Nas cidades inteligentes vamos saber a quantas andamos

A mobilidade eléctrica, a partilha de veículos, a Internet e a inteligência artificial estão aos poucos a mudar a forma como as pessoas se deslocam no caos urbano.

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Projecto Mobi-me, a plataforma de gestão da rede portuguesa de carregamentos de veículos eléctricos e serviços de diversos operadores de transporte em regime partilhado Paulo Pimenta
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Projecto Mobi-me, a plataforma de gestão da rede portuguesa de carregamentos de veículos eléctricos e serviços de diversos operadores de transporte em regime partilhado Paulo Pimenta
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O CEIIA, Centro para a Excelência e Inovação da Indústria Automóvel tem sede em Matosinhos Fernando Veludo/NFactos

Os automóveis completamente autónomos podem estar a anos de distância, mas chamar um carro com motorista através de uma aplicação tornou-se banal em muitas cidades. A entrega de encomendas por pequenos drones pode ser uma tecnologia ainda em fase experimental e sem impacto no trânsito, mas existem serviços para encontrar uma scooter nas proximidades, conduzi-la por entre os carros e deixá-la em qualquer sítio, assim que já não seja precisa. Os autocarros podem nem sempre chegar a horas, mas os telemóveis conseguem indicar os horários e os locais mais perto onde é possível apanhá-los. Os engarrafamentos, o fumo e o barulho podem não ter ainda os dias contados. Mas quem se desloca hoje nas cidades (ou, pelo menos, em algumas cidades em vários pontos do mundo) consegue ver luz ao fundo do túnel.

A inclusão das tecnologias de informação na vida urbana é um processo feito em ritmos desiguais por diferentes utilizadores e por diferentes locais do mundo. As cidades estão ainda longe do que era sonhado nos tempos dourados do futurismo, em meados do século passado, quando se imaginavam os anos 2000 repletos de carros autónomos, múltiplas estradas em diferentes níveis de altura e até veículos voadores. E tudo isto a fluir com a precisão de um relógio graças às maravilhas da tecnologia. Na realidade, os problemas legais e regulatórios, a coabitação de sistemas novos e velhos, as inevitáveis questões de cibersegurança, os ritmos da agenda política e a natureza caótica de muitas cidades tornam tudo mais complexo. Porém, com alguns solavancos e curvas difíceis, a tecnologia começa a entranhar-se na forma como nos deslocamos.

A mobilidade eléctrica, a partilha de veículos e a inteligência artificial estão a mudar os transportes e fazem parte do conceito de cidades inteligentes, uma expressão vasta para designar cidades que recorrem a tecnologias de informação para uma melhor gestão. No ano passado, uma análise da consultora Juniper (de entre muitas do género que são publicadas) colocava Singapura como a cidade mais inteligente do mundo, seguida de Barcelona, Londres, São Francisco e Oslo.

“O que se alterou fundamentalmente foi o cruzamento da mobilidade física com a mobilidade da informação”, observa José Rui Felizardo, presidente executivo do CEiiA, um centro de desenvolvimento de tecnologias de mobilidade e transporte. Este cruzamento das necessidades de deslocação com a circulação de informação deu origem à multiplicidade de aplicações e opções de transporte que hoje existem em algumas cidades, explica Felizardo. “Quando nos movemos são gerados dados, os dados correlacionados permitem criar informação e isso permite criar novos serviços.”

É um puzzle que está a ser feito a muitas mãos. De um lado, estão as autoridades locais, que poderão ter acesso a uma torrente de informação sobre como cidadãos e turistas se movem. Esta informação pode ser usada para tornar os transportes mais eficientes e, eventualmente, mais baratos, quer para os cofres públicos, quer para a carteira dos utentes. Depois, há as muitas empresas que disputam uma fatia do mercado da mobilidade: desde as que desenvolvem aplicações para os utilizadores finais até às que criam ferramentas para serem usadas pelos decisores públicos. No final, surgem as pessoas, que diariamente querem ir de um ponto a outro de uma forma rápida, económica e também ecológica: as preocupações ambientais parecem ser cada vez mais pesadas na consciência de consumidores e eleitores. Várias cidades esforçam-se, por isso, por refrear a circulação de automóveis poluentes nos centros e mesmo países com uma forte indústria automóvel, como a Alemanha e França, já anunciaram que querem cortar a venda de carros a gasolina e gasóleo nas próximas décadas.

