Juízes começam a investigar violência da polícia na Catalunha

Líder da Generalitat vai ao parlamento catalão na terça-feira. Domingo, Barcelona será cenário da manifestação dos unionistas, a “maioria silenciada, mas não silenciosa”. Vargas Llosa vai subir ao palco.

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Josep Lluís Trapero, o chefe dos Mossos LUSA/Victor Lerena

No dia em que o chefe dos Mossos d’Esquadra e os presidentes das duas associações pró-independentistas que todos os anos organizam a Diada (feriado nacional catalão) foram a tribunal acusados de “sedição”, outros juízes de Barcelona e de várias cidades da Catalunha anunciaram a abertura de processos contra a Polícia Nacional e a Guardia Civil pela violência que deixou mais de 800 feridos no domingo.

Foi de manhã que o major Josep Lluís Trapero defendeu na Audiência Nacional a actuação da polícia catalã durante o assédio da população à Guardia Civil a 20 de Setembro, quando membros deste corpo policial ficaram cercados no Departamento de Economia da Generalitat. De manhã, tinham sido detidas 16 pessoas, incluindo 14 membros do governo catalão; ao fim do dia milhares de pessoas concentraram-se diante deste edifício, onde a Guardia Civil entrara em busca de provas ligadas ao referendo marcado para 1 de Outubro, e entretanto já suspendo pela Justiça.

Trapero, apoiado por alguns populares que esperaram a sua saída do tribunal, defendeu que a polícia que dirige actuou de forma “correcta e necessária”, entregando provas que diz mostrar que não foram avisados “com suficiente antecedência” da operação da Guardia Civil. Assim, afirmou, não houve tempo para planear um dispositivo mais adequado e isso “obrigou a uma adaptação em função das circunstâncias”.

Pouco depois de Trapero sair do tribunal, com o aviso de que voltará mal sejam analisadas as provas que entregou, a Procuradoria-Geral do Estado deixava saber que a acusação contra o chefe dos Mossos será alargada para incluir o comportamento da polícia catalã na votação de domingo.

A manhã foi animada diante da Audiência Nacional de Barcelona. Depois de Trapero foi a vez de serem ouvidos os presidentes da Assembleia Nacional Catalã, Jordi Sànchez, e da Òmnium Cultural, Jordi Cuixart, ambos presentes no protesto de dia 20 e acusados de insurreição. O primeiro recusou declarar, o segundo respondeu falou da “legitimidade pacífica da cidadania que não aceita acções como as que tiveram lugar no dia 20”.

Pepi Sànchez, de 50 anos, Yolanda Calvo, 40, e Lurdes Peiro, de 53, são colegas num escritório de uma empresa privada, a uns 20 minutos a pé do Palácio da Justiça. Usaram a hora de almoço para marcar presença e dizer aos acusados que “não estão sozinhos”. “É preciso estar onde for preciso. Todos os dias”, justifica Yolanda.

“Uma das coisas que mais me dói é que Espanha continue a negar o que se passou aqui no domingo”, diz Pepi. “É uma sensação horrorosa”. Lurdes descreve “uma barbaridade, que não esperava”. E o estranho que é “ver o mundo ao contrário”, quando quem vai a tribunal é o chefe da polícia “que recusou reprimir o povo” e os líderes de “associações populares, formadas por gente como nós”.

Pedido de desculpas

Ora, parece que pelo menos na Catalunha algumas vozes decidiram parar de negar a existência de repressão popular e de feridos no dia em que milhões de catalães se organizaram para tentar votar num referendo que Madrid e a Justiça tinham declarado ilegal. “Quando vi as imagens, e sei que há pessoas que levaram pancada, foram empurradas e mesmo uma pessoa que continua no hospital, só posso pedir desculpas em nome dos agentes envolvidos”, disse o delegado do Governo na Catalunha, Enric Millo.

“Se alguém pensa que gostei do que vi, engana-se”, disse ainda Millo, que responsabiliza a Generalitat por se ter negado a obedecer às ordens judiciais para anular a consulta. O delegado é um dos responsáveis que o governo catalão e o município de Barcelona culpam pelos incidentes de domingo (e cuja demissão exigem), e até agora nunca se tinha referido a exageros ou à existência de feridos.

“Diz o Ministério Fiscal [Procuradoria] que ‘as medidas adoptadas pela Polícia Nacional não afectaram de todo a convivência normal com os cidadãos’. Está claro que não é assim […]. Consequências para a normal convivência existiram, já que houve distúrbios e feridos em pelo menos 23 lugares diferentes da mesma cidade numa só manhã”, afirma o juiz que investiga o 1 de Outubro e que abre assim a porta a eventuais acusações contra a polícia.

Na resolução do juiz que estava de serviço no dia da votação, pede-se à Procuradoria para não “minimizar a gravidade” do que aconteceu, com o magistrado a dizer ter recebido 130 relatórios médicos. No resto da Catalunha, outros 17 juízes investigam os Mossos por “inacção” a pedido da Procuradoria – entre estes, vários já afirmaram que tencionam ouvir acusações contra a Polícia Nacional.

Sensatez e maiorias

Um dia depois da anulação por parte do Tribunal Constitucional do plenário previsto para segunda-feira de manhã no parlamento catalão, o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, apresentou por sua iniciativa um pedido aos deputados para o ouvirem na terça-feira. Explica que quer “informar sobre a situação política” e nunca se refere ao referendo nem a qualquer debate sobre uma eventual declaração de independência.

A maioria dos grupos parlamentares tinha reagido com repúdio à decisão do Constitucional (tomada em poucas horas, em resposta a um pedido do Partido Socialista Catalão), insistindo que são “representantes do povo” e não da Justiça. Mas aparentemente o plenário vai mesmo adiar-se um dia, com os deputados da CUP (Candidatura Unitária Popular) a assegurarem que continuam a “confiar em Puigdemont” e que esperam para terça-feira “uma declaração unilateral de independência”.

Entretanto, sairá à rua a “maioria silenciada, mas não silenciosa”, como explica Miriam Tey, uma das vice-presidentes da Sociedade Civil Catalã, organização criada em 2014 para combater o independentismo. No protesto, marcado para domingo sob o lema “Basta! Recuperamos a sensatez [“el seny”], são bem-vindas “todas as bandeiras constitucionais”, diz Tey.

Mais de 25 entidades já se juntaram à mobilização, incluindo o PP local e o Cidadãos (formação de Albert Rivera, criada há uma década na Catalunha precisamente para lutar contra o nacionalismo), mas também o partido de extrema-direita Democracia Nacional. Sem subscrever a convocatória, os socialistas catalães convidam os seus militantes a unir-se à marcha. Já se sabe que o Nobel da Literatura Mario Vargas Llosa, a realizadora e escritora Isabel Coixet e o socialista Josep Borrell, ex-presidente do Parlamento Europeu, vão subir ao palco.

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