Qual é afinal a estratégia de Trump para responder à Coreia do Norte?

Secretário de Estado, Rex Tillerson, diz que esforços diplomáticos ainda não estão esgotados.

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Donald Trump é capaz de enunciar várias posições distintas sobre um mesmo assunto Jonathan Ernst/REUTERS
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Kim Jong-un, nos noticiários em Tóquio Toru Hanai/REUTERS

No momento em que a Coreia do Norte se declara uma potência nuclear capaz de “aniquilar todos os Estados Unidos”, aceitam-se apostas sobre qual é a verdadeira estratégia da Administração de Donald Trump para responder àquele que se afigura como o maior desafio à segurança e integridade do país. “Vamos tratar do assunto”, garantiu o Presidente dos EUA, num plural que abrangia os seus secretários da Defesa e de Estado e que fez disparar a ansiedade dos observadores internacionais, que vêem o alheamento de Trump, o esvaziamento de Tillerson e o protagonismo de Mattis como um perigoso sinal de que uma confrontação está a tornar-se inevitável.

A crise da Coreia do Norte é o expoente máximo da actual desorientação da política externa norte-americana – e da disfuncionalidade que vigora em Foggy Bottom, a sede do Departamento de Estado norte-americano, que quase um ano depois da mudança de Administração continua com muitos dos principais quadros de chefia por preencher.

A inexperiência política e diplomática de Rex Tillerson fica patente de cada vez que é ultrapassado pelos seus interlocutores na arena internacional ou desmentido pelo próprio Presidente – que, por sua vez, é capaz de enunciar várias posições distintas sobre um mesmo assunto.

Depois de prometer reagir com “fogo e fúria” a um eventual novo ensaio nuclear do regime de Kim Jong-un, Donald Trump pareceu desvalorizar o teste balístico de terça-feira à noite – o lançamento de um míssil balístico intercontinental, que viajou cerca de mil quilómetros antes de cair no mar do Japão ao fim de 53 minutos –,  o 17.º ensaio da Coreia do Norte desde o início deste ano. De acordo com a agência estatal norte-coreana KCNA, Kim Jong-un assistiu ao lançamento, após o qual “declarou com orgulho que finalmente completou o grande desígnio histórico de transformar o país numa força nuclear”.

Um dia cheio no Twitter

 A ameaça parecia, aliás, estar longe das preocupações mais imediatas de Donald Trump esta quarta-feira. Indeciso sobre qual a crise mais premente – a prova que Pyongyang já é uma potência nuclear capaz de montar um ataque à América, ou o braço-de -erro com os líderes da bancada democrata no Congresso para aprovar o Orçamento e evitar um shutdown do Governo federal –, o Presidente passou o dia no Twitter: a recriminar as autoridades norte-americanas por não investigarem o caso dos emails de Hillary Clinton, a acusar as cadeias televisivas CNN e NBC de serem “fake news” ou ainda a republicar vídeos incendiários encontrados na conta da vice-presidente do partido britânico de extrema-direita Britain First, a denunciar a alegada violência dos muçulmanos contra as populações cristãs.

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Só ao princípio da tarde informou que depois da “última provocação” de Kim Jong-un a sua Administração vai impor sanções adicionais a Pyongyang. “Esta situação será resolvida”, garantiu, novamente através do Twitter.

Na semana passada, a Administração norte-americana reintegrou a Coreia do Norte na lista oficial de Estados patrocinadores do terrorismo e aplicou novas sanções comerciais a empresas norte-coreanas e firmas chinesas com negócios em Pyongyang. “Temos uma longa lista de potenciais sanções adicionais que poderão ser aplicadas e que envolvem instituições financeiras”, completou o secretário de Estado, Rex Tillerson, esta quarta-feira.

Numa prova de vida, Tillerson veio dizer que a diplomacia norte-americana está activa e longe de ter esgotado os seus esforços para evitar um confronto militar. “Os Estados Unidos continuam interessados em encontrar um caminho pacífico para acabar com as acções beligerantes e alcançar a desnuclearização da Coreia do Norte”, sublinhou.

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A inexperiência do secretário de Estado Rex Tillerson torna-se evidente sempre que é ultrapassado pelos seus interlocutores Yuri Gripas/REUTERS

O papel de Tillerson na gestão do dossier norte-coreano tinha merecido duras críticas ao seu antecessor no cargo, John Kerry, que horas antes do novo ensaio balístico norte-coreano falara numa conferência sobre os riscos que a actual Administração está a correr com o desmantelamento da estrutura de Foggy Bottom e com a ambiguidade da sua política externa em face da retórica inflamada e incoerente da Casa Branca. “Não estamos a seguir uma estratégia diplomática organizada, planeada, fundamentada e inteligente para evitar aquela que será sempre a pior opção de todas. Assim, é possível que não nos reste outra alternativa que não seja ir para a guerra”, lamentou Kerry.

Tillerson não respondeu especificamente às críticas de Kerry, mas contestou as denúncias feitas por vários funcionários de topo da carreira diplomática de que o corte de 30% no orçamento destinado à diplomacia e à ajuda ao desenvolvimento, proposto pela Casa Branca e aceite pelo secretário de Estado, esteja a comprometer ou até inviabilizar a resposta política à crise da Coreia do Norte – e também às ambições expansionistas da Rússia, ao fim da guerra da Síria ou ao combate ao terrorismo internacional. “Só posso ficar ofendido perante a sugestão de que o Departamento de Estado não funciona”, reagiu Tillerson.

Em contraponto, o reforço do orçamento do Pentágono parece consagrar a mensagem de que a Casa Branca privilegia a via militar na resposta às crises. Mas para muitos analistas internacionais a retórica inflamada e belicista de Trump está a exacerbar os problemas com que os EUA se confrontam.

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No caso concreto da Coreia do Norte, os especialistas dizem que as declarações de Trump terão tido o efeito de apressar o desenvolvimento do projecto militar de Kim Jong-un. Como escreveu Jeffrey Lewis, especialista do Middlebury Institute of Internacional Studies, na revista Foreign Policy, o programa balístico e nuclear tem um duplo objectivo ofensivo e defensivo para o regime: funciona como dissuasor de um eventual ataque, precisamente porque garante a capacidade para retaliar ou repelir uma invasão militar.

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