Só Isaltino sobreviveu à morte dos dinossauros

Eleitores chumbaram alguns dos rostos mais conhecidos do poder autárquico. Número de câmaras ganhas por movimentos independentes sobe.

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ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA Isaltino Morais regressa pela porta grande depois de ter cumprido pena de prisão
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Valentim Loureiro (Gondomar) Adriano Miranda (arquivo)
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Narciso Miranda (Matosinhos) Adriano Miranda (arquivo)
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Fernando Seara (Odivelas) Enric Vives-Rubio (arquivo)
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Carlos Pinto (Covilhã) Sérgio Azenha (arquivo)

Isaltino Morais ficou sozinho naquilo que poderia ser chamado como o “parque jurássico” do poder local. Dos oito “dinossauros” mais conhecidos que se candidataram este ano às autárquicas, só ele foi eleito, provavelmente com maioria absoluta. Nas últimas eleições autárquicas, estava a meio de uma pena de dois anos de prisão por ter sido condenado por fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Em Oeiras, derrotou Joaquim Raposo, do PS, que esteve 20 anos à frente da Câmara da Amadora, e que nestas eleições se aventurou naquele concelho. Para trás ficou também Valentim Loureiro, que esteve 20 anos à frente de Gondomar, só tendo saído em 2013 porque a lei de limitação de mandatos o impedia de se candidatar. Dois dos mandatos que cumpriu já o fez como independente, depois de o PSD ter vetado em 2005 a sua candidatura devido ao envolvimento no caso Apito Dourado, no qual foi condenado por abuso de poder e prevaricação. Agora ficou em segundo lugar.

Narciso Miranda, que governou Matosinhos durante 29 anos à frente de uma lista do PS, voltou a falhar a presidência. Perdeu para a candidata do seu antigo partido, a socialista Luísa Salgueiro. Pelo PSD, Fernando Seara, que esteve à frente de Sintra durante 12 anos, perdeu agora em Odivelas, como já tinha acontecido em 2013 quando concorreu contra António Costa em Lisboa.

Fernando Costa, que liderou as Caldas da Rainha durante 27 anos, transferiu-se este ano para Leiria para encabeçar a lista do PSD. Perdeu, como já tinha acontecido em 2013 quando tentou a sorte em Loures. Também Carlos Pinto, que contabilizou 20 anos como presidente da Câmara da Covilhã, sempre eleito pelo PSD, não conseguiu repetir a façanha agora que se candidatou como independente. Ficou em segundo lugar com 18,16% dos votos contra mais de 40% do PS. Igualmente derrotada foi a candidata do Bloco de Esquerda a Salvaterra de Magos, Ana Cristina Ribeiro, que esteve 16 anos à frente desta autarquia, primeiro pela CDU e depois pelo BE. Perdeu para o PS, que arrecadou 52,3% dos votos.

Independentes que são dissidentes e não só

Além da sua condição de “dinossauros”, há outro ponto em comum entre Isaltino Morais, Narciso Miranda, Valentim Loureiro e Carlos Pinto. Todos eles se apresentaram como candidatos independentes, apoiados por “movimentos de cidadãos” e não pelos seus partidos de sempre (PSD e PS), com os quais entretanto se incompatibilizaram.

Esta é, aliás, uma das características de muitas das candidaturas independentes às câmaras municipais: têm origem em dissidências partidárias. Em oito das 13 câmaras que em 2013 foram ganhas por independentes, os seus candidatos tinham origem no PSD, PS e CDU.

Rui Moreira, que voltou a ganhar o Porto, com 45% dos votos, é a grande excepção a este panorama. O autarca do Norte nunca foi filiado em qualquer partido político e essa é a razão pela qual a sua candidatura poderá ser considerada como verdadeiramente independente. Segundo dados da Comissão Nacional de Eleições, este ano houve 93 candidaturas independentes a câmaras municipais. Em 2013 foram 89.

Com 99,81% dos votos apurados, as candidaturas a câmaras apoiadas por grupos de cidadãos voltavam a estar em quinto lugar no panorama nacional, com 128 mandatos atribuídos. Em 2013, já com resultados totais, tiveram 64 mandatos. Os movimentos independentes ganharam 17 câmaras municipais, mais quatro do que em 2013. Entre estas figuravam mais de metade das autarquias conquistadas nas últimas eleições. E também uma derrota: Matosinhos, onde ganhou o PS.

Em Portalegre voltou a ganhar a ex-militante do PSD, Adelaide Teixeira, que se candidatou de novo à frente de um movimento independente. Em Borba, o antigo socialista António Anselmo continuará na liderança com o seu Movimento Unidos por Borba. Em Estremoz, o antigo militante da CDU, Luís Mourinha, também garantiu o lugar à frente do Movimento Independente por Estremoz. No Redondo aconteceu o mesmo com o também ex-militante da CDU, António Recto, que lidera o Movimento Independente do Concelho do Redondo.

A Norte, Aguiar da Beira voltará a ter o independente Joaquim Bonifácio, do movimento Unidos pela Nossa Terra, como presidente. Em Vila Nova de Cerveira, o ex-socialista Fernando Nogueira, com o movimento Pensar Cerveira, bisa na presidência da câmara. E em São Vicente, na Madeira, voltou a ganhar José Garcês, eleito mais uma vez pelo movimento independente Unidos por São Vicente.

Ainda com os chamados independentes, refira-se que Abel Baptista, que abandonou o lugar na bancada do CDS no Parlamento e se desfiliou do partido, para se candidatar como independente, com apoio do PS, à presidência da Câmara de Ponte de Lima, não conseguiu apear o actual presidente, o centrista Victor Mendes. Aposta de Assunção Cristas, Victor Mendes vai cumprir mais um mandato.