Para os cidadãos, estes avanços podem significar formas mais económicas e ambientalmente sustentáveis de deslocação. Um dos objectivos, explica o responsável pela área de cidades inteligentes da IBM em Portugal, António Pires Santos, é que os utilizadores venham a ter uma ferramenta “que ajude a escolher as melhores opções de mobilidade consoante a sua agenda do dia”. Não é um cenário de ficção científica. Os assistentes virtuais são uma parte cada vez mais importante dos smartphones. Os mais recentes já indicam aos utilizadores (sem que estes o peçam) quanto tempo demoram desde o sítio onde estão até ao local do compromisso que marcaram na agenda. Pires Santos nota que este tipo de serviço não é ainda “tão personalizado quanto poderia ser”. No futuro, o telemóvel poderá lembrar o utilizador de uma consulta de rotina que tem de marcar – e dizer-lhe qual a melhor forma de ir do trabalho até ao consultório num dia de chuva e trânsito infernal.

“Nas cidades há uma questão que é fundamental: o papel do utilizador”, concorda Felizardo. “Tem de ter todos os meios para definir como se quer mover, em função de custos, de tempos e, depois, de sustentabilidade”. Esta questão é, para o responsável do CEiiA, um dos grandes desafios: “A sustentabilidade é importantíssima. Podemos começar a quantificar qual a redução de emissões conseguida quando usamos meios de emissões reduzidas. Para além do custo da deslocação, pode-se dizer aos utilizadores finais as emissões poupadas”. Neste cenário, é possível imaginar sistemas para que estas poupanças se traduzam em benefícios imediatos para os utilizadores, observa Felizardo. Por exemplo, um mecanismo que permita ao cidadão comprar um bem ou serviço com créditos atribuídos graças às emissões poluentes que optou por não fazer. Também será possível dar ao utilizador uma “factura da mobilidade”, que some os custos de todos os transportes usados (bilhetes em transportes públicos, gasolina, estacionamentos) e permita ao utilizador saber exactamente quando gasta.

Por ora, os exemplos já em curso nas cidades são mais terra-à-terra. Em muitas há sistemas de partilha de bicicletas (convencionais ou eléctricas), pagas à hora ou ao mês. Há aplicações que permitem pagar o estacionamento do carro, em vez de se usar o tradicional parquímetro (em Lisboa, a EMEL, a empresa municipal responsável pelos estacionamentos, tem uma destas aplicações). Os horários dos transportes públicos e os tempos estimados de chegada estão visíveis em painéis electrónicos em paragens, e são consultáveis em aplicações móveis (mesmo que nem sempre acertem).

Parte daquelas soluções são iniciativas das autoridades públicas. Outras vêm do sector privado, como é o caso das aplicações Uber e MyTaxy, ou das scooters partilhadas da Ecooltra. Em Portugal, isto acaba por significar uma concentração nas duas maiores cidades e em algumas das zonas mais turísticas, onde o potencial de negócio é muito maior. “Vejo isto a ser transposto para as cidades médias, mas não pelo sector privado”, observa António Pires Santos. Recentemente, os autocarros de Braga passaram a usar tecnologia da IBM para oferecer Internet aos passageiros, e também para monitorizar o trajecto, perceber motivos de eventuais atrasos e antecipar necessidades de manutenção dos veículos. Estes sistemas de mobilidade, sublinha Santos Pires, são complexos, mas não precisam de ser montados de uma assentada: “Temos de ter cuidado com a segurança e evitar que estas soluções possam ser facilmente atacadas. Agora, não precisamos de fazer tudo de uma vez. Podemos começar por algo pequeno e crescer.”

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