Um desaparecido e 238 casas destruídas na Pampilhosa da Serra. “Estamos completamente isolados”

O concelho fustigado pelas chamas está sem comunicações. Uma mulher de 70 anos continua desaparecida e os bombeiros dizem estar “revoltados” por terem ficado sozinhos a combater os fogos.

Foto
Bombeiros da Pampilhosa da Serra queixam-se de falta de meios LUSA/PAULO NOVAIS

O incêndio que afectou Pampilhosa da Serra, no distrito de Coimbra, deixou cerca de 20 pessoas desalojadas e destruiu 238 habitações, havendo ainda uma mulher de 70 anos desaparecida, informou o presidente do município, José Brito. O autarca sublinhou ainda nesta terça-feira que o concelho está "completamente isolado", estando esta manhã sem rede móvel ou fixa e sem electricidade.

"Estamos completamente isolados e, mais uma vez, me revolto", disse à agência Lusa José Brito, que considera que "é uma vergonha nacional" o que foi feito em relação à rede de fibra óptica e critica a opção de não se utilizarem as calhas técnicas nas estradas nacionais.

Segundo José Brito, a autarquia está a promover "alojamento" para as pessoas que perderam a sua casa, seja através da "colaboração de algumas entidades", seja através da cedência de instalações do próprio município para os casos de maior fragilidade, que estão a merecer o acompanhamento dos técnicos do município da acção social.

Para além dos desalojados, há várias casas que, "não tendo ardido, sofreram impactos fortes que põem em causa, em alguns casos, a sua estabilidade". Do incêndio que afectou o concelho entre domingo e segunda-feira, resultou ainda "um ferido grave que está hospitalizado com queimaduras profundas e com alguma extensão", em Pescanseco, e uma mulher de 70 anos que continua dada como desaparecida, em Ribeira de Praçais, onde vivia numa casa isolada no meio de um vale.

"Neste momento, já estão no terreno o delegado de saúde, o GIPS [Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro da GNR] e bombeiros", informou. O telhado da casa onde a mulher vivia colapsou e "é preciso remover tudo para verificar se a senhora terá sido vítima do incêndio", referiu.

O autarca sublinha que há "muitos prejuízos, muita floresta queimada, muitas máquinas agrícolas ardidas" e dezenas de cabeças de gado, principalmente cabras e ovelhas, que morreram com o fogo, além de muitos outros animais que precisam rapidamente de alimento.

De acordo com José Brito, terão ardido cerca de dois terços dos 400 quilómetros quadrados de território do concelho nos três incêndios que afectaram a Pampilhosa da Serra desde o fogo de Pedrógão Grande, em Junho. "O nosso concelho ficou praticamente dizimado", resumiu.

Questionado pela agência Lusa, o autarca frisou que o concelho pode voltar a sofrer aquilo que sofreu "em 2006" com as chuvas que surgiram após o incêndio de 2005.
"Os privados não vão cortar o material queimado. A maior parte do material vai ficar no terreno e depois vai tombar e vai ser arrastado para as vias, para os aquedutos e vai tudo entupir", sublinhou, recordando que em 2006 desapareceram bermas e taludes e parte de estradas ruíram, com as cheias.

“Vergonha nacional”

"Estamos completamente isolados e, mais uma vez, me revolto", disse à agência Lusa José Brito, em relação às falhas nas comunicações. O autarca considera que "é uma vergonha nacional" o que foi feito em relação à rede de fibra óptica e critica a opção de não se utilizarem as calhas técnicas nas estradas nacionais.

A situação, assegura, já reportou no passado ao Governo e sublinha que já lhe tinha sido prometida "uma auto-estrada virtual", já que não tem uma auto-estrada física. "Pôs-se [a fibra] na via aérea e já ardeu não sei quantas vezes. Se passasse pelas calhas técnicas (...), a vila nunca teria problemas", realçou, sublinhando que é necessário "pensar seriamente em utilizar as calhas técnicas" das estradas nacionais "para a fibra".

