O Porto quer mais coberturas verdes e o PDM deverá dizer-nos como

Projecto Quinto Alçado do Porto identificou zonas prioritárias da cidade que podem receber coberturas com vegetação.

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O projecto Quinto Alçado identificou 131 estruturas com coberturas verdes já existentes no Porto Adriano Miranda

Se calhar nunca reparou, mas já existem no Porto 131 estruturas ou edifícios com cobertura vegetal, as chamadas coberturas verdes. O número até pode impressionar quem nunca tinha pensado no assunto, mas está longe de ser considerado ideal pela Associação Nacional de Coberturas Verdes (ANCV) e pela Câmara do Porto. A primeira abordou a segunda, propondo um trabalho conjunto para que os telhados e coberturas da cidade pudessem contribuir um pouco mais para a qualidade ambiental, e o trabalho está em marcha. A expectativa é que o Plano Director Municipal (PDM) do Porto, que está em revisão, passe a incluir directivas sobre esta matéria.

A ANCV, uma organização sem fins lucrativos que conta, entre os seus objectivos, com a “promoção, junto do Governo e dos municípios, das coberturas verdes como parte das estratégias ambientais e energéticas”, abordou as câmaras de Lisboa e do Porto, propondo uma parceria com o objectivo de instalar mais coberturas verdes nas duas cidades. Paulo Palha, presidente da associação, diz que as respostas dos dois municípios foram muito diferentes. “Lisboa vai investir milhões de euros em túneis, por causa das cheias, e não há no plano da cidade uma única palavra sobre as Nature-Based Solutions. Quando abordamos a autarquia a resposta foi um ‘vamos ver’. No Porto, o vereador do Ambiente, Filipe Araújo, agarrou logo a ideia”, diz.

O Porto é, neste momento, o único município com quem a ANCV tem um trabalho desenvolvido. O projecto começou em Agosto do ano passado e levou a associação, durante um ano, a fazer um diagnóstico da cidade, avaliando locais estratégicos para a introdução de coberturas verdes. Durante esse trabalho, cuja metodologia foi premiada num congresso da especialidade em Itália, responsáveis da ANCV e da autarquia foram estudar duas cidades com provas dadas no âmbito das coberturas verdes – Londres, na Inglaterra, e Linz, na Áustria –, foram identificadas coberturas verdes já existentes na cidade e as zonas do Porto que devem ser consideradas como prioritárias neste tipo de intervenção.

Em Agosto deste ano o Quinto Alçado do Porto (é esse o nome do projecto) entregou ao município o resultado do trabalho desenvolvido: um relatório de tudo o que se aprendeu e um guia técnico que aponta caminhos a seguir. Os dois documentos estão, neste momento, a ser “analisados”, diz ao PÚBLICO o vereador do Ambiente e actual vice-presidente da Câmara do Porto, Filipe Araújo.

O autarca confirma que a autarquia abraçou de imediato a proposta da ANCV, porque o que ela propunha ia ao encontro da própria estratégia ambiental que estava a ser desenvolvida pela câmara. “A associação veio-nos trazer o know-how de que precisávamos”, diz.

O Quinto Alçado do Porto aponta caminhos para a inclusão de coberturas verdes em edifícios novos ou em obras na cidade, com uma nuance que Paulo Palha diz ser completamente inovadora, em relação a tudo o que já se vai fazendo pelo mundo nesta matéria. “Depois de toda a análise que fizemos, a lógica dizia-nos que se o Porto avançasse com uma política de coberturas verdes, deveria exigir determinadas performances dessa cobertura. Por exemplo, que seja capaz de reter 50% da precipitação. Porque também há a possibilidade de nos limitarmos a pôr uma vegetação barata, fácil de instalar e com pouca manutenção, mas que acaba por ser muito redutora em termos de serviços”, defende o agrónomo que preside à ANCV.

Filipe Araújo diz que ainda é cedo para dizer exactamente como é que a cidade vai introduzir esta questão nas suas políticas ambientais, mas há, pelo menos, duas possibilidades em cima da mesa. O PDM poderá incluir a obrigatoriedade de novas construções ou obras, em edifícios com determinadas características, terem uma percentagem de cobertura verde; ou poderão ser oferecidos benefícios a quem incluir essa vertente nos seus projectos. “O que está previsto é que o trabalho feito instrua e oriente não só o município, mas também os actores privados. Agora, em que medida é que vai ser obrigatório uma nova construção ter xis metros quadrados de cobertura verde é algo que ainda estamos a analisar. Mas a preparação está feita e o grande objectivo é que um conjunto de medidas seja incluído na discussão do PDM, e que ele seja municiado com estas acções. Sendo certo que ninguém com um telhado inclinado ou com prédios no centro histórico será obrigado a introduzir estas coberturas”, diz Filipe Araújo.

Legislação ou incentivos à introdução de coberturas verdes não são novidades em países como a Áustria (Linz terá sido a primeira cidade), a Inglaterra ou a Alemanha, mas por cá o tema só agora está a começar a captar o interesse do mundo académico e das cidades, embora não seja propriamente uma novidade, diz Paulo Palha. No Porto, o projecto Quinto Alçado identificou 131 estruturas com coberturas verdes e algumas delas até o podem surpreender. É pensar na Praça do Infante D. Henrique e no pequeno jardim que cobre o parque de estacionamento subterrâneo aí existente. Ou na Praça Carlos Alberto, onde também existe um parque de estacionamento subterrâneo sob o verde que cobre parte da superfície.

Para o responsável da ANCV estes são dois exemplos claros de coberturas verdes na cidade, embora talvez seja mais evidente para os cidadãos associarem o conceito à cobertura da Estação da Trindade ou ao vasto relvado que cobre a antiga Praça de Lisboa. “As pessoas acham que uma cobertura verde tem que estar no topo de um edifício e isso não é verdade”, diz. Outros exemplos são a cobertura do Mercado de S. Sebastião ou do edifício Les Palaces, além de várias habitações particulares ou a ETAR do Freixo.  

O responsável da ANCV garante que as coberturas verdes, a par com outras Nature-Based Solutions, tem particular relevância nestes tempos de alterações climáticas. Propiciam a biodiversidade, ao estimularem a presença de insectos polinizadores, contribuem para a eficiência técnica dos edifícios e são um complemento aos parques e jardins, ajudando a criar verdadeiros corredores verdes. “As pessoas acham que estas coberturas podem prejudicar a impermeabilização. Esse é um velho fantasma, mas a realidade é precisamente o contrário. Os materiais dos edifícios dilatam-se com o calor e contraem-se com o frio, e isso é que faz com que a impermeabilização se perca e tenha que ser renovada. A existência de uma cobertura verde, com a sua vegetação e o substrato de terra, pode duplicar o tempo de vida das estruturas, o que é muito interessante em termos dos custos de manutenção dos edifícios”, diz o agrónomo, que a par com a sua actividade na ANCV, tem uma empresa de projectos de arquitectura paisagista, construção e manutenção de espaços verdes.

A ANCV, diz, funciona sempre com base num triângulo, que inclui grupos de investigação, municípios e empresas. No Porto, com pouca hipótese de crescimento que não seja pela densificação, a introdução de novas soluções que coloquem ao serviço de uma melhor qualidade ambiental os “milhares de metros quadrados de coberturas que, neste momento, não trabalham para isso”, pode ser uma boa forma de reagir a essa pressão, defende Paulo Palha.

Filipe Araújo concorda e diz que a câmara está pronta para dar o exemplo. Para isso, há, para já, dois edifícios da responsabilidade da autarquia que vão contar com esta solução. Um deles será o futuro terminal intermodal de Campanhã, o outro o futuro Museu da História do Porto, no antigo reservatório de água do Parque da Pasteleira. A estrutura foi desenterrada para recebe aquele pólo museológico, mas vai voltar a ter uma cobertura verde, à semelhança do que acontecia no passado, garante o vereador. 

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