesa SNCF passou a utilizar naquele eixo o TGV Duplex (composição com dois pisos) que, devido a alegados problemas técnicos, não pode cruzar a fronteira para o lado espanhol, terminando assim a sua marcha em Hendaya. Por esse motivo, o Sud Expresso parte de Irun sem ter a habitual correspondência vinda de Paris.

Segundo ferroviários espanhóis contactados pelo PÚBLICO em Irun que agora os passageiros chegam a Hendaya e são confrontados com a inexistência de ligação para Irun, sendo obrigados a apanhar um táxi para o outro lado. Outros optam pelo comboio de via estreita que liga Irun a Hendaya e outros há que atravessam a pé a ponte fronteiriça entre as duas localidades.

A inexistência de uma ligação francesa ao Sud Expresso representa um rude golpe neste comboio centenário. Não que transportasse muitos passageiros vindos de Paris, mas sim pelos que embarcavam no TGV ao longo do corredor Atlântico (Poitiers, Bordéus, Biarritz) e os que provêm do Sudoeste da França e encontram no comboio directo para Portugal uma boa alternativa ao avião, sobretudo se o destino for a região Centro.

Por outro lado, o Sud tem constituído também uma ligação muito procurada pelos espanhóis visto que serve cidades como San Sebastian, Vitória, Valladolid e Salamanca. E são também estes que, vindos de França, deixaram de ter a correspondência assegurada em Irun.

Para resolver este problema há duas soluções possíveis: ou o TGV continua a vir a Irun, ou o Sud Express passa a sair de Hendaya. O PÚBLICO questionou a CP, mas não obteve resposta. Sabe-se, no entanto, que estava previsto colocar um autocarro a fazer a ligação entre as duas estações fronteiriças. Uma solução anacrónica numa Europa supostamente sem fronteiras e que não deixa também de ser um elemento dissuasor ao transporte ferroviário porque os passageiros são sensíveis ao excesso de transbordos, sobretudo quando viajam com bagagem.

Curiosamente, no sentido ascendente (Lisboa – Paris) este problema não se coloca porque o Sud Expresso vai directamente de Santa Apolónia a Hendaya onde dá ligação ao TGV para Paris.

Este comboio foi inaugurado em 1887 e era uma composição de luxo, com carruagens-cama e restaurante, no qual viajava a aristocracia da época, intelectuais e uma burguesia endinheirada. Até ao advento da aviação comercial e da generalização do transporte rodoviário era a ligação mais rápida entre Paris e Lisboa. As companhias marítimas chegaram, inclusivé, a ajustar as saídas dos navios para África e América do Sul à chegada do Sud Expresso porque este encurtava em alguns dias a viagem marítima desde o norte da Europa para aqueles destinos.

Nos anos 60 e 70 o Sud foi o comboio onde viajaram exilados e emigrantes portugueses e nos anos 80 e 90 era um transporte incontornável para os jovens que, de inter-rail, partiam para a Europa além Pirinéus e para os que, vindos do Norte, vinham visitar a Peninsula Ibérica.

Actualmente, apesar de ser um comboio português, explorado unicamente pela CP, a sua composição é espanhola e oferece um leque ampliado de opções de viagem, desde os lugares sentados aos compartimentos com camas e WC e duche privativos num conceito de comboio-hotel.

Apesar das novas tecnologias, não é possível hoje comprar um bilhete de Portugal para França tal como se fazia nos séculos XIX e XX. Em França só se vendem bilhetes até à fronteira francesa e em Portugal o passageiro só pode adquirir o título de transporte até Hendaya devendo procurar no site da SNCF ou ir à bilheteira daquela estação para poder prosseguir viagem.

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