Mortes por AVC diminuíram quase 40% em quatro anos

A mortalidade das doenças cardiovasculares diminuiu em 2015 para um dos valores mais baixos das últimas décadas, mas mantém-se como a principal causa de morte no país. Esta sexta-feira, é o Dia Mundial do Coração.

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Em 2015, 6432 portugueses morreram devido ao acidente vascular cerebral (AVC), o que, de acordo com o Ministério da Saúde, representa uma quebra de 39% face a 2011. Uma diminuição que contribuiu para que a mortalidade associada às diversas doenças cérebro-cardiovasculares, no seu conjunto, atingisse um dos valores mais baixos das últimas décadas.

Estes dados constam de um relatório sobre o Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares que será apresentado nesta sexta-feira, Dia Mundial do Coração.

“A descida muito acentuada” da mortalidade por AVC foi acompanhada pelo aumento do número de fármacos, explica ao PÚBLICO o coordenador do programa nacional, Rui Cruz Ferreira. Entre os quais, acrescenta, novos medicamentos para tratar a fibrilhação auricular, uma arritmia crónica que aumenta em cinco vezes o risco de AVC.

O aumento da prevenção médica e a diminuição dos comportamentos de risco também ajudam a explicar porque é que os portugueses morrem menos com AVC, acrescenta.

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De resto, analisando todas as doenças associadas ao aparelho circulatório (AVC e todas outras deste grupo), também há uma diminuição da mortalidade. Foram responsáveis por 29,7% das mortes registadas em 2015, em Portugal, valor que cinco anos antes era de 31,8%. Ainda assim, continuam a ser a principal causa de morte — segundo o INE, tiraram a vida a 32.443 portugueses.

Para João Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, estes valores de mortalidade “começam a aproximar-se dos do cancro”, a segunda causa de morte no país, o que “é um dado que reflecte a evolução da medicina”.

O balanço é menos positivo quando se fala em exclusivo da doença isquémica cardíaca (ataque cardíaco e angina de peito), doenças em que a tendência de mortalidade alta se manteve, “nomeadamente abaixo dos 70 anos”, revela Rui Cruz Ferreira.

Não são “só para alguns”

Estas não são doenças “só para alguns”, sublinha João Morais. Mais de metade da população portuguesa, entre os 18 de 79 anos, apresenta dois ou mais factores de risco de desenvolver doenças cérebro-cardiovasculares e a prevalência em pessoas cada vez mais jovens preocupa os especialistas.

É por isso que as metas do programa nacional para estas doenças se focam na redução da mortalidade prematura (antes dos 70 anos), tanto das doenças cerebrovasculares como dos ataques cardíacos e anginas de peito, para menos de mil pessoas por ano, até 2020.

A mesma preocupação levou a Sociedade de Cardiologia a lançar nos últimos dias um folheto informativo sobre os sintomas, factores e comportamentos de risco.

A maioria dos factores de risco são identificáveis através de análises ao sangue: o colesterol elevado, a hipertensão arterial, a diabetes e a obesidade. Também a falta de exercício físico, consumo excessivo de álcool, stress, tabagismo e erros alimentares contribuem para o aparecimento destas doenças.

São os “consumos e os problemas de sempre”, nota Rui Cruz Ferreira, o que “não os torna menos prementes”. De facto, a sensibilização para uma alimentação saudável e a redução de sal nos alimentos são as grandes bandeiras de quem coordena o programa nacional. O abuso do sal na comida é, segundo um estudo da Direcção-Geral de Saúde, o risco alimentar evitável que mais rouba anos de vida saudável aos portugueses e provoca mais de 70% das mortes provocadas por doenças do aparelho cardiovascular.

Por isso, os médicos de medicina geral e familiar estão a ser chamadas a participar de forma mais activa nesta sensibilização por terem “um papel central no acompanhamento de proximidade com as pessoas”, refere Rui Cruz Ferreira.

“Cancro do século XXI”

O presidente da Sociedade Portugueses de Cardiologia tem uma memória que ainda o surpreende: a forma como há 20 anos o combate ao enfarte agudo do miocárdio (conhecido como ataque cardíaco) se tornou “a grande prioridade da cardiologia portuguesa”, o que permitiu diminuir “vertiginosamente” a mortalidade associada à doença. Em 2015 foi a causa de 4% das mortes em Portugal. Agora, é “fundamental” fazer o mesmo com a insuficiência cardíaca, a doença que João Morais classifica como o “cancro do século XXI”. Estima que afecte perto de meio milhão de portugueses.

O cardiologista diz que é necessário uma “mudança de paradigma” para encarar outras doenças como prioridade nos planos de saúde. “Um em cada quatro doentes que vai às urgências tem insuficiência cardíaca, mas é um assunto de que o Plano Nacional de Saúde nem sequer fala. É preciso tirar o pano de cima da insuficiência cardíaca”, acredita João Morais, que alerta ainda que a doença “está a vitimar mais portugueses do que a maior parte dos cancros” — “E não estamos cientes disto.”

Segundo o cardiologista, a insuficiência cardíaca mata um em cada cinco pessoas ao fim de cinco anos de doença. Mais: ao primeiro internamento, 10% dos doentes acabam por morrer.

Diz ainda João Morais que a doença “tem uma prevalência alta e taxas de internamento brutais, inclusive em grupos etários mais jovens”.

“A insuficiência cardíaca é crónica e vai-se instalando ao longo dos anos. É um fim a que chegamos depois de termos tido outros problemas cardiovasculares que não tratamos convenientemente”, explica o presidente da Sociedade de Cardiologia.

A culpa dos médicos

Há falta de dados: “O último relatório é de há 15 anos.” Por isso, importa, diz o cardiologista, “fazer como se fez com o enfarte do miocárdio: identificar os doentes, encaminhá-los correctamente, saber muito bem quem são”. “Hoje não fazemos a mínima ideia.” O relatório do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares não apresenta de forma isolada os dados sobre esta doença.

Por ser silenciosa, como a maioria das doenças cardiovasculares, “é possível passar anos sem saber que a tem”. O diagnóstico precoce é fundamental. Parte da culpa é dos médicos que “não estão sensibilizados”, acredita. Mas também dos decisores políticos que “não têm esta doença como prioridade”. Algo que é comprovado, continua João Morais, com o facto de as análises clínicas que permitem chegar ao diagnóstico destes doentes “ainda não serem comparticipadas pelo Estado”.

É necessário que o Governo financie as “formas mais eficazes de diagnóstico” e organize uma maior articulação entre os vários serviços de saúde.

Também Rui Cruz Ferreira do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares concorda que a insuficiência cardíaca deva ser prioritária aos olhos da cardiologia, mas sem nunca fazer com que o combate à mortalidade provocada pelo AVC e a isquémica cardíaca “passem para segundo plano”.

Notícia corrigida: na versão inicial desta notícia dizia-se, com base na informação constante de um comunicado do INE sobre causas de morte em 2015, que o número de mortes por AVC nesse ano fora de 11.778. Contudo, esta informação está errada. Os dados fornecidos posteriormente pelo coordenador do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares são estes: 6432 mortos por AVC que correspondem, de facto, a uma redução de quase 40% face a 2011;  todas as doenças cerebrovasculares incluindo AVC, demências, entre outros, provocaram 11.271 óbitos em 2015.

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