Do Pizzaboy para as tartes de maçã, Melo e Cavia usam agora a BD para histórias mais humanas

Deixando as grandiosas aventuras de lado, os autores de Comer/Beber focam-se agora na parte pessoal das histórias, sejam elas realidade ou ficção. Num dos contos, o protagonista percorre a América em busca de uma tarte de maçã; no outro, conta-se as proezas em torno de uma garrafa de champanhe.

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O protagonista do conto Sleepwalk, Lloyd Jenkins DR
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Páginas do primeiro capítulo do livro Majowski — a história de Franz Majowski e do seu restaurante em Berlim DR
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Esboço da personagem Otto, do conto Majowski DR
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Páginas do primeiro capítulo do livro Majowski — a história de Franz Majowski e do seu restaurante em Berlim DR
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Lloyd Jenkins e Franz Majowski, os protagonistas das histórias do livro DR
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Páginas do primeiro capítulo do livro, Majowski — a história de Franz Majowski e do seu restaurante em Berlim DR
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Páginas do segundo capítulo do livro, Sleepwalk — a história de Lloyd Jenkins e de uma longa busca por uma tarte de maçã DR
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Páginas do segundo capítulo do livro, Sleepwalk — a história de Lloyd Jenkins e de uma longa busca por uma tarte de maçã DR
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Páginas do segundo capítulo do livro, Sleepwalk — a história de Lloyd Jenkins e de uma longa busca por uma tarte de maçã DR
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Páginas do segundo capítulo do livro, Sleepwalk — a história de Lloyd Jenkins e de uma longa busca por uma tarte de maçã DR

Fruto da “liberdade criativa” da dupla Filipe Melo e Juan Cavia nasceu o livro de banda desenhada Comer/Beber que chegou às livrarias nesta quinta-feira e junta em dois contos realidade e ficção, a busca e a descoberta, tartes de maçã e champanhe, os Estados Unidos e a Alemanha. “É o nosso livro mais pequeno em todos os sentidos, mas é talvez aquele que tem mais de nós enquanto pessoas”, conta o argumentista Filipe Melo ao PÚBLICO, referindo-se ao livro de 64 páginas (algumas delas podem ser consultadas na fotogaleria acima).

Tudo começou há pouco mais de um ano, quando o músico português e o desenhador argentino Juan Cavia – que já trabalharam em conjunto na saga As Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy e na novela gráfica Os Vampiros – foram convidados pelo director da revista Granta, o jornalista Carlos Vaz Marques, para participarem na publicação.

“Honrados” pelo convite, rapidamente lhes surgiu uma ideia para uma história, que “apareceu de uma forma muito natural”, diz Filipe Melo: era o segundo capítulo da obra, Sleepwalk, em que o protagonista Lloyd Jenkins percorre o interior da América na década de 1980 em busca de uma tarte de maçã – e há motivo para a sua jornada. “Por alguma razão isto não se passa em Vila Franca de Xira, mas sim nos Estados Unidos”, garante o autor, assinalando que o enredo “joga com o imaginário europeu do que se passa no interior da América”.

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Estudo inicial da personagem Lloyd Jenkins para o capítulo Sleepwalk DR

Este conto foi publicado na nona edição da Granta Portugal: Comer e Beber, que saiu em Maio deste ano. Também o livro se chama Comer/Beber. “Parece um título genérico mas nunca um título fez tanto sentido para mim, era o único possível”, argumenta Filipe Melo.

“A vertente pessoal” das histórias

A intenção inicial era publicar as duas histórias na revista, mas rapidamente se aperceberam que seria “impossível em termos de tempo e de dimensão”. Depois de falarem com a editora Tinta-da-China decidiram avançar com a publicação da novela gráfica, em formato de livro de bolso, que demorou cerca de um ano a estar concluída e está agora à venda. Será apresentado a 16 de Dezembro na Comic Con do Porto e dois dias depois em Lisboa, na Fnac Chiado.

Já o outro conto, Majowski, é baseado numa história real e passa-se em Berlim, na década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial. O episódio narrado, que envolve uma garrafa de champanhe escondida num cofre durante a guerra, foi-lhe contado pela sua grande amiga (e cantora e arquitecta) Nádia Schilling; o protagonista era o seu bisavô.

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Esboço da personagem Majowski DR

“As duas histórias pareceram ser a mesma apesar de se passarem em dois países diferentes com 40 anos de diferença”. E, diz, tudo começou a fazer sentido – incluindo juntá-las num só livro. Tratando-se de uma narrativa verdadeira, a juntar à investigação histórica havia a necessidade de “respeitar a memória das pessoas envolvidas”, conta o autor. Até porque, no fundo, o que mais os interessou “foi a vertente pessoal da história” — e é nesta dimensão que pretendem trabalhar daqui em diante.

O livro tem ainda alguns extras, que incluem cenas cortadas das histórias, fotografias, esboços ou a carta de Beatrice Schilling (mãe da cantora Nádia Schilling) que deu origem ao conto Majowski. E inclui também a receita da tarte de maçã do capítulo Sleepwalk – não a procurada por Lloyd Jenkins, mas a da mãe de Filipe Melo, que passou de geração em geração até ficar eternizada nas páginas do livro.

“Falamos menos, entendemo-nos mais”

Mesmo morando em dois continentes diferentes, o desenhador argentino e o pianista de jazz português trabalham juntos há quase uma década, numa relação de simbiose e de confiança. “O Juan Cavia tem uma participação activa no que é história e narrativa e gosto de pensar que, da minha parte, há uma participação activa no desenho”, explica Filipe Melo – antes passavam horas a acertar pormenores. “Agora falamos menos, mas entendemo-nos mais. Como na maioria dos casais”, brinca.

A banda desenhada acaba por ser “um híbrido entre profissão e passatempo” na vida dos dois autores, compensando a energia que perdem nas suas profissões; Filipe Melo é pianista, Juan Cavia é director de arte para cinema e publicidade. “Arranjamos sempre forma de conciliar, é assim que passamos o nosso tempo livre”.

Uma das maiores dificuldades em banda desenhada prende-se com o facto de ser ainda um mercado muito pequeno. “E tem uma produção muito cara, consome muito tempo de trabalho de várias pessoas” – o desafio, reconhece o argumentista, é precisamente “conseguir fazer livros que sejam obras pessoais e que mantenham a preocupação com a qualidade artística”.

Com o passar dos anos, a dupla tem deixado as grandiosas aventuras de lado e tem-se focado mais na parte pessoal das histórias. Agora, estão a trabalhar num novo projecto que, de tão exigente, “só deverá estar pronto em 2070”, graceja o escritor. E deixa um vislumbre: o novo projecto de Melo e Cavia parte do fascínio que nutrem pelos realizadores de cinema italiano, que têm uma “capacidade de contar uma história de vida de forma poética, da infância até à velhice, e de abordar uma série de temas universais”. 

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