Uma baleia deu à costa e os cientistas foram buscá-la para museu de Lisboa

Uma equipa do Museu de História Natural e da Ciência, em Lisboa foi esta sexta-feira recolher o esqueleto de uma baleia-anã de uma praia de Alcobaça. Vai ser o novo membro da colecção de mamíferos do museu.

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O esqueleto da baleia depois de esquartejado Sérgio Azenha

Estamos a meio da manhã e o dia parece estar calmo na praia da Polvoeira, no concelho de Alcobaça. Mas o som tranquilizante do mar e o extenso areal quase sem a presença humana são enganadores. A alguns metros da linha de água está uma baleia-anã (Balaenoptera acutorostrata) que deu à costa numa outra praia ali perto.

Um grupo de cientistas veste os fatos-de-macaco, luvas e botas verde-tropa para enfrentar a guerra que se avizinha: esquartejar a baleia para que seja possível levar o seu esqueleto para o Museu de História Natural e da Ciência (MUHNAC), em Lisboa.

“Bem, o primeiro desafio do dia é mesmo o cheiro”, brinca Judite Alves, bióloga do museu, mesmo antes de se aproximar da baleia. Faz então uma manobra de aproximação. “Até nem cheira assim tão mal. Por enquanto”, diz a rir. “É uma brisa do mar”, diz ainda de forma sarcástica alguém. Entretanto, as facas afiam-se e há quem meta máscaras. A operação começa: vai finalmente tirar-se a pele e o músculo da baleia.

A acompanhar Judite Alves está Bruno Ribeiro (geólogo), Jorge Prudêncio (biólogo) e Carlos Delgado (da equipa de manutenção). Pertencem todos ao MUHNAC. “Esta praia é linda”, diz o geólogo. E lá começam a talhar. Uma tarefa que pela força dos seus movimentos parece ser difícil: ora há um tendão pelo caminho, ora há uma pele mais grossa.

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Os trabalhos de esquartejamento da baleia Sérgio Azenha

Os cientistas estão a recolher uma baleia relativamente pequena. Tem cerca de sete metros. Aliás, as baleias desta espécie têm entre sete e oito metros, podendo alcançar os dez. Mais pequena do que ela, só a baleia-pigmeu. “É uma baleia de hábitos relativamente solitários”, descreve Judite Alves, acrescentando que pode andar em grupos de dois. E distribui-se pelo Norte do Atlântico, Pacífico Norte e todo o Hemisfério Sul. A nível global, está classificada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) com o estatuto de “não preocupante”. Esta classificação é diferente se considerarmos só o contexto português. “Em Portugal, é residente em toda a costa”, adianta a bióloga. E tem o estatuto de “vulnerável” pelo Livro Vermelho de Vertebrados de Portugal (que segue a classificação do IUCN), porque tem uma população inferior a dez mil indivíduos. Uma das principais razões para a diminuição da sua população são os acidentes com artes de pesca próximos da costa.

De vez em quando lá passa um curioso. Um grupo de surfistas comenta entre si que é uma baleia e até conversa com os investigadores. Mas um casal de turistas ingleses ainda tem as suas dúvidas e pergunta mesmo se é uma baleia. Afinal, este mamífero, com tons amarelados da decomposição, já não tem lá o crânio. Como andou à deriva, quem encontrou a baleia já a conheceu com o crânio separado do resto do corpo. O crânio está agora guardado no canil municipal de Alcobaça para depois seguir para Lisboa.

E como chegaram os cientistas do museu aqui? A bióloga da Câmara Municipal de Alcobaça, Sofia Quaresma, informou na terça-feira o museu que uma baleia tinha dado à costa numa praia do concelho. Este arrojamento foi detectado por pescadores que informaram a Polícia Marítima. Daí foi um passo até chegar à câmara e ao museu. “Inicialmente, pensávamos em recolher só o crânio, que do ponto de vista científico tem mais relevância. Até porque é complicado a nível da logística trazer um animal de sete metros para Lisboa”, explica Judite Alves. “Depois reflectimos bem e achámos que seria positivo e possível trazer um animal desta dimensão.”

Outro dos desafios esta sexta-feira era a subida da maré. Os cientistas lutam com todas as forças contra o tempo e o avanço do mar. Ouve-se um grito de glória. “Estava difícil”, rejubila Bruno Ribeiro. Juntamente com Carlos Delgado, conseguiram tirar a mandíbula da baleia cortando as articulações. Do outro lado, Judite Alves e Jorge Prudêncio encontram a coluna vertebral do animal. Digamos que não foi tarefa fácil. “Olha, como a carne está fresca acho que podemos levar um bocado de músculo para o ADN”, diz bióloga.

Estudar a biodiversidade 

Esta baleia vai integrar a colecção científica de mamíferos do MUHNAC, que está aberta à comunidade científica. Quando chegar ao Lisboa, os seus ossos vão ser limpos pelo taxidermista do museu, Pedro Andrade. Depois, vão atribuir um número de colecção a este exemplar, que será o segundo desta espécie. Já há na colecção um crânio e alguns ossos de uma fêmea. 

“Esta é sempre uma colecção que cresce a um ritmo mais lento”, comenta a bióloga. Afinal, não se pode capturar mamíferos. E ter um esqueleto destes é um bem precioso para se estudar a biodiversidade. “Por muito que se julgue já se saber, há sempre muito a investigar.”. Além disso, com novas tecnologias a surgir é possível saber mais. E também com as alterações climáticas cresce a necessidade de se estudar a biodiversidade e o que está a mudar nela.

Entre os curiosos está Rui Vieira, de 30 anos, doutorado em oceanografia. Vive em Inglaterra, mas por acaso estava em Portugal e a sua terra natal é a dez quilómetros. Veio à praia e encontrou estes trabalhos. “De vez em quando dão baleias à costa”, diz. 

Sofia Quaresma refere que já houve 130 ocorrências de dez espécies de animais em 15 anos, desde que chegou à câmara municipal. Este é o terceiro exemplar de uma baleia-anã. Diz ainda que já tinha contactado o MUHNAC  por causa de uma tartaruga-de-couro e um cachalote-pigmeu. 

Entretanto, começam-se a ver os ossos da baleia e a carne que foi sendo retirada, e guardada em sacos de plástico, vai ser incinerada. Ao mesmo tempo, as dificuldades desta missão intensificam-se. A maré sobe e cobre com as ondas o corpo do mamífero. E o cheiro ganha intensidade. Mas os cientistas vencem as adversidades. “Ainda pensei que não fosse possível e que iríamos só levar o crânio”, assume a bióloga.  As várias partes do esqueleto da baleia estão espalhadas pela areia, ainda com alguns pedaços de carne agarrados, e prontas para seguir para Lisboa numa carrinha. 

A missão está cumprida. E acaba de se saber que um golfinho também deu à costa nesta praia. Baleia e golfinho vão agora os dois para o museu. Quem sabe se os veremos numa exposição num futuro próximo. 

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