Travar a tempo

Não foi só uma travagem a fundo, o que vimos em Barcelona foi mesmo uma marcha-atrás. Agora, é a hora de Madrid.

Carlos Puigdemont não declarou a independência, suspendeu-a. Mais do que isso: estendeu a mão a um diálogo com Madrid e declarou, como chefe de governo, que a região “vai continuar a  cumprir as suas obrigações” com Espanha. Não foi só uma travagem a fundo, o que vimos em Barcelona foi mesmo uma marcha-atrás. 

Na verdade, Carles Puigdemont não podia dar um passo em frente. A forma como conduziu todo o processo levou-o a um caminho sem saída. Uma guerra política não pode acabar numa guerra civil; e também não podia acabar num total isolamento económico. A decisão de dois bancos (e de algumas das mais poderosas empresas da Catalunha) de tirar as suas sedes da região era demasiado previsível para não ter sido antecipada. Num mundo cada vez mais global, nenhuma empresa arriscaria ficar sem financiamento e desligar-se das economia espanhola e europeia.

Mas a declaração de Puigdemont, nestes termos, pode ter sido também um suicídio político. Depois de criar a expectativa de que esta terça-feira era mesmo o dia i, a suspensão da independência arrisca implodir com a inusitada coligação que lhe deu o poder de abrir uma ruptura. E vai desiludir os muitos que, nas ruas catalãs, o apoiaram nestes meses. Se é evidente que a saída, pura e dura, não era possível, talvez a sua única opção de sobrevivência fosse a convocação de eleições, juntamente com a suspensão do processo, arriscando tudo (realmente tudo) numa nova e mais forte legitimidade do bloco independentista, para depois forçar um diálogo que Madrid lhe recusou. 

O dia 10-10 foi, assim, o dia do primeiro alívio para Mariano Rajoy neste perigoso braço-de-ferro. Mas agora, para bem de Espanha e da Catalunha, é fundamental que este primeiro-ministro saiba viver com ela e não dar um novo passo em falso. Nas últimas semanas, Madrid errou vezes de mais a lidar com os catalães. Voltar a usar a força perante uma Generalitat que ficou ferida seria um erro de consequências totalmente imprevisíveis. 

Perante a marcha-atrás, Rajoy terá uma última hipótese. Vai ter de saber gerir a Catalunha, as suas ambições, as suas forças e fraquezas, até as suas divisões. Vai ter de saber ganhar, ponderando o tom e a resposta, sabendo que Puigdemont pousou as armas, mas pode rapidamente pegar nelas para procurar a sua própria sobrevivência. 

Rajoy terá de negociar uma saída diferente. Mesmo querendo escolher o tempo e o interlocutor, terá de o saber fazer. A Catalunha precisa disso. E a Espanha de tranquilidade. Também em Madrid, esta é uma hora boa para travar.

 

david.dinis@publico.pt

 

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