Na manhã desta terça-feira, não havia luz nem rede móvel ou fixa em toda a vila, juntando-se alguns carros no cimo da estrada que dá acesso à Pampilhosa da Serra para os habitantes fazerem chamadas.

Também durante o incêndio que fustigou o concelho no domingo e na segunda-feira, o posto de comando teve que se deslocar para "o alto da serra" para poder comunicar, realçou José Brito, que falava à agência Lusa na Câmara Municipal, onde também não havia electricidade. "Tivemos decisões em reunião e, para as implementar, temos que sair da Pampilhosa para podermos contactar com entidades e pessoas", notou.

Sem luz e sem internet ou rede, a parte administrativa da autarquia "está parada" e foi dada ordem ao pessoal da Câmara que estava livre para se apresentar "no gabinete de acção social", que está a coordenar os trabalhos no concelho, explanou o autarca.

Para além disso, face à dificuldade de comunicações, José Brito ainda não conseguiu contactar a Ascendi nem a Infra-estruturas de Portugal, face a "algumas estradas nacionais que estão tapadas com árvores". "Os nossos meios andam nas estradas municipais e são muitas. Se pudéssemos, limpávamos também as estradas nacionais, mas não temos meios", contou à Lusa o presidente da Câmara de Pampilhosa da Serra.

Bombeiros “revoltados”

O segundo comandante dos bombeiros de Pampilhosa da Serra, no distrito de Coimbra, afirmou esta terça-feira que a corporação se sente revoltada por ter sido deixada sozinha a combater um fogo que afectou 60 localidades do concelho.

Catorze viaturas e 57 operacionais eram os meios da corporação local para combater um fogo "completamente desgovernado", que fustigou quase todo o concelho, disse à agência Lusa o segundo comandante dos bombeiros da Pampilhosa da Serra, José Almeida, que esteve a coordenar as operações de combate.

Em vez de 14 viaturas, se tivessem "30, 40 ou 50" seria possível "reforçar meios" e "abranger mais localidades, em termos de apoio" às habitações e pessoas, salientou. "As pessoas precisam também de sentir a presença dos bombeiros. Embora tenhamos o sentimento de impotência, conseguimos proteger e evitar que o fogo se propagasse a mais habitações. E também precisávamos de apoio e retaguarda e isso revolta-nos. A mim, revolta-me", frisou o responsável, referindo que o sentimento de revolta é sentido por toda a corporação.

O reforço só chegou na madrugada desta terça-feira (às 2h), de Viana do Castelo, quando ainda na segunda-feira a corporação tinha que lidar com quatro frentes — "uma de 600 metros, outra de um quilómetro, outra de 1,5 quilómetros e outra de dois quilómetros" —, destacou, explicando que tinha uma viatura para cada frente.

Para José Almeida, "se não fosse a ajuda de São Pedro ardia o resto do concelho". A juntar-se à revolta da falta de apoio está a exaustão de bombeiros que dormiram apenas "duas ou três horas" e a impotência perante um fogo diferente.

"Foi tudo muito rápido. Em 2005, tivemos uma situação idêntica, mas o que ardeu em 2005 em quatro dias, ardeu este ano em dez ou 12 horas", sublinhou José Almeida, considerando que houve um sentimento de impotência perante as chamas avassaladoras. "Não é atirar a toalha ao chão, mas é dizer: Porquê? O quê? O que é que eu faço? Qual é a estratégia? Não há. Não se consegue. É manter a cabeça fria e tentar salvar as pessoas. Era isso que pedia aos meus combatentes: era salvarmos as pessoas ao máximo", explanou o segundo comandante da corporação.

O presidente da Câmara, José Brito, que também já foi bombeiro corrobora. "Nunca me lembro de ver um incêndio tão violento a dizimar uma área tão grande", contou, referindo que seria "suicídio meter-se à frente das chamas".

"Quem se metesse à frente das chamas morria", notou, salientando que os bombeiros, com escassos meios e apenas duas viaturas na vila quando as chamas chegaram à sede do concelho, "protegeram o mais importante". Agora, sublinha, há que "ter força" para que o concelho se possa levantar.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários