Vendas de casas estão a ser declaradas 8% abaixo do valor das imobiliárias

A diferença média entre os valores de venda divulgados pelo INE e aqueles que são reportados pela base de dados do Confidencial Imobiliário atinge uma média de 8% nas freguesias de Lisboa. Há casos em que a divergência chega aos 550 euros por metro quadrado. O que está na base desta disparidade?

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Fernando Veludo / Nfactos

Um cliente da Confidencial Imobiliário que tivesse consultado as últimas informações do Sistema de Informação Residencial (SIR) ficaria a saber, por exemplo, que no segundo trimestre deste ano, o preço médio por metro quadrado de um apartamento vendido na freguesia de Belém, em Lisboa, atingiu os 3048 euros.

Com este valor, um apartamento de 100 metros quadrados atingiria facilmente os trezentos mil euros (304 800 euros). Porém, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), com base no valor mediano das vendas declaradas, divulgadas no início desta semana, o metro quadrado na mesma freguesia e no mesmo período era de 2410 euros, pelo que o mesmo apartamento de 100 metros quadrados custaria 240 mil euros.

O PÚBLICO comparou a informação das duas bases de dados e encontrou diferenças bastantes expressivas, tanto nas freguesias de Lisboa e como nas do Porto. Convém explicar, desde já, que o INE reporta medianas ("valor que separa em duas partes iguais o conjunto ordenado de preços por metro quadrado") e o SIR analisa médias.

Mas, a pedido do PÚBLICO, o Confidencial Imobiliário regressou à sua base de dados para apurar as medianas, e verificou-se que a diferença se mantém igualmente elevada: o valor mediano do metro quadrado de um apartamento vendido em Belém no segundo trimestre de 2017 foi de 2967 euros no SIR. Assim, usando bases comparáveis, a diferença de valores atinge os 557 euros. No já referido, e ficcionado, apartamento de 100 metros quadrados, a diferença seria de 56.700 euros.

O caso da freguesia de Belém pode ser aquele em que a disparidade é maior, mas a verdade é em que todas as freguesias em que foram comparados o valor de venda por metro quadrado entre ambas as entidades estatísticas houve sempre diferenças importantes reveladas.

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Em média, e só no caso das freguesias analisadas em Lisboa, e comparando o valor divulgado pelo INE com aquele que é calculada pelo Confidencial Imobiliário, a diferença atinge os 8,1%. Esta estatística absorve tanto os casos de maior disparidade, por exemplo Belém, como aqueles em que o diferencial está mais esbatido, de apenas 1% - é o caso do Parque das Nações, onde o INE divulgou o valor mediano de venda de 3094 euros o metro quadrado, e o CI apontou para os 3142 euros.

Nas freguesias analisadas do Porto – onde não foi possível apurar as medianas, mas onde o PÚBLICO teve acesso ao preço médio de venda por metro quadrado dos apartamentos constantes na base de dados do SIR -, as divergências também são expressivas.

Segundo o INE, o valor mediano apurado nas freguesias de Cedofeita e Santo Ildefonso foi de 1460 euros o metro quadrado; o SIR da Confidencial Imobiliário apurou uma média de venda de 1855 euros. Trata-se de um diferencial de cerca de 20%, a mesma dimensão do que foi encontrado nas estatísticas apuradas nas freguesias de Aldoar, Foz e Nevogilde: a mediana do INE é 1643 euros, a média do SIR é de 2058 euros. No caso do Bonfim, uma freguesia menos central, o diferencial fica-se pelo 10%. o INE reporta um valor mediano de 1149 euros por metro quadrado e o CI aponta para os 1235 euros por metro quadrado.

Fuga ao fisco?

Como se justifica uma diferença tão grande? O valor declarado no acto da compra é inferior ao efectivamente contratado? É uma explicação possível, admite Óscar Afonso, vice-presidente do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) da Faculdade de Economia do Porto. “Suponho que o preço por metro quadrado de uma habitação numa determinada zona divulgado pelo site Confidencial Imobiliário diz respeito ao preço publicitado pelas imobiliárias, enquanto o preço divulgado pelo INE diz respeito ao resultante de contratos/transacções efectivas. O diferencial positivo entre o primeiro e o segundo deverá assentar em dois factos: primeiro, a negociação entre vendedor e comprador e, depois, os valores pagos fora do contrato para evitar pagamento de impostos e contribuições”, adiantou o vice-presidente do OBEJEF, responsável pelo Índice da Economia Paralela, em Portugal, que se situou em 27% do Produto Interno Bruto em 2015.

Sendo que a publicação destes indicadores é de uma relevância fundamental para perceber o real comportamento do mercado, é natural que gerem dúvidas nos utilizadores sobre em qual dos valores confiar. É importante explicar que o universo de análise de cada um deles é substancialmente diferente.

As publicadas pelo INE resultam de dados oficiais, nomeadamente fiscais, obtidos junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).  “O cálculo das Estatísticas de Preços da Habitação ao nível local baseia-se na ligação da informação do Imposto Municipal sobre as Transacções Onerosas de Imóveis (IMT), de onde se obtém os preços das transacções, com a do imposto municipal sobre imóveis (IMI), de onde se retiram as características identificadoras do alojamento transaccionado [que se trata de habitação] ”, explica a autoridade estatística nacional.

Já o SIR é uma base de dados que começou a ser construída em 2005 e que hoje em dia é usada por instituições como o Banco de Portugal ou o Banco Central Europeu. É construída e alimentada através da participação das empresas que actuam neste mercado, nomeadamente as empresas de mediação.

Segundo o director da Confidencial Imobiliário (CI), Ricardo Guimarães, o SIR trabalha com mais de 400 entidades, entre elas as principais redes de mediação nacional, que não só pagam para aceder à base de dados como têm de participar com o fornecimento de dados das suas empresas, indicando os valores das transacções que foram feitas sobre a sua mediação, e sobre o qual vão cobrar a habitual comissão. “A CI é uma empresa de produção e venda de dados estatísticos, e a fiabilidade e independência  da sua informação é crítica, para que os operadores de mercado a possam ter como boa o suficiente para a continuarem a comprar”, argumenta.

Dimensão da amostra

Para além das fontes de informação, também o universo de dados tratados é substancialmente diferente. Segundo o INE, no ano de 2015 foram transaccionadas em Portugal 107.302 casas. No ano de 2016, esse número aumentou para 127.106. Nos dois primeiros trimestres de 2017, o número de alojamentos transaccionados já ultrapassou os 72 mil. E é este o universo utilizado pelo INE para apurar o valor mediano do preço de venda por metro quadrado.

Ao PÚBLICO, Ricardo Guimarães afirmou que o SIR analisa em média, todos os anos, cerca de 25 mil transacções o que considera ser uma quota muito relevante do mercado.

Há ainda um outro factor a ter em conta no universo de dados tratados. É que uma fatia importante das transacções de imóveis é feita à margem das mediadoras imobiliárias. Para além das vendas directas, os escritórios de advogados controlam hoje uma fatia importante deste mercado que, embora não haja dados oficiais, pode superar os 30% das transacções.

Uma vez que “não é preciso ter a totalidade do universo como amostra para conseguir apurar estatísticas fidedignas e relevantes”, como recorda Ricardo Guimarães, o director da Confidencial Imobiliário considera estar a trabalhar “com a fatia mais formal do mercado” no sentido em que o CI trabalha com as redes de mediação, “com o sector mais profissionalizado”. “Ao ser paga, a informação apurada pelo SIR excluiu desde logo os operadores mais informais que não percepcionam a importância de haver informação credível do mercado”, sintetizou.

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