“Não acredito que Rajoy esteja a favor de uma mediação”

Para o politólogo Joan Subirats, os governos da Catalunha e de Madrid estão presos no jogo da “galinha”, em que um não pode recuar antes do outro sem ser rotulado de “cobarde”.

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LUSA/Robin Townsend

Cientista político, especialista em governação, Joan Subirats receia que o conflito aberto entre Barcelona e Madrid vá piorar nos próximos dias. De parte a parte, a cada passo, cresce o conflito mas também o independentismo. Em breve, teme, “os problemas começarão a afectar de forma muito negativa a população”.

O que aconteceu no domingo foi surpreendente ou já esperava que pudesse haver repressão mas, ainda assim, referendo?

Dou o exemplo daquele filme com o James Dean, Rebelde Sem Causa, em que os dois jovens têm de conduzir em direcção ao precipício e perde quem saltar primeiro do carro, o ‘jogo da galinha’. É um bocadinho assim que vejo as posições do Governo de Mariano Rajoy e da Generalitat. Aqui ninguém vai ser a ‘galinha’, o ‘cobarde’. Do ponto de vista da Catalunha, dos políticos e do movimento social pró-independência, há a ideia de que o processo não pode parar e, sem alternativas, insiste-se que é democrático e quer dar-se essa imagem ao mundo. De parte a parte confundem-se conceitos. Aqui confunde-se democracia com eleições, legalidade com legitimidade. Em Madrid, legalidade e democracia com Estado de direito. Certo é que o Governo espanhol conseguiu que a consulta não tivesse quaisquer garantias, era esse o objectivo e foi alcançado.

Mas Rajoy não ganhou, perdeu.

Sim, porque este sector independentista da Catalunha tem uma enorme capacidade de mobilização. Esta força social foi capaz de estar nas escolas e de resistir. E a greve geral foi um êxito ainda maior, já não se fez em nome da independência mas contra a violência e a repressão. Ter de escolher entre democracia e autoritarismo é muito fácil. Junta muito mais gente do que a questão independentista. Esse é grande fracasso de Rajoy, que acaba por dar mais força ao independentismo.

Isso não é de agora.

Não, se a atitude de Madrid fosse outra não estaríamos aqui, ou pelo menos dificilmente este movimento teria tanta força. Depois, Rajoy perde ainda noutro campo, no das reacções internacionais.

Então ganha o quê?

Ganha ao conseguir fortalecer a sua posição no resto de Espanha, o que convém quando tem um Governo fraco que não sabe até quando irá sobreviver. E usando a violência como instrumento de defesa do Estado, deixa os socialistas numa posição muito difícil. Rajoy tem conseguido obrigar o PSOE a estar do seu lado. E aqui estamos, numa espécie de quarto sem saída. Há uma porta, aquela por onde entrámos, mas sabemos que já não podemos sair pelo mesmo caminho.

Rajoy parece estar à espera do próximo passo da Generalitat para decidir o que fazer.

Sim, é preciso ver o que a Generalitat põe em marcha. Sabemos que há uma posição mais radical, que quer que seja declarada unilateralmente a independência com efeitos imediatos. Depois, há várias nuances, como a possibilidade de fazer uma declaração que estipule um prazo para negociações e mantenha aberta a porta ao diálogo. Uma espécie de moratória para que se possam procurar mudanças. Se vingar a posição mais radical, virá de Madrid mais violência, serão detidos políticos. Isso acabará outra vez por fortalecer o movimento independentista. Mas a partir daí tudo será ainda mais preocupante, terá consequências económicas, ao nível dos mercados, e os problemas começarão a afectar de forma muito negativa a população.

Há ofertas de mediação, nenhuma europeia como pediu Carles Puigdemont, mas já há um grupo de advogados e associações profissionais, até já se fala na Igreja…

Não acredito que o Governo de Rajoy esteja a favor de uma mediação. Mas pode ser que o PSOE e o Podemos consigam tirar alguma solução da cartola até segunda-feira. Qualquer mediação tem de envolver os socialistas. Claro que, para isso, o PSOE tem de aceitar que um dia os catalães possam votar num referendo sobre a independência, seja daqui a dois anos, seja quando for. A entrevista conjunta [na televisão La Sexta] das duas presidentes de câmara, Manuela Carmena [Madrid] e Ada Colau [Barcelona], foi um belo exemplo de diálogo e de como é possível dirimir problemas. Não excluo que tenham alguma iniciativa conjunta este fim-de-semana.

Puigdemont está sob imensa pressão. Não pode fugir a declarar a independência?

Está obrigado a fazê-lo ou as pessoas vão sentir-se enganadas. Claro que sabe que pode desencadear a aplicação do artigo 155, que suspende as instituições catalãs e a autonomia. Mas mais uma vez, isso acabará por reforçar o movimento. Ao mesmo tempo, claro, reforçará o conflito.

Rajoy parece estar a evitar usar o artigo 155 da Constituição.

Sim, na verdade não precisa. Com a questão do dinheiro [o Ministério das Finanças retirou à Generalitat a gestão do orçamento], já tem o governo catalão manietado. E a Justiça dá-lhe meios para fazer o resto. Claro que já se sabe como é com a Justiça, uma vez que se põe em marcha não há como pará-la. Pode ser que aplique o artigo muito selectivamente, por partes.

Mas acabará por ter de o usar, de o levar a votação no Senado?

Ele tem o dedo em cima do botão atómico e sabe que depois de carregar nesse botão já não lhe sobra nada. Vai adiar esse momento o mais que possa.

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