Não chores, Rui. Brinca com o Infarmed

A gente esfrega os olhos e nem consegue acreditar no que vê. A quem pensa António Costa agradar?

Como é possível que um político tão habilidoso como António Costa esteja a acumular erros atrás de erros desde o Verão? Há asneiras para todos os gostos. Erros políticos calamitosos, como a gestão dos fogos; erros ridículos de comunicação, como o tweet do Panteão; erros de tibieza e falta de estratégia, como nas negociações com os professores. E agora, isto: o primeiro-ministro hesitante e teacher friendly da semana passada resolveu travestir-se de macho man da descentralização. Vai daí, embrulhou o Infarmed e os seus 350 trabalhadores em papel de Natal e foi ao Porto oferecê-los a Rui Moreira, que tinha ficado triste por perder a Agência Europeia do Medicamento para Amesterdão.

A gente esfrega os olhos e nem consegue acreditar no que vê. A quem pensa António Costa agradar? Mistério. Tirando Rui Moreira, que teve uma reacção tão infantil quanto a de Costa, aparecendo em frente aos jornalistas com a felicidade de quem recebeu o carro da Barbie depois de ter perdido a casa da Barbie, não há ninguém que consiga perceber o racional disto. Qualquer pessoa olha para esta transferência e fica chocada com a absoluta discricionariedade da decisão. O Porto tinha concorrido e perdido um concurso europeu e ninguém estava a culpar o Governo. Aliás, ninguém estava sequer a falar nisso. De repente, aparecem António Costa e Adalberto Campos Fernandes a oferecer ao Porto aquilo que o Porto não pediu, e envolvendo na negociata a vida de 350 pessoas, mais as suas famílias, que souberam da decisão pelas televisões. Não há outra palavra: isto é chocante.

Não está em causa a necessidade de descentralizar o país, nem o excessivo poder do Terreiro do Paço, nem a forma como o Estado podia, e devia, espalhar a sua estrutura megalómana pelo território. Só que enviar o Infarmed para o Porto não faz parte de uma qualquer descentralização planeada, de uma reforma administrativa mínima ou de uma simples necessidade técnica. Costa achou que devia dar um prémio de consolação ao Porto, e foi isto que ele arranjou — sem estudos, sem envolvimento dos trabalhadores, sem anúncio prévio. Calhou a fava ao Infarmed, simplesmente porque sim. E, desconfio eu, por ter pouca gente sindicalizada na CGTP.       

A par do regresso às 35 horas na função pública, é bem possível que este anúncio seja uma das mais vergonhosas decisões tomadas por António Costa desde que é primeiro-ministro. Se em termos económicos a gravidade é muito diferente, em termos estritamente políticos as duas medidas são sintomáticas da capacidade que Costa tem de recorrer ao populismo mais irracional se achar que obtém ganhos imediatos, independentemente do número de pessoas que atropele. Contudo, se no caso das 35 horas a medida é absurda mas eleitoralmente eficaz, no caso do Infarmed nem isso. Parece uma coisa à Santana Lopes — nem se percebe a lógica da decisão.

Pergunto: estará o primeiro-ministro a perder o mojo? Ter-se-á eclipsado a magnífica intuição política que o trouxe até aqui? Com Passos Coelho fora de jogo e o PSD entregue a dois candidatos que não entusiasmam um único hominídeo desde a invenção do iPhone, era bom que a legislatura chegasse ao fim. Tal como o soldado que é um exemplo de coragem até quebrar de vez e passar a assustar-se com a própria sombra, António Costa anda desde Outubro de cabeça perdida. Convinha que se recompusesse, para bem do país. Talvez possa perguntar ao Infarmed se tem por lá algum medicamento para isso.

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