Para Sara Sampaio as modelos ganharam voz graças às redes sociais

A modelo portuguesa falou no último dia da Web Summit sobre a voz que as modelos têm para denunciar casos de assédio sexual.

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LUSA/ANTONIO COTRIM

Uma semana antes de celebrar uma década desde que ganhou o concurso de modelos que lançou a sua carreira, Sara Sampaio foi falar à Web Summit, em Lisboa, sobre a mudança de equilíbrio de poder que as redes sociais trouxeram à indústria da moda. “Costumávamos não ter voz”, para falar sobre os abusos, mas agora começamos “a responsabilizar as pessoas pelas suas acções”.

A modelo de 26 anos falou concretamente sobre o caso que expôs no mês passado no seu Instagram. Numa recente capa da revista francesa Lui apareceu nua, apesar de ter declarado expressamente que não o queria fazer e até ter assinado um contrato com esta condição.

“Tenho tido muitas produções em que chego e simplesmente esperam que eu me dispa”, conta a modelo. “Quando alguém me força ou espera algo de mim, eu digo logo 'não'. Tenho falado muito sobre isto”. Infelizmente, continua, algumas pessoas não compreendem que cabe à modelo decidir se mostra ou não o corpo e isso pode acontecer conforme as situações, continua, acrescentando que e é frequentemente coagida quando lhe mostram imagens antigas onde aparece nua.

No dia da produção com a Lui, a portuguesa viu-se confrontada com uma pessoa da equipa – “não o fotógrafo”, salvaguarda – que a pressionou para aparecer nua, apesar daquilo que estava pré-acordado e estipulado no contrato. “Fiquei mesmo chateada quando aquela pessoa me veio mostrar as fotografias”, comenta.

Sampaio já tinha dito nas redes sociais que, no final da sessão fotográfica, quando verificou que havia fotografias em que estava mais exposta, foi-lhe garantido que não seriam utilizadas. Agora voltou a falar sobre a situação em pormenor: “Enquanto está a decorrer a produção, é mesmo difícil ter a certeza de que está tudo tapado. Estamos a posar e queremos parecer naturais. E temos de confiar na equipa, [saber] que não vão utilizar as fotografias que não queres. Porque acontecem acidentes.”

Sobre o que fazer depois de a imagem ter sido publicada confessa que demorou “um bocado até chegar à conclusão do que queria fazer". É que, apesar do poder que as redes sociais dão, este também requer “muita responsabilidade”. “Tive uma equipa que trabalhou comigo e certifiquei-me que era feito de forma certa.”

Denunciar os nomes

A modelo da Victoria’s Secret diz que chegou a altura de começar a apontar para o nome das pessoas que desrespeitam as modelos. Mesmo as modelos que não têm audiências de milhões conseguem que as suas histórias sejam ouvidas, através das redes sociais, defende. “Eu estou farta. E estou numa óptima posição na indústria de moda, por isso nem consigo imaginar [como é com] as raparigas mais jovens.”

Quando se juntou, mais tarde, à actriz e activista Rosario Dawson, para falar sobre “a ascensão da celebridade activista”, Sampaio salientou a dificuldade que as figuras públicas encontram em expressar opiniões sobre assuntos mais sensíveis.

“Falar sobre estas coisas não gera muito engagement”, explica. Se, por um lado, uma selfie pode ter 150 mil likes, exemplifica, um post sobre um tema importante pode não ultrapassar os 50 mil. Às vezes até pode prejudicar os números das redes sociais, algo que está directamente ligado aos salários que as modelos recebem.

Sobre o caso de Terry Richardson, que foi impedido de trabalhar com algumas das revistas mais vendidas no mundo, face às inúmeras acusações de assédio sexual, a modelo portuguesa comenta que toda a gente sabia o que estava a acontecer e que simplesmente olhavam para o lado, continuando a trabalhar com ele durante anos. Acusou até a indústria de hipocrisia, por só ter agido no seguimento do escândalo de Harvey Weinstein.

Os casos de raparigas menores a fazer produções topless, a serem sexualizadas demasiado cedo ou mesmo de raparigas mais velhas a serem forçadas a posar nuas não são uma raridade na indústria da moda, garante Sara Sampaio. Mas, defende, “não precisa de ser assim, pode ser uma colaboração”. “Se o fotógrafo, maquilhador e estilista todos colaboram [no processo criativo], porque é que uma modelo não pode [fazer o mesmo]? Porque é que tem de ser a pessoa que se cala e faz tudo [o que lhe pedem]? Porque é que ela não pode contribuir com algo?”, interroga.

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