Da Finlândia à Escócia, os testes ao rendimento básico espalham-se pela Europa

Desaparecida da cena política depois das experiências dos anos 60 e 70, a ideia de atribuir um rendimento incondicional está a ganhar raízes na Europa. Na Finlândia e na Holanda há experiências piloto. Que se poderão estender à Escócia e a Espanha.

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Um dos exemplos a considerar na ponderação escocesa será o finlandês. Aqui, dois mil desempregados, entre os 25 e os 58 anos de idade, foram escolhidos aleatoriamente para receber cerca de 560 euros mensais Paula Ricca

Rotulado como uma utopia inconcretizável pelos cépticos, o Rendimento Básico Incondicional (RBI) tem vindo a ser testado num cada vez maior número de projectos-piloto por todo o mundo: do Brasil ao Canadá, passando pela Finlândia. E as experiências deverão alargar-se em breve à Escócia e a Espanha. Independentemente do país e das respectivas nuances, o fim é invariavelmente o mesmo: testar se o pagamento daquela prestação é ou não suportável, se ajuda ou não a reduzir a pobreza e, de caminho, a atalhar aos problemas gerados por mercados de trabalho atacados pela crise e pela inovação tecnológica.

Na Escócia, a hipótese foi levantada no início do mês pela primeira-ministra Nicola Sturgeon que se comprometeu perante o Parlamento a estudar a viabilidade de os cidadãos receberem 150 libras (cerca de 170 euros) semanais. Não é discurso de circunstância. É mais um exemplo que atesta o regresso à cena política actual de uma ideia que há muito que deixou a obscuridade dos gabinetes dos filósofos para saltar para o discurso de figuras como o multimilionário fundador da Tesla, Elon Musk, e o antigo Secretário do Trabalho de Bill Clinton, Robert Reich. O candidato socialista às últimas presidenciais francesas, Benoit Hamon, incluiu também no seu programa eleitoral a proposta de pagamento de 750 euros a todos os franceses com mais de 18 anos, independentemente da sua condição sócio-económica ou perante o trabalho.

Um dos exemplos a considerar na ponderação escocesa será o finlandês. Aqui, dois mil desempregados, entre os 25 e os 58 anos de idade, foram escolhidos aleatoriamente para receber cerca de 560 euros mensais, no âmbito de um projecto-piloto que arrancou em Janeiro e vigorará até 2019. A medida não ambiciona arrancar ninguém à pobreza. O argumento é que o cheque dará às pessoas um respiradouro que lhes permite maior margem para encontrarem o seu lugar no mercado de trabalho sem o garrote da fome a apertar. Aparentemente, a primeira avaliação dá conta de uma redução do stress e de uma melhoria da saúde mental dos beneficiários. Os sindicatos finlandeses, porém, continuam a torcer o nariz à ideia, seja porque receiam perder poder negocial seja por acreditarem o Estado finlandês está assim a viabilizar a manutenção de postos de trabalho precários e mal pagos.

Na Suíça, onde o rendimento médio ronda os cinco mil euros mensais, a proposta de criar um RBI que, segundo os impulsionadores da iniciativa deveria rondar os 2500 francos suíços (cerca de 2260 euros) para os adultos e 625 francos para crianças e adolescentes, foi chumbada em referendo realizado em Junho de 2016, com 76,9% votos contra.

Na Holanda, tal como entre os finlandeses, a procissão também já saiu do adro. Mas aqui o esquema assume contornos um nada mais complexos, visando avaliar os resultados para diferentes modelos. Na cidade de Utrecht, 250 cidadãos começaram a receber desde Janeiro um cheque mensal de 960 euros a troco de nada. A iniciativa compreende ainda a atribuição de mais 150 euros no final do mês aos que se tenham voluntariado para fazer serviço comunitário. Aos membros de um terceiro grupo é dada também a hipótese de fazerem voluntariado, sendo que recebem o dinheiro no início do mês tendo de o devolver no final, caso não se tenham voluntariado para nada.

É o ressuscitar de projectos como o que vigorou no Canadá, entre 1974 e 1979. Durante estes cinco anos, os habitantes de duas cidades da província de Manitoba receberam cheques em casa sem quaisquer contrapartidas. Quando o Governo mudou, os novos representantes perderam interesse no programa e os documentos acabaram esquecidos em caixotes. Em 2009, uma economista da Universidade de Manitoba, Evelyn Forge, pôs-se a vasculhar nesses papéis e concluiu, segundo a revista The Atlantic que dedicou um vasto trabalho ao rendimento básico incondicional, que a pobreza fora drasticamente reduzida e que o número de horas de trabalho nas duas cidades envolvidas baixara apenas 10% e quase exclusivamente à custa das mães que decidiram passar mais horas em casa com os filhos e dos adolescentes que aproveitaram para regressar à escola.

Nessa mesma altura, nos Estados Unidos, Richard Nixon chegou a ordenar a distribuição de um rendimento básico de 1600 dólares anuais a 8500 pessoas durante um ano, mas o projecto nunca foi além da fase experimental, apesar de os historiadores que se dedicaram a estudar o assunto, como o alemão Rutget Bregman, citado no início deste ano pela BBC, garantirem que a medida teve um impacto brutal na redução da pobreza entre os seus beneficiários. Melhor sorte teve a ideia, lançada em 1982 e que ainda hoje vigora no Estado do Alasca, de redistribuir pelos cidadãos os dividendos da exploração petrolífera.

Muito para lá destas experiências pontuais, a Basic Income Earth Network, uma rede europeia com sede em Lovaina, na Bélgica, garante que o movimento espalha raízes pela Europa, à boleia da crise e da disrupção que a inovação tecnológica provoca no mercado laboral. O próximo país a testar a ideia, garantem os membros da rede, será Espanha, onde se previa que arrancasse já no próximo mês, em Barcelona, uma experiência piloto de dois anos, extensível a cerca de 2000 famílias, com o apoio da Comissão Europeia. Atenta à vaga de fundo, a circunspecta BBC questionava, em Janeiro, qualquer coisa como “E se o Estado providenciasse a toda a gente um rendimento básico?”. E aponta também nesse sentido a primeira sondagem sobre o rendimento básico incondicional, realizada em Março de 2016 por uma empresa de sondagens alemã, a Dalia Research, que concluiu que 64% dos europeus são favoráveis à ideia e votariam sim num referendo sobre o tema.

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