Costa não tem opção: tem de chamar PSD e CDS

O maior erro de Costa não foi segurar a ministra, foi a escolha do comandante da Protecção Civil. Agora, a página virou. E é preciso trabalhar um consenso. À direita, avisa o deputado do PS.

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“Vamos ter muitas dificuldades” a aplicar as medidas sobre os fogos"

Os incêndios deixaram "uma marca que vai determinar o debate político até às próximas eleições", garante o ex-secretário de Estado de António Costa. 

Esta maioria, com este apoio político, é suficiente para fazer esta reforma - tendo em conta que os governos são liderados ora pelo PS ora pelo PSD?
Em primeiro lugar, nós temos esta maioria que o primeiro-ministro entende bem. Mas vamos ter também uma nova realidade na liderança da direita. E qualquer um dos protagonistas que venha a ser líder do PSD, o primeiro-ministro também entende bem. E vamos ter uma nova possibilidade de encontrar consensos nas medidas políticas, para poder fazer uma leitura global das alterações.

Acha que António Costa o quer?
António Costa não tem outra solução. Porque, se não fizer isso, se não chamar o PSD e CDS para as responsabilidades de assegurar que a nova reforma vai ser assumida pelas alternâncias de poder, o que vai acontecer é que daqui por cinco, seis, dez anos é uma nova realidade igual a esta.

E o Bloco e o PCP, como reagirão a isso?
Nós sabemos quais são as realidades do Bloco e PCP. É preciso ter a flexibilidade táctica e a leitura estratégica, para que o primeiro-ministro perceba que há sectores onde pode fazer leituras à esquerda e há sectores onde tem que fazer leituras mais à direita - como questões de natureza institucional, ligadas à Administração Interna, à Defesa, tradicionais áreas de consenso à direita.

Na sua opinião, a manutenção da ministra da Administração Interna, desde Pedrógão, foi correcta? E a manutenção da estrutura da Protecção Civil? O primeiro-ministro terá confiado...
Na sorte.

Em que as coisas se resolviam assim?
Se eu estivesse na posição do primeiro-ministro, teria cometido os mesmos erros. É muito lindo olhar agora e dizer... mas uma pessoa sabe que entra num Governo, mas não sabe quando sai. Em Junho não fazia sentido a saída da ministra.

Mesmo querendo ela sair?
Mesmo pedindo para sair. Olhando agora, as pessoas dizem: a professora Constança Urbano de Sousa já devia ter saído em Junho. Na minha perspectiva, o primeiro-ministro decidiu bem. O resultado podia ser muito pior. O grande erro da gestão do Governo nem foi a substituição dos comandantes distritais, foi a nomeação do Comandante Nacional. Porque o comandante Rui Esteves era competentíssimo para uma área que conhecia bem, mas não tinha capacidades e competências para ser comandante nacional.

O Governo errou ao esperar pelo relatório de avaliação sobre Pedrógão, sem mexer em nada durante o Verão? Acha que isso aconteceu porquê?
O Governo mexeu em muita coisa durante o Verão. Mexeu na capacidade de gerir os meios com os bombeiros, aumentou a capacidade de intervenção durante o período em que pensava ser suficiente. Agora, nós tivemos uma circunstância anormal...

Mas hoje já temos instrumentos para saber quando há circunstâncias anormais.
É por isso que há uma responsabilidade: a estrutura da Protecção Civil, perante a identificação de termos um fim-de-semana de elevado risco, bastaria uma leitura do que aconteceu em anos anteriores para poder responder. A verdade é que já não tínhamos a cabeça do sistema a funcionar: o comandante nacional já se tinha demitido, o segundo comandante já tinha sido identificado nos relatórios como um dos elementos que tinha apagado a fita do tempo em Pedrógão, o presidente da Protecção Civil tinha sido muito atacado (injustamente), mas essa foi a situação que nos trouxe aqui.

Helena Roseta escreveu no PÚBLICO um artigo em jeito de alerta ao primeiro-ministro, de quem é amiga. Dizia que “é preciso merecer o poder que se tem. Este Governo ainda tem que fazer prova disso?
Não, não tem que fazer prova. Em democracia a legitimidade está no Parlamento. E essa legitimidade foi reconfirmada.

Com pouco entusiasmo do BE e PCP.
É preciso não esquecer que os partidos à nossa esquerda se estão a habituar lentamente a ser Governo. E quando temos um longo passado de oposição temos mais dificuldade em nos dar conta das nossas obrigações enquanto Governo. Imagino a dificuldade que PCP e BE terão tido em responder perante uma circunstância nova, que é de rejeitar uma moção de censura. É uma novidade. Mas é talvez o segundo tempo da nossa democracia, o que contribui para o amadurecimento do nosso sistema democrático.

Que marca deixam estes incêndios, na história deste Governo?
Vira a página. Agora vamos ter no país uma marca que vai determinar o debate político até às próximas eleições: a capacidade que o Governo tiver, na sua relação com o Parlamento e com o Presidente, de encontrar soluções rápidas, fortes, adequadas, para fazer com que o país - sem deixar de ter incêndios, até mortes - perceba que muito foi feito para as evitar. Acho que vamos ter isso da parte do primeiro-ministro: quando diz "todo este processo está na minha dependência", ele sabe perfeitamente que mudou a página, que virou o tempo. 

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