Há uma nova fronteira Leste-Oeste na Europa?

Visto do Ocidente, há quem tome as excepções como um todo e fale do populismo como um problema exclusivo da região.

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Na Hungria do primeiro-ministro Viktor Orbán os valores fundamentais da democracia estão ameaçados Tamas Kovacs/EPA

A seguir à vitória de Andrej Babis nas eleições legislativas na República Checa, o jornal alemão Die Welt falava, em editorial, de um fosso cada vez maior entre a Europa de Leste e a Ocidental.

Já a Áustria foi apresentada como potencial candidata a juntar-se ao clube de Visegrado, juntando-se à Polónia, Hungria, Eslováquia e República Checa, com o austríaco Sebastian Kurz e o húngaro Viktor Orbán a disputar a liderança da Europa central.

De Varsóvia, o analista do Council on Foreign Relations Piotr Buras aponta várias meias-verdades e simplificações neste debate. “De algum modo, a divisão Este-Oeste está a tornar-se mais óbvia”, mas é “em parte verdade, em parte falsa”, diz. 

Visto do Ocidente, há quem tome uma questão excepcional – de facto apenas em dois países da Europa de Leste, na Hungria e na Polónia, os valores da democracia liberal estão ameaçados – como um todo e fale do populismo como um problema exclusivo da região.

Invocam-se factores de descontentamento especiais no Leste – a desilusão com a União Europeia, que não trouxe a estabilidade imaginada, com a democracia e a economia liberal, com a qual veio desenvolvimento mas não tão rápido como o esperado. Mas o descontentamento com governos democráticos e a situação económica existe também no resto da Europa.

No caso da República Checa, aponta o analista, Andrej Babis é mais parecido com o italiano Silvio Berlusconi, no sentido em que é dono de um império mediático, do que com Jaroslaw Kaczynski, o líder do partido de direita Lei e Justiça, ou Orbán, que têm ideologias vincadas. Mais: o seu interesse privado deverá fazer com que não seja tão anti-europeu. Até porque entre as 250 empresas da sua holding, dez têm sede na Eslováquia, quatro na Hungria, três na Alemanha e uma na Polónia.

Buras sublinha que há um factor que precipita esta ideia de excepcionalismo do Leste: é nesse lado da Europa há dois casos de países em que os respectivos Governos estão a destruir pilares fundamentais da democracia: a Polónia e a Hungria, com limites à liberdade de associação, à independência do sistema judicial, etc.

E aponta um factor que agudiza a situação e que faz com que os problemas possam ser mais agudos, e mais difíceis de resolver: “A fraqueza das sociedades”.

O nacionalismo é ainda visto de outro modo – ganhar de novo a independência foi parte da base das revoluções de 1989.

Mas apesar de todas estas diferenças, Buras avisa contra a tentação de achar que os países do Leste estão susceptíveis a cair na armadilha do populismo mais do que outros, e ainda de tratar estes países como um bloco homogéneo: este não é sequer o caso com os quatro países do grupo Visegrado. “Este é um erro comum no Ocidente”, nota.

“É certo que é legitimado quando se fala de política externa”, até porque os próprios países se apresentam assim. E no caso dos refugiados têm apresentado uma frente comum em relação à União Europeia. “Mas mesmo aqui há diferenças, porque a Eslováquia aceitou a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia em relação ao mecanismo de recolocação de refugiados, embora não concorde com ele, ao contrário da Hungria e da Polónia”. 

Os pólos de tensão continuam presentes. No Leste, “a ideia de Macron da Europa que protege” causa tensão, nota Buras, sublinhando o caso dos trabalhadores deslocados.

Os países do Leste preferiam manter a sua vantagem competitiva de salários mais baixos, mas acabaram por aceitar já este mês a proposta do Presidente francês, Emmanuel Macron, segundo a qual os trabalhadores deslocados têm de ganhar um salário conforme aos padrões dos países em que estão, e não ao das empresas dos países de que são originários.

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