Sócrates e as entregas em dinheiro: “Santos Silva disse que era melhor em numerário e eu aceitei”

O antigo primeiro-ministro voltou a negar todas as acusações, acusando o Ministério Público de "perseguição", e apresentou "provas" na entrevista à RTP.

Sócrates: "Vivo da minha pensão" RTP

José Sócrates garante que sempre “honrou o cargo” de primeiro-ministro. Na primeira entrevista desde que o Ministério Público (MP) deu por concluída a investigação no âmbito da Operação Marquês, o antigo governante disse à RTP que o seu comportamento foi de “total honestidade” em São Bento: "Nunca fui um primeiro-ministro corrupto". A conversa decorreu num crescendo de irritação de Sócrates, culminando com uma declaração de desprezo pelo trabalho do jornalista Vítor Gonçalves, quando este lhe perguntou como paga as suas despesas actualmente.

Repetindo a tese de que o processo é uma “perseguição” do MP, e que “não passa dos insultos habituais”, o antigo primeiro-ministro disse falar com “provas” e não entrar “em alegações”.

O primeiro tema foi o dinheiro alegadamente recebido do amigo Carlos Santos Silva, em numerário e não através de transferências bancárias, negando que o capital fosse seu. “É o embuste originário”, disse. “Com base em que fundamento o MP pode fazer uma acusação dessas?”, questionou. “Nem nestas folhas [na acusação] nem em lado nenhum encontrará nenhum testemunho, documento, cartão, título” que comprove que as contas de Santos Silva na Suíça pertenciam, de facto, a Sócrates. Para o comprovar, o antigo governante mostrou os papéis de abertura das referidas contas, nos quais “só há um beneficiário: Carlos Santos Silva”. “O MP escondeu que nas contas na Suíça o meu nome não aparecia”, referiu.

Sobre o facto de o dinheiro emprestado ser entregue em numerário, Sócrates explicou que essa “foi uma decisão do engenheiro Santos Silva” que acabou por aceitar, e que nada disso teve a ver “com ocultação”. “Não foi para ocultar nada”, garantiu. “As quantias emprestadas eram muito modestas, tirando uma vez ou outra de cinco mil ou seis mil euros”, explicou. “Ele disse que era melhor em numerário e eu aceitei”. “O meu amigo, empresário há 20 e tal anos, tem uma vida empresarial e então agora o MP pretende convencer que o engenheiro Santos Silva não tinha dinheiro nenhum e que o dinheiro era meu?”, perguntou.

“Quando o engenheiro Santos Silva transferiu dinheiro para Portugal foi obrigado a informar o Banco de Portugal quem era o titular do dinheiro. O UBS mandou, para ele entregar no Banco de Portugal, um documento a confirmar que o dinheiro era do engenheiro Santos Silva”, disse, sublinhando que o seu amigo não lhe emprestou dinheiro antes de 2013 e relatando novamente a amizade “fraterna” que nutrem um pelo outro.

Acerca da acusação de que as conversas entre ambos era realizadas em código, José Sócrates diz que tudo não passa de uma “construção do MP”. “Nós temos um modo de falar. Todos os amigos têm referências em comum”, explicou. “Mas é disso que estamos a falar? Foi por isso que me prenderam? É por isso que há quatro anos me estão a investigar?”, questionou ainda.

“Em 2013, fiz três empréstimos à Caixa Geral de Depósitos. Sou a única pessoa no mundo que sou acusado de ter milhões e que fez três empréstimos. Mas isso não interessa à acusação”, afirmou.

Outra das acusações abordadas diz respeito à compra de um quadro de Júlio Pomar por parte de Carlos Santos Silva e que foi encontrada em casa do ex-primeiro-ministro: “O engenheiro Santos Silva comprou vários quadros na mesma galeria onde eu comprei toda a vida”, começou por dizer. “O engenheiro Santos Silva comprou um quadro do Júlio Pomar e uns meses depois eu convenci-o a trocar o quadro por sete ou oito quadros pequenos que eu tinha em casa e de que ele gostava”, explicou. “Isso é muito fácil de provar porque os quadros estão em casa dele e fui eu que os comprei”.

A tónica de Sócrates foi sempre a de desmentir as acusações que lhe são imputadas, e assim foi com o episódio do apartamento de Paris. O antigo governante explicou que, inclusivamente, alugou outro apartamento na capital francesa e que por lá continuou mesmo depois do final das obras do imóvel adquirido por Santos Silva. “Porque é que fui alugar em Janeiro de 2014 outro apartamento? Quando eu fui detido estava num apartamento em Paris que não era esse apartamento [de Carlos Santos Silva]”, recordou.

Relativamente ao Grupo Lena e aos negócios na Venezuela, Sócrates diz que apenas colocou o “Governo a trabalhar na diplomacia económica” e que, quando se deslocou a este país, “não havia nenhum negócio com a Lena”, abrindo portas a outras empresas tais como a Teixeira Duarte.

Quanto à alegação de que influenciou a OPA da Sonae à PT para beneficiar o BES, recebendo para isso 21 milhões de euros, Sócrates considera-a “gravíssima” e que essa acusação o “chocou imenso”, garantindo que se encontrou pela primeira vez com Ricardo Salgado em Outubro de 2016, desmentindo a tese do MP de que o acordo entre ambos relativamente ao negócio da Sonae teria sido fechado entre Março e Abril desse ano. Além disso, apresentou um despacho do então secretário de Estado do Tesouro, Carlos Costa Pina, relativo à assembleia-geral da Caixa Geral de Depósitos, onde diz estar comprovado que o Governo já tinha decidido abster-se em relação à OPA, enquanto accionista do banco, em Fevereiro.

