Em Ghouta, uma em cada quatro crianças está malnutrida

Naquele enclave da oposição nos arredores de Damasco, mais de 1100 crianças que passam fome estão em risco de vida, alerta a Unicef.

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Vivem 690 mil pessoas no o enclave rebelde de Ghouta, nos arredores de Damasco BASSAM KHABIEH/Reuters (arquivo)

O desastre humanitário e o sofrimento quotidiano dos milhares de civis encurralados pela guerra na Síria voltou às páginas da imprensa internacional após mais de seis anos de conflito, com a publicação de imagens dramáticas e chocantes de bebés e crianças em situação de malnutrição aguda e a divulgação de um apelo desesperado da Unicef para o levantamento do bloqueio do regime sírio à entrada da ajuda de emergência nas áreas controladas pelos rebeldes.

Foi o caso de Sahar Dofdaa, uma bebé que viveu apenas 34 dias, que despertou as consciências para a urgente situação que se vive em Ghouta, um subúrbio a Leste de Damasco sob cerco pelas forças governamentais desde 2013. A sua história foi conhecida esta semana: a bebé de um mês foi levada no domingo para uma clínica no bairro de Hamouria num estado de debilidade total, com menos de dois quilos de peso.

A menina estava tão frágil que já não fazia barulho ao chorar. A mãe, também severamente malnutrida, não conseguia amamentar a criança; a família, em situação de pobreza extrema, não tinha meios para assegurar a sua alimentação com leite, fórmula ou suplementos. Os médicos não foram a tempo de salvar Sahar, que morreu no dia seguinte.

Infelizmente, não foi a única. No mesmo dia, outros dois bebés de menos de dois meses morreram por inanição. De acordo com os números recolhidos pela Unicef, só em Ghouta uma em cada quatro crianças sofre de malnutrição e existem mais de 1100 crianças em risco de vida por défice alimentar. “Temos 232 crianças em estado muito crítico, e 882 crianças diagnosticadas com malnutrição moderada e severa”, enumerou Rajia Sharhan, especialista em nutrição daquela agência da ONU para a infância.

A fotografia de Sahar Dofdaa ilustra a notícia do jornal britânico The Guardian

O enclave rebelde de Ghouta, onde vivem 690 mil pessoas, pertence a uma das quatro “zonas seguras” estabelecidas em Maio no âmbito de um acordo negociado pela Rússia, a Turquia e o Irão para reduzir a violência da guerra, permitir o envio de apoio humanitário e a reparação das infra-estruturas destruídas em anos de combate. A maior destas zonas inclui a província de Idlib, parte de Latakia, a região Ocidental de Alepo e o Norte de Hama, onde no total vivem mais de um milhão de pessoas. Outra abrange o Norte de Homs, com 180 mil residentes e a quarta abarca a região Sul, que faz fronteira com a Jordânia e onde há 800 mil civis. Segundo o acordo estabelecido entre Governo e oposição, a trégua nas zonas seguras vigora por seis meses, que podem ser renovados.

No entanto, como denunciaram as organizações e os monitores internacionais no terreno, o apoio humanitário e a ajuda de emergência não estão a chegar às populações necessitadas, por decisão do Governo de Bashar al-Assad. A fome em Ghouta já matou 397 pessoas, entre as quais 206 crianças e 67 mulheres, segundo informações recolhidas pelo Observatório Sírio para os Direitos Humanos e avançadas esta terça-feira.

O checkpoint de Wafideen, na estrada que liga Ghouta a Damasco, está fechado desde Agosto: segundo a ONU, cerca de 90% dos mantimentos enviados para socorrer a população voltaram para trás. Além disso, as tropas do Governo danificaram a rede de túneis usada para “contrabandear” alimentos, o que contribuiu para escalar a “crise de escassez” da cidade, disse o Observatório – que já por diversas vezes acusou o Governo de Damasco de estar a levar a cabo uma campanha para matar à fome os apoiantes da oposição.

Além de impedir o abastecimento da cidade, o cerco do regime a Ghouta está a inviabilizar o acesso de medicamentos e material hospitalar e a privar a população de cuidados médicos. A rede de saúde na cidade foi quase totalmente destruída pela guerra: as unidades que ainda estão a operar só estão parcialmente funcionais. Esta terça-feira, a Al-Jazira citava um médico do serviço de urgência do hospital Al-Hakim, Ismail Hakeem, que contava que os fármacos disponíveis não cobriam sequer 10% das necessidades. “Há médicos a usar trigo, arroz e açúcar como medicamentos”, disse.

A situação estende-se a outros pontos da Síria abrangidas pelo acordo das zonas seguras. O último relatório produzido pelo Siege Watch, um organismo de monitorização sedeado em Washington, estimava que 821.200 pessoas estavam encurraladas em 34 áreas sob cerco, sem acesso a bens essenciais e sem liberdade de movimentos.

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