Sem sucesso foi também a candidatura independente de Domingos Pereira em Barcelos. O ex-socialista, que também abandonou o lugar de deputado do PS, não conseguiu destronar o candidato do partido, que voltou a apostar em Miguel Costa Gomes.

Isaltino: "O poder não é a cadeira, é a capacidade de ouvir as pessoas"

Quando Francisco Gonçalves, director de campanha da candidatura de Isaltino Morais a Oeiras, disse pouco depois das 20h que ainda era tempo de aguardar "com serenidade a continuação da contagem e a confirmação dos resultados", já os apoiantes se antecipavam e exultavam perante as primeiras projecções que apontavam para "a grande vitória" que o candidato regressado viria mais tarde a referir. Mas foi só pelas 22h30, quando Isaltino Morais chegou, que a sala explodiu num cântico de festa ao som de "Isaltino olé, Isaltino olé", com palmas e apitos à mistura. O presidente reeleito da Câmara Municipal de Oeiras, regressado às lides políticas ao fim de vários anos e já depois de cumprir pena por fraude fiscal e branqueamento de capitais, chegou num carro com tochas verdes e, tão compacta era a multidão que desejava acolhê-lo, demorou a chegar ao púlpito de onde falou, depois de chamar para junto dele todos os elementos da equipa que abraçou ou beijou, um a um. "A vitória já a tivemos e é uma grande vitória", disse, para acrescentar que "a democracia, a tolerância e a vivência democrática" estão bem presentes "no espírito e na vontade dos oeirenses". Lembrou a "dura campanha", em que muitos disseram o que queriam e o que não queriam. E disparou: "O poder não é a cadeira. O poder é a capacidade para ouvir as pessoas. É isso que nos propomos fazer." "Esta é talvez a candidatura mais independente de Portugal porque ela nasceu do povo", disse ainda, referindo-se aos apoiantes, muitos sem ligação a quaisquer partidos, que andaram nas ruas a recolher assinaturas "muito antes" de Isaltino "expressar essa vontade". "Este núcleo de pessoas recolheu milhares de assinaturas. Eu não convidei ninguém. Aqui foi verdadeiramente a democracia participativa a funcionar."

O presidente voltou, mas os gondomarenses não quiseram mudar

O presidente estava de volta... às campanhas, mas isso não entusiasmou eleitores em número suficiente para garantir o regresso de Valentim Loureiro à Câmara de Gondomar, município que vai continuar a ser governado, e em maioria absoluta, pelo PS e por Marco Martins. Os socialistas conseguiram seis dos 11 mandatos em disputa, contra dois da lista independente do antigo autarca e um do PSD, que candidatou um antigo assessor de Valentim Loureiro. Mas os sociais-democratas foram ultrapassados pela CDU, que viu reforçada a sua presença na câmara, elegendo dois vereadores: Daniel Vieira (actual presidente de Junta de São Pedro da Cova) e António Pinto.

O candidato independente atribuiu a António Costa e à sua “máquina eleitoral” a vitória do PS — e a sua própria derrota, portanto — nestas autárquicas. Ainda sem resultados totais confirmados, o antigo presidente da câmara entrou pelas 22h20 na sede de campanha, em Valbom, onde, aconchegado por algumas dezenas de apoiantes, assumiu como perdida a contenda para o actual autarca, o socialista Marco Martins. Valentim insistiu que não se candidatara contra ninguém, que apenas respondera positivamente aos insistentes apelos de muitos gondomarenses. Mas, respeitando o resultado, atirou: se os gondomarenses preferem continuar a ser governados pelo PS, felicidades.

Questionado pelos jornalistas, Valentim Loureiro não confirmou se vai ou não assumir o cargo de vereador, ou se este foi o seu último desafio político. Entre os apoiantes, havia quem não contivesse as lágrimas, num contraste com a serenidade de Joaquina Loureiro, a esposa do candidato, que, não estando satisfeita com o resultado, mostrava-se feliz com as consequências dele: “Agora vou tê-lo outra vez comigo. E também mereço.”

No centro de Gondomar era o PS quem fazia a festa por uma vitória que Marco Martins disse ser também uma "lição de que na política não é preciso demagogia ou populismo". "É a noite da vitória da democracia em Gondomar", disparou o presidente da câmara reeleito da varanda da sede de campanha socialista. "Não vale a pena vir cá ninguém assaltar o concelho. Somos nós que damos a resposta. Gondomar só tem um rumo: o futuro."

O melhor que Narciso conseguiu foi ser terceiro em Matosinhos

Foram três décadas a liderar a Câmara de Matosinhos pelo PS. Na segunda investida à liderança da autarquia, desde que suspendeu o mandato entre Outubro de 1999 e Setembro de 2000 para assumir o cargo de secretário de Estado num Governo de Guterres, Narciso Miranda, mais uma vez como independente, volta a não conseguir ser o candidato preferido dos matosinhenses, que em 2005 escolheram Guilherme Pinto, em ano de autárquicas marcadas pela morte de Sousa Franco. Neste acto eleitoral, o “senhor de Matosinhos” não conseguiu melhor do que a terceira posição, perdendo para a socialista Luísa Salgueiro e ficando atrás do ex-socialista António Parada com um resultado de 16,19% dos votos, que lhe garantem dois mandatos.

Narciso Miranda reconheceu aos jornalistas estar desiludido. Contudo, citando Salgado Zenha e Mário Soares, disse que “só perde quem desiste”. A terceira posição não era o resultado que esperava — era para o independente António Parada que as sondagens reservavam essa posição. No entanto, afirmou ser importante saber reconhecer “a decisão dos matosinhenses”. Foi com esta afirmação que se esquivou a responder se irá assumir o lugar de vereador. com Ana Dias Cordeiro, Abel Coentrão e André Vieira

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