Tribunal de Contas chama a atenção para sustentabilidade do sistema de pensões

Vítor Caldeira, presidente do tribunal, lembra que a conta geral de 2016 continua sem reflectir "devidamente" a situação financeira do Estado.

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Vítor Caldeira, presidente do Tribunal de Contas daniel rocha

O presidente do Tribunal de Contas (TdC), Vítor Caldeira, avisa que o Estado tem de ter atenção às necessidades de financiamento e sustentabilidade dos sistemas de pensões da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações (CGA). A pensar no longo prazo, este é um dos “riscos mais severos” que se colocam a Portugal em relação à sustentabilidade das finanças públicas; o outro, o impacto das alterações climáticas. 

O alerta é dado no dia em que o tribunal apresentou o parecer à Conta Geral do Estado de 2016, entregue nesta segunda-feira ao presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

“Os riscos associados à evolução demográfica e às alterações climáticas constituem, para o tribunal, dimensões cujo impacto sobre as finanças públicas é necessário antecipar e incluir nas contas públicas”, afirmou Vítor Caldeira, numa breve apresentação do parecer aos jornalistas, chamando a atenção “para as necessidades de financiamento e para a sustentabilidade” dos sistemas de pensões.

O documento nota que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) alcançou em 2016 um aumento de 1% no valor total da sua carteira. Apesar de ter registado uma diminuição de 0,6% na rendibilidade, ao conseguir entradas de capital no valor de 227 milhões de euros, teve aquela valorização de 1%.

As disponibilidades financeiras equivalem a 14.246 milhões de euros, o que corresponde às despesas de 14 meses de pensões do sistema previdencial, quando o objectivo subjacente à criação do fundo passa por assegurar que este instrumento tem activos suficientes para pagar dois anos de pensões.

Relativamente ao ano de 2016, o tribunal constata que a receita total da Segurança Social recuou 8,6% (para perto de 32 mil milhões) face a 2015, ao mesmo tempo em que a receita efectiva cresceu 4,5% (para cerca de 25.700 milhões): diminuíram as receitas dos activos financeiros, mas aumentaram as receitas das contribuições. Do lado da despesa, houve uma diminuição total de 9,3% (para 30 mil milhões de euros), mas um crescimento da despesa efectiva (para cerca de 24.150 milhões), algo que o tribunal diz reflectir uma diminuição da despesa com activos financeiros e um aumento da despesa com pensões.

Outra nota do tribunal relativamente à conta da Segurança Social tem a ver com o facto de a dívida garantida do Estado representar perto de 76% do Fundo de Estabilização. Para o tribunal, a concentração coloca questões não só de diversificação e gestão do risco, mas também de autonomia técnica de gestão, não facilitando ao mesmo tempo uma análise comparativa do desempenho do fundo.

Atenção às alterações climáticas

Para Vítor Caldeira, a evolução demográfica pressiona as finanças públicas, tanto pela “redução continuada das contribuições para o sistema público de pensões, assim como pelo aumento projectado para as despesas, em particular com pensões e cuidados de saúde”. Uma preocupação que o presidente do Tribunal de Contas junta, a pensar no longo prazo, ao impacto das alterações climáticas para as contas do Estado, por causa do “efeito adverso sobre o crescimento económico e pelos custos adicionais para a despesa pública e perda de receitas”.

Com estas duas preocupações presentes, Vítor Caldeira considera “fundamental” que o Estado tenha um “sistema de contabilidade patrimonial ou de acréscimo que reflicta o impacto intergeracional das políticas públicas e permita conhecer, de forma transparente e completa, a situação financeira do Estado no final de cada ano.

O responsável máximo do Tribunal de Contas diz que esta é uma reforma estrutural já introduzida na Lei de Enquadramento Orçamental de 2015, mas que não tem ainda “qualquer reflexo” nos números de 2016. E por isso deixa um alerta: “Continua a ser preocupante que, passados 20 anos sobre a aprovação do Plano Oficial de Contabilidade Pública”, a actual conta geral analisada pelo TdC “continue a não apresentar o balanço e a demonstração de resultados da administração central, baseando-se em diferentes sistemas contabilísticos, e não reflectindo devidamente a situação financeira do Estado”. Um exemplo: “Qual é o património do Estado hoje? Não sabemos”.

Esta é uma critica recorrente do Tribunal de Contas no momento em que analisa a chamada conta geral do Estado elaborada anualmente pelos governos. Neste momento, com a aplicação do Sistema de Normalização Contabilística adiada para Janeiro, o tribunal já antecipa “constrangimentos na implementação” deste novo sistema, assim como da Entidade Contabilística do Estado”. Vítor Caldeira avisa mesmo que, se não forem tomadas medidas reforçadas, poderá ficar “em risco a elaboração das demonstrações orçamentais e financeiras da Conta Geral do Estado de 2019 de acordo com o novo sistema”. Uma consequência imediata disso, se nada for feito, poderá ser a inviabilização da “certificação” que cabe ao próprio Tribunal de Contas, avisou.

A “persistência dos défices orçamentais na administração central e a acumulação de elevados níveis de dívida”, em particular a que tem a ver com dívida financeira mas também a não-financeira, são outros riscos destacados pelo presidente do TdC. Um alerta dito dias depois de a agência Fitch ter retirado o rating de Portugal do nível de “lixo”, seguindo o caminho da Standard & Poor’s em Setembro. “As boas notícias quanto ao rating da dívida não devem ser confundidas com a dívida a descer”, advertiu Vítor Caldeira.

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