Vieira da Silva passou no teste à boleia das decisões do anterior Governo

Ministro admite que está numa posição de “especial sensibilidade”, mas garante estar “tranquilo” e ter “obviamente” todas as condições para se manter no cargo. O maior ataque veio do CDS-PP, ao passo que BE e PCP quiseram garantias de mudança no sector.

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Nuno Ferreira Santos
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Aparentemente, José Vieira da Silva passou na prova da Raríssimas. E acredita nisso, já que apesar de admitir que a sua ligação à instituição como vice-presidente da Assembleia Geral, antes de ser ministro, o coloca “numa posição de particular sensibilidade”, não vacilou quando lhe perguntaram se tem condições para se manter no cargo. “Obviamente que sim.” E a ajuda veio do anterior Governo, mas trazida para a mesa da comissão pela voz da sua secretária de Estado da Segurança Social.

À medida que Cláudia Joaquim foi desfiando os despachos do anterior Governo, assinados por diversos ministérios e que foram aumentando a comparticipação estatal e o número de camas da Casa dos Marcos, na Moita, iam-se ouvindo na sala as exclamações de satisfação dos deputados socialistas, com sorrisos largos e ironias atiradas ao CDS-PP.

O centrista António Carlos Monteiro trouxera uma intervenção escrita, com um rol de 17 perguntas incisivas ao ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, mas levou poucas respostas apesar da sua atitude interrogatória. Foi também ao CDS que Vieira da Silva respondeu com mais azedume. Afinal, estavam a debater-se os anteriores e o actual detentor da pasta. O deputado e ex-ministro Pedro Mota Soares é deputado suplente da Comissão do Trabalho e Segurança Social mas desta vez não apareceu – e o mesmo aconteceu com a socialista Sónia Fertuzinhos, membro efectivo, que é mulher de Vieira da Silva e viajou para a Suécia como representante da Raríssimas em 2016 numa conferência internacional.

A secretária de Estado só falou quase no final da audição, depois de os centristas terem feito a festa que até teve direito a uma foto do ministro a assinar um documento, sob o olhar risonho de Paula Brito e Costa. O deputado António Carlos Monteiro insistiu na tese de que se tratava de Vieira da Silva a assinar um protocolo entre a Raríssimas e a sua congénere sueca Ågrenska, em Gotemburgo, em que a instituição portuguesa se identifica como “fundação”. O ministro garantiu que não assinou nada e fez os seus assessores distribuírem cópias do protocolo onde não consta a sua assinatura.

Cláudia Joaquim desfiou números e datas dos sucessivos despachos assinados pelos ministros das pastas do Trabalho, da Saúde e das Finanças que aumentavam a comparticipação das camas de cuidados continuados, essencial para a sobrevivência da instituição. O actual Governo, afinal, “só juntou os despachos do anterior”, que já tinha decidido a cobertura a 100% da oferta das 39 camas da Raríssimas. Até porque, lembrou, se as unidades de cuidados continuados “não tiverem comparticipação de 100% das vagas não têm sustentabilidade financeira”.

Na audição, que até fora proposta pelo PS na passada semana, Vieira da Silva passou ao lado de muitas perguntas directas que lhe foram sendo colocadas e preferiu ir desfiando o discurso que trazia alinhavado. Por isso, fez questão de começar a sua intervenção garantindo que não retirou “qualquer benefício pessoal ou material” da ligação que teve à Raríssimas, nem esta foi alvo de qualquer “tratamento especial” do seu ministério – Vieira da Silva rejeitou ter recebido a presidente às 8h da manhã no seu gabinete para a informar sobre financiamentos, ao contrário do que esta disse à RTP. Ideias que foi repetindo a espaços, assim como a de que sempre lhe pareceram “credíveis e confiáveis” as pessoas e a instituição, trazendo até para a conversa o apoio da ex-primeira-dama, e nem o Conselho Fiscal reportava anomalias nos pareceres sobre as contas que remetia à Assembleia Geral. “Entrei e saí com a mesma imagem: que era uma instituição credível”, insistiu.

Sobre o percurso das denúncias e as cartas do ex-tesoureiro, Vieira da Silva pouco explicou, remetendo para os serviços, mas argumentou que estas não tinham “qualquer indício de gestão danosa”, apenas questões processuais. Não conseguiu, porém, explicar o desaparecimento da denúncia da secretária da FEDRA (federação das doenças raras), do início do ano, com exemplos de gestão danosa de Paula Brito e Costa, cuja existência só conheceu pela reportagem da TVI.

O PSD foi bem mais cauteloso que o CDS. A deputada Clara Marques Mendes insistiu na necessidade de responsabilização última do ministro, em especial por demorar a agir e a determinar inspecções à Raríssimas.

À esquerda do PS, Bloco e PCP preferiram olhar para a frente e mostraram-se preocupados com a necessidade de aumentar o escrutínio sobre as instituições particulares de solidariedade social (IPSS), tendo o ministro afirmado que está a ser revisto o regime para o tornar mais transparente e fiscalizador. Foi ao bloquista José Soeiro que Vieira da Silva deixou entreaberta a porta sobre o futuro da Raríssimas. Questionado sobre se o Estado pondera assumir a gestão directa da instituição na parte que subsidia, a rede de cuidados continuados, o ministro disse que o Governo “admite todas as hipóteses” se a Raríssimas “não tiver capacidade para superar esta crise”. 

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