Sobre os alegados milhões recebidos por Santos Silva por empresas detidas pelo BES, Sócrates diz nada saber, assegurando apenas que o amigo nunca conheceu Ricardo Salgado. E acerca da nomeação de Armando Vara como administrador da CGD, que terá sido utilizado depois para financiar o empreendimento de Vale de Lobo, Sócrates diz que não foi ele a nomear o antigo ministro para o banco público, lembrando as declarações de Teixeira dos Santos durante a comissão de inquérito sobre o banco público: “O primeiro-ministro nunca me pressionou. Armando Vara foi escolha minha. A decisão foi minha sem ouvir o engenheiro Sócrates”, citou.

Para o final ficou o momento de maior tensão. “Hoje como paga as suas despesas?”, perguntou o jornalista da RTP. Sócrates irritou-se: “O que é que o senhor tem a ver com isso. Isso é uma pergunta de um jornalista? É uma pergunta do Correio da Manhã?” “Eu vivo daquilo que é a minha pensão de deputado – acabei com a minha pensão de primeiro-ministro”, acabou por responder. Depois, ainda houve uma outra questão que o enfureceu: “Ainda vive com empréstimos de Carlos Santos Silva?”. “Essa pergunta é uma afronta, indigna de jornalista. É uma pergunta Correio da Manhã.”

As principais frases de José Sócrates

Não, não fui [um primeiro-ministro corrupto]. Honrei sempre o meu cargo. Grande parte desta acusação não passa dos insultos habituais que o Ministério Público me dirigiu nestes últimos anos.

Nego que seja meu o dinheiro. É um embuste segundo o qual tinha uma fortuna na Suíça. Com base em que fundamento é que o Ministério Público pode fazer uma acusação dessas? Nem nestas folhas nem em lado encontrará nenhum testemunho, documento, cartão, título. Encontra muitos papéis, muitos papéis que provam exactamente o contrário.

Ninguém fez a seguinte pergunta: como é que o Ministério Público prova as gravíssimas acusações que faz?

O Ministério Público escondeu que o meu nome não aparecia nas contas na Suíça. Nunca teve uma notícia onde dizia que o nome de Sócrates não estava nas contas de Santos Silva. Não teve porque o Ministério Público escondeu.

Nunca foi uma investigação a um crime. Foi uma perseguição a um alvo.

O Ministério Público prendeu na esperança que alguém acusasse, para pressionar as pessoas a dizer alguma coisa.

Alguém acredita que uma pessoa tenha não sei quantos milhões, e uma fortuna dessas estivesse em nome de uma pessoa durante dez anos, e que a pessoa que é a real proprietário não tivesse nenhum documento para prevenir casos de falecimento?

O meu amigo ofereceu-se para me ajudar. Só em 2013. Um dia, há muitos anos, fiz um pedido de empréstimo e foi devolvido. Em 2013, ofereceu-se para me ajudar porque ia hipotecar a casa e pedir três empréstimos à CGD. Ele disse: “Não precisas de fazer isso”. E assim foi. Temos uma relação fraterna.

Vejo por ai alguns moralistas de ocasião que dizem que não podia aceitar dinheiro: quero recordar que sou amigo dele há 40 anos.

Nunca o Santos Silva me falou num concurso em que estivesse envolvido. Santos Silva é um homem sério.

Muitas vezes disse que precisava dinheiro. O Ministério Público deduz daí que falávamos em código. Nós temos um modo de falar. Todos os amigos têm referências em comum. Mas é disso que estamos a falar? Foi por isso que me prenderam? Que há quatro anos me estão a investigar?

As quantias emprestadas eram muito modestas, tirando uma vez ou outra (cinco mil ou seis mil). Santos Silva entregavam-me esse dinheiro, que era dinheiro dele. Ele disse que era melhor em numerário e eu aceitei. O meu amigo, empresário há 20 e tal anos, tem uma vida empresarial e então agora o Ministério Público pretende convencer que o Santos Silva não tinha dinheiro nenhum e o dinheiro era meu.

Em 2013, fiz três empréstimos à CGD. Sou a única pessoa no mundo que sou acusado de ter milhões e que fiz três empréstimos. Mas isso não interessa à acusação.

O Ministério Público tem outro problema: se o dinheiro é todo do Sócrates como é o Ministério Público vem justificar que Santos Silva tenha vendido apartamentos terrenos sem que eu tenha a ver alguma coisa.

Nunca me encontrei com Salgado que não fosse no meu gabinete e a seu pedido. E o primeiro foi no dia 13 de Outubro de 2006. Nunca fui ao banco do dr. Salgado. Nunca fui a casa dele. Nunca me encontrei para almoçar fora. O problema é a fábula. Eu e dr. Salgado tínhamos uma relação institucional. Não faço parte do grupo de amigos do dr. Salgado.

Todas as grandes imputações que me fazem pretendem criminalizar uma gestão politica, um período politico.

Nunca falei sobre Vale do Lobo com ninguém. Não conhecia os seus dirigentes nem os seus accionistas, nunca discuti isso com ninguém. O Ministério Público afirma que eu é que nomeei o Armando Vara para a CGD – mas não fui que o nomeei. O Ministério Público deveria ter ouvido o Teixeira dos Santos: “O primeiro-ministro nunca me pressionou. Armando Vara foi escolha minha. A decisão foi minha sem ouvir o engenheiro Sócrates”.

O que é que o senhor tem a ver com isso [como paga as contas]? Isso é uma pergunta de um jornalista… É uma pergunta do Correio da Manhã? Eu vivo daquilo que é a minha pensão de deputado – acabei com a pensão de primeiro-ministro. Essa pergunta é uma afronta, indigna de um jornalista. É uma pergunta do Correio da Manhã.

Sugerir correcção
Ler 52 comentários