O Estado e os comportamentos aditivos

As listas de espera por uma consulta de alcoologia ou consumo de droga aumentaram consideravelmente, um hiato contraproducente para quem tem de intervir com estas populações.

O Ministério da Saúde está com alguma dificuldade em perceber que o modo como funcionam os serviços de tratamento das dependências deveria ser alvo de uma profunda revisão. É certo que foi criado um grupo de trabalho para avaliar se vale a pena ou não acabar com a actual bicefalia entre o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD) e as administrações regionais de saúde e se o melhor é voltar a criar um organismo com funções semelhantes à do Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT). Extinto durante a intervenção da troika, os recursos e as competências do IDT no tratamento e prestação de cuidados a toxicodependentes e alcoólicos foram integrados nas administrações regionais de saúde e o resultado foi uma confusão administrativa.

É certo que vários profissionais e organizações da sociedade civil que trabalham nesta área estão a ser ouvidos na comissão parlamentar de saúde e que o que se pretende é recolher o máximo possível de informação. Mas todos os sinais obtidos até aqui vão no sentido de arrastar uma decisão para meados do próximo ano, apesar de o grupo de trabalho criado pelo Governo ter ficado encarregue de apresentar uma proposta de organização até ao final deste mês. Com este impasse, o mais certo é que a qualidade das respostas dos serviços se deteriore.

As listas de espera por uma consulta de alcoologia aumentaram consideravelmente, como se refere na edição de hoje, à semelhança do que acontece com as consultas por consumo de droga (dois a seis meses de espera), um hiato contraproducente para quem tem de intervir com estas populações. Acresce que, tal como o PÚBLICO noticiou recentemente, também existem atrasos no fornecimento de metadona nos programas de tratamento e que são vários os responsáveis dos serviços que se demitiram por causa dos entraves burocráticos do sistema.

Esta bicefalia é um oxímoro: trata-se de um modelo que não funciona e que foi criado para gerir o que ficou conhecido como modelo português das drogas, reconhecido e premiado internacionalmente pelo modo como Portugal descriminalizou o consumo de drogas. Deveríamos estar a falar de outras políticas no campo da redução de danos ou a acompanhar experiências legislativas em curso em países como o Uruguai, Canadá, ou em alguns estados norte-americanos, em vez de enredados na burocracia administrativa. Mas o Estado também tem os seus comportamentos aditivos.

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