“Do Estado espanhol esperamos tudo, ameaças, detenções e mais repressão”

O líder catalão “vai cumprir o mandato que lhe deu o parlamento e estender a mão, apelar ao diálogo e à mediação”, diz o porta-voz da ERC no Congresso.

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O Parlamento regional catalão onde Puigdemont vai discursar Reuters/GONZALO FUENTES

Aos 35 anos, Gabriel Rufían é porta-voz adjunto do grupo da Esquerda Republicana da Catalunha no Congresso de Madrid. Está em Barcelona para acompanhar a sessão desta terça-feira no parlamento autonómico, a partir das 18h (17h em Portugal continental), quando se espera que Carles Puigdemont faça algum tipo de declaração de independência. Falou ao PÚBLICO no final de uma reunião da direcção da ERC, o grande partido de esquerda que se uniu aos nacionalistas de direita para formar governo com a autodeterminação no programa.

O plenário de hoje vai ser o fim de um processo ou o princípio de tudo? 
Prefiro pensar no que se vai passar como um começo. Hoje, inicia-se o processo constituinte da futura república catalã. O presidente da Generalitat [Carles Puigdemont] terá de cumprir com o mandato que deu a maioria do parlamento, o mandato previsto nas leis do Referendo de Autodeterminação da Transitoriedade [aprovadas no parlamento autonómico a 6 e 7 de Setembro e logo suspensas pelo Tribunal Constitucional] e irá fazê-lo estendendo a mão ao outro lado, apelando ao diálogo e insistindo na necessidade de mediação. Mas esta data vai sobretudo assinalar o início de um processo que espero que seja muito mais importante e interessante do que o vivemos até agora.

Mesmo que a declaração de independência preveja a sua suspensão imediata e a abertura de um período de negociações, Madrid garante que vai actuar para forçar o regresso à legalidade, o que deverá implicar a suspensão da autonomia catalã. O que é que esperam do Governo de Mariano Rajoy?
Nós do Estado espanhol esperamos qualquer coisa, esperamos tudo. Há meses que avisávamos para o tipo de actuações que viriam aí, não fomos apanhados desprevenidos como alguma esquerda espanhola que diz que não esperava a violência policial do dia do referendo ou o tom de absoluta provocação e recusa de diálogo. A população da Catalunha está habituada a ser maltratada pelo Estado. Portanto, esperamos o mesmo de sempre, mais ameaças, sentenças, detenções e uma grande repressão, mais a habitual guerra suja mediática. Já nada nos surpreende. A questão é saber qual será a resposta do povo da Catalunha a essa repressão.

Até agora não houve violência entre catalães pró e anti-independência, mas o tom dos políticos não parou de endurecer. Depois da violência policial de 1 de Outubro [durante a consulta sobre a autodeterminação suspensa pela justiça e considerada ilegal por Madrid] pode acontecer o pior?
Os políticos espanhóis continuam a ameaçar e a humilhar os catalães que pacificamente defendem a sua visão da Catalunha. O discurso do rei [Felipe VI, na segunda-feira a seguir ao referendo] foi muito nefasto, quase legitimando a repressão do dia anterior e toda a que se pudesse seguir. Num tom absolutamente oposto esteve o presidente Puigdemont, que no dia seguinte fez um apelo à mediação e à busca de uma solução política, o caminho que sempre procurámos e nos foi recusada sucessivamente. Entretanto, também se normalizou o discurso dos que comparam as urnas e a atitude das pessoas que saíram a votar com os cassetetes e a pancada da Polícia Nacional.

Este processo dura há muito tempo e nos últimos quatro, cinco anos houve manifestações que juntaram centenas e centenas de milhares de pessoas, até marchas de 1,5 milhões, sem nunca se partir sequer um vidro. Agora, começa a haver distúrbios, manifestações de grupos neonazis, com saudações e cânticos que não deixam dúvidas sobre quem tenta provocar distúrbios. O povo da Catalunha continua a ter uma atitude de total civismo. Aconteça o que acontecer, a nós só nos resta pedir calma – esses apelos vão ouvir-se hoje certamente nos discursos do presidente e do vice-presidente [Oriol Junqueras, líder da ERC].

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