E depois de Mário, Centeno?

É óbvio que um presidente do Eurogrupo part-time bem sucedido teria todas as condições para uma candidatura de sucesso a estrear o novo cargo de Presidente do Eurogrupo full-time. Trará mais esse “caneco” para Portugal?

Apesar de alguma desatenção nacional e europeia, a candidatura de Mário Centeno a Presidente do Eurogrupo afigurava-se como potencialmente vencedora há já muitos meses, tendo em conta os calendários e equilíbrios que se perspetivavam. No PÚBLICO de 1 de maio, defendi que, ao invés de concentrar os seus esforços nessa candidatura, o Governo deveria estar na linha da frente da defesa da aceleração (recomeço?) da reforma das instituições da área do euro, e propor já nesta fase um Presidente do Eurogrupo neutro, a full-time.

Note-se – tem passado despercebido – que a base legal para o informal Eurogrupo (um Protocolo com dois artigos) permiti-lo-ia já. A sua tradição e regras informais, não – seria preciso um claro consenso nesse sentido.

Os timings políticos europeus (leia-se nos principais países) não favoreceram avanços mais rápidos sobre a reforma da área do euro, que apesar de toda a boa vontade de Macron, e mesmo de Merkel, está bloqueado. O Governo percebeu-o e felizmente não seguiu a minha opinião. Ainda bem para a Europa: dos candidatos e não-candidatos, Mário Centeno é o melhor tecnicamente. Ainda bem também para o prestígio de Portugal. Ainda bem para a qualidade da governação em Portugal? A ver vamos.

A proposta que hoje a Comissão Juncker apresenta para a reforma da União Económica e Monetária não deverá afastar-se muito daquilo que já tem defendido nos últimos tempos (e.g. no Reflexion paper que lançou sobre o tema; no discurso do Estado da União de 2017). Infelizmente, sendo assim, será um contributo tecnicamente sólido mas politicamente estéril.

Como há dias bem sintetizava Guntram Wolff, diretor do Bruegel, no que diz respeito às instituições da área euro, o bloqueio é entre a visão dos falcões do Norte, que não querem mais do que transformar o Mecanismo Europeu de Estabilidade num mais poderoso FMI do Euro, e as visões de Juncker e Macron (apoiadas pelo Sul), que passam a este nível por dar mais poderes à Comissão para gerir o barco orçamental do euro, que deveria ter uma bóia europeia maior (leia-se orçamento da UE/UEM).

No primeiro caso, o Eurogrupo fica como está – um fórum pouco transparente onde se tomam decisões intergovernamentais sobre aspetos que dizem respeito ao interesse geral da União. No segundo caso, o presidente do Eurogrupo seria por inerência o comissário europeu com a pasta do euro, que seria assim um verdadeiro ministro das Finanças da zona euro (embora com pouco ou nenhum orçamento para gerir, seria, é claro, algo paradoxal).

A solução intermédia que alguns observadores apresentam é então um presidente do Eurogrupo com essa função exclusiva, a full-time. Desse modo não se altera o carácter intergovernamental do Eurogrupo, não pondo em causa os delicados equilíbrios nacionais quanto ao receio de “mais Europa”, mas dá-se mais condições ao presidente para desempenhar eficazmente o papel de árbitro nas inevitáveis tensões entre credores e devedores, e algumas condições para representar o interesse geral da União, se de algum modo este presidente for responsável perante o Parlamento Europeu.

Tal solução tem também a vantagem de iludir a necessidade de fazer alterações aos Tratados, embora fosse desejável que essa nova fórmula fosse inscrita nas regras que regem o Eurogrupo e, já que existe, no Tratado Orçamental. Vistas estas vantagens, e a lentidão do processo de reforma, parece mais verosímil uma mudança neste sentido, do que algo mais estrutural e ambicioso.

Mário Centeno, enquanto presidente do Eurogrupo, terá um papel muito importante na discussão e definição políticas desta e das outras importantes iniciativas de reforma das instituições do euro.

Mais: o final do mandato que agora inicia, daqui a 2 anos e meio, será também, em condições normais, o momento em que tomará posse um novo Governo em Portugal. E é óbvio que um presidente do Eurogrupo part-time bem sucedido teria todas as condições para uma candidatura de sucesso a estrear o novo cargo de Presidente do Eurogrupo full-time – tal como, se fosse o caso agora, Dijsselbloem teria todas as condições para ganhar. Trará mais esse “caneco” para Portugal?

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