Descobertas sobre visão, malária e Parkinson valem Prémios Pfizer 2017

Três cientistas portugueses foram seleccionados entre 79 candidaturas à mais antiga distinção na área da investigação biomédica em Portugal. A médica Andreia Rosa e os investigadores Maria Manuel Mota e Rui Costa são os vencedores.

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Fábio Augusto

Uma médica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) percebeu que o cérebro passa por um processo de adaptação quando um doente com cataratas é submetido a uma cirurgia e coloca lentes multifocais. Uma investigadora do Instituto Medicina Molecular (IMM) de Lisboa demonstrou, em ratinhos, que uma redução calórica de 30% na dieta abranda a multiplicação de parasitas da malária, tornando a infecção menos agressiva. E um neurocientista da Fundação Champalimaud percebeu que os neurónios que libertam dopamina, que os doentes com Parkinson perdem, são sobretudo necessários para iniciar um movimento. Estes são os três projectos vencedores da 61ª edição dos Prémios Pfizer, que são entregues esta terça-feira em Lisboa.

Andreia Rosa, oftalmologista do CHUC venceu o prémio instituído por uma parceria entre os laboratórios Pfizer e a Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, na categoria de Investigação Clínica, no valor de 20 mil euros. A especialista decidiu espreitar, através de exames de ressonância magnética funcional, o cérebro de 30 doentes que foram submetidos a uma cirurgia para cataratas. O estudo, explica Andreia Rosa, partiu da percepção de que existia um pequeno grupo de pessoas (entre 4 a 12 %) que colocavam estas lentes multifocais (que permitem uma visão de longe, perto e média distância sem óculos) com queixas de encadeamento, halos e brilhos (disfotópsias).

Percebeu que, nos casos estudados e que envolveram a colocação de lentes multifocais para resolver o problema, o “cérebro” precisa de um período de adaptação a esta nova ajuda para ver melhor ao longe, ao perto e a média distância. Estes doentes foram seguidos durante seis meses e notou-se que “sobretudo nos primeiros tempos, são activadas zonas do cérebro associadas à aprendizagem e à execução de tarefas difíceis”.

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Andreia Rosa venceu o Prémio de Investigação Clínica Luís Garcia/Esfera das Ideias (DR)

No fim do estudo, praticamente todos os doentes já não precisavam de usar com a mesma intensidade as zonas do cérebro que os ajudaram na adaptação. Ou seja, o trabalho comprovou também a capacidade para a aprendizagem visual e plasticidade de um cérebro adulto, e que normalmente está associada a idades mais jovens.

Os resultados deste projecto podem vir a ajudar na selecção da melhor lente a implantar durante a cirurgia às cataratas, na avaliação de diferentes e melhores desenhos de lentes e na procura de estratégias terapêuticas que favoreçam a adaptação a esta solução para corrigir problemas de visão.

Na categoria de Investigação Básica houve dois projectos vencedores. Maria Manuel Mota é a líder da equipa do IMM que esclareceu mais um mecanismo importante sobre o parasita da malária, que ainda mata uma criança a cada dois minutos segundo os dados da Organização Mundial da Saúde. A equipa mostrou que uma redução calórica de 30% na dieta de ratinhos com malária fez abrandar a infecção. O trabalho demonstra, assim, que o parasita da malária (o Plasmodium falciparum, que só afecta os humanos e é transmitido pela picada dos mosquitos anófeles) tem “a capacidade sensorial de determinar qual é o estado nutricional do hospedeiro”.

Mais do que apenas saber o que comemos, este agente infeccioso é capaz de se adaptar ao ambiente nutricional. Para isso, usa uma espécie de antena (na verdade, uma enzima que envia um sinal para o parasita) que detecta o estado nutricional do hospedeiro. “No grupo com corte calórico, o parasita replica-se muito menos, torna-se muito menos agressivo e causa muito menos doença”, explicou Maria Mota em Julho deste ano, quando o artigo sobre o estudo foi publicado na revista Nature. O próximo passo desta investigação, anunciou nessa altura, é encontrar formas de sabotar esta antena e “enganar” o parasita, enviando sinais de corte calórico quando este não existe e, assim, reduzir a agressividade de uma eventual infecção.

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Maria Manuel Mota venceu na categoria de investigação básica Tiago Machado

O cientista Rui Costa, da Fundação Champalimaud, vai partilhar o Prémio de Investigação Básica, no valor de 20 mil euros, com a equipa de Maria Manuel Mota. Neste caso, o cientista concluiu, também em ratinhos, que os neurónios responsáveis pela produção de dopamina (e que são afectados na doença de Parkinson) são importantes sobretudo para iniciar um movimento, especialmente movimentos mais vigorosos. “Percebemos que são neurónios francamente menos relevantes durante o movimento. Usámos uma técnica chamada ‘optogenética’ que nos permite ligar e desligar os neurónios de ratinhos e ver, durante as diferentes fases do movimento, o que os neurónios estão ou não a fazer”, explicou ao PÚBLICO Joaquim Alves da Silva, que faz parte do grupo de Rui Costa. Assim, neste estudo percebeu-se que quando estes neurónios são “desligados” antes de o animal iniciar um movimento este arranque é afectado. “Ou seja, quando desligamos estes neurónios antes do movimento, o ratinho tem problemas em começar a mexer-se. Mas, se os desligarmos durante um movimento já iniciado, esse movimento já não era afectado.”

A equipa dedicou-se sobretudo a estudar um dos sintomas da doença de Parkinson: a bradicinesia, normalmente descrita como uma diminuição da probabilidade de movimento ou lentidão na sua execução. É um dos principais sintomas motores desta patologia, além dos tremores e rigidez. O estudo permitiu identificar uma função importante destes neurónios dopaminérgicos no início de um movimento, mas também no vigor e rapidez com que é executado. A descoberta não tinha como objectivo encontrar aqui uma solução terapêutica, mas o neurocientista acredita que “chegámos a um ponto na neurociência e na sua ligação com a prática clínica que, se não percebermos como os circuitos funcionam, não vamos conseguir desenvolver novas terapêuticas”. Neste caso, a descoberta sugere que “talvez se possa encontrar uma maneira de actuar no sistema que fosse transitória” e que imite a função destes neurónios.

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O grupo de Rui Costa, de que faz parte Joaquim Alves da Silva (na foto), também venceu na categoria de investigação básica Gabriela Martins

O próximo passo desta investigação vai numa direcção um bocadinho diferente. “Sabemos que os doentes com Parkinson, apesar de terem graves problemas de movimento, em certas condições conseguem desempenhar normalmente os movimentos (cinésia paradóxica)”, explica o investigador. Recorrendo a uma imagem mais simples, é como se estes doentes conseguissem andar de bicicleta se os colocarmos numa e dermos um empurrão, mas fossem incapazes de dar a primeira pedalada. “Gostava de perceber qual é a diferença em termos de circuitos cerebrais entre estes movimentos iniciados voluntariamente e o mesmo movimento como reflexo”, diz, antecipando que poderemos encontrar aqui “circuitos paralelos que recrutam os mesmos neurónios”.

Os Prémios Pfizer, a mais antiga distinção na investigação biomédica em Portugal, receberam este ano um total de 79 candidaturas. Seja na área da visão, na infecção da malária ou na complexa doença de Parkinson, os três projectos ajudam a conhecer melhor estes problemas e, assim, colocam-nos mais perto de possíveis soluções.

Notícia corrigida às 7h54: o prémio foi atribuído a Rui Costa, que é o líder da equipa de que Joaquim Alves da Silva faz parte, informação que não tinha sido divulgada.

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