Trump ameaça destruir a Coreia do Norte e o Kim Rocket Man

Primeiro discurso do Presidente dos EUA na Assembleia-Geral da ONU marcado por fortes ameaças ao Irão e à Coreia do Norte e por uma defesa do "patriotismo e orgulho" de cada nação.

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Presidente dos EUA ameaçou rasgar acordo com o Irão Eduardo Munoz/REUTERS

Depois de um primeiro dia de aquecimento nos corredores da sede das Nações Unidas, passado a distribuir amáveis agradecimentos e incentivos, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, discursou esta terça-feira pela primeira vez perante os líderes de todos os países e milhões de pessoas em todo o mundo. E a mensagem não podia ter sido mais clara e forte, e em linha com as promessas que o fizeram chegar à Casa Branca: a sua América está em primeiro lugar e não está interessada em exportar a democracia; em vez disso, Trump defende que a paz só pode triunfar num mundo que respeita vários sistemas políticos e em que o denominador comum é o patriotismo.

O programa dos discursos de abertura da primeira Assembleia-Geral das Nações Unidas sob a liderança de António Guterres previa – como é hábito – que cada líder falasse apenas 15 minutos, mas Donald Trump esteve no pódio cerca de 45 minutos.

As primeiras palavras foram de circunstância, como já era esperado, mas ainda havia dúvidas sobre o conteúdo e o tom do discurso do Presidente norte-americano. Seria um pouco mais moderado do que é habitual, agora que está cara a cara com os líderes mundiais, e não num comício para a sua base de apoio? Quem se arriscou a apostar num sim, perdeu de forma gritante – na primeira vez que falou ao mundo, o Presidente dos Estados Unidos enviou a mesma mensagem que costuma enviar aos seus apoiantes, em comícios um pouco por todo o país. Nem sequer faltaram os auto-elogios à sua Administração, porque "o desemprego está em grande queda, há mais empregos e as empresas estão a regressar" aos Estados Unidos.

Num discurso desenhado pelo conselheiro Stephen Miller (apontado pelos seus críticos como um simpatizante de ideias nacionalistas), o Presidente norte-americano apresentou a imagem de um mundo que está perante uma encruzilhada – por um lado, há "grandes avanços na ciência, na tecnologia e na medicina, que estão a curar doenças e a resolver problemas que as velhas gerações julgavam ser impossível de resolver"; por outro lado, "terroristas e extremistas uniram forças e espalharam-se por todas as regiões do planeta, com o apoio de "regimes desonestos presentes nesta sala, que não só apoiam o terrorismo como também ameaçam outras nações e os seus próprios povos com as mais destrutivas armas que a humanidade conhece".

Para salvar o mundo de um futuro marcado pela violência e pela guerra, a visão de Donald Trump não passa pela política que tem sido seguida pelos Estados Unidos nas últimas décadas, desde o fim da Segunda Guerra Mundial – não disse que os Estados Unidos querem ver mais democracias no mundo; apenas disse que devem promover a prosperidade dos seus povos e a paz fora de portas, numa defesa da ideia de nações soberanas e fortes.

"Nações soberanas e fortes permitem que países diversos, com valores diferentes e sonhos diferentes, não se limitem a coexistir mas também a trabalharem lado a lado com base no respeito mútuo. Nações soberanas e fortes permitem que os seus povos sejam donos do seu futuro e que controlem o seu próprio destino. E nações soberanas e fortes permitem que os indivíduos floresçam na plenitude da vida tal como ela foi planeada por Deus. Na América não queremos impor o nosso modo de vida a ninguém, preferimos brilhar como um exemplo para que todos possam ver", disse Donald Trump. Em resumo, "o sucesso da ONU depende da força independente dos seus membros", disse o Presidente norte-americano, citando o antigo Presidente Truman.

Bando de criminosos

E o que é que está a impedir o caminho em direcção a esse mundo de paz e prosperidade? Em poucas palavras, a Coreia do Norte e o Irão; em mais palavras, a Coreia do Norte, o Irão, a Venezuela, o socialismo e a "burocracia" das Nações Unidas.

O primeiro país a ficar com as orelhas quentes foi a Coreia do Norte – a transmissão em directo a partir da sede das Nações Unidas mostrou um representante norte-coreano quase sempre de olhos em baixo, a tirar apontamentos. E era para o representante norte-coreano que a câmara de televisão estava a olhar quando Donald Trump começou a ameaçar Kim Jog-un e o seu regime: "Ninguém tem mostrado mais desprezo pelas outras nações e pelo bem-estar do seu próprio povo do que o regime depravado da Coreia do Norte" e "nenhuma nação da Terra tem interesse em ver este bando de criminosos armar-se com armas nucleares e mísseis" foram apenas duas das frases dirigidas ao país.

Apesar de ter agradecido à China e à Rússia por terem aprovado as mais recentes sanções contra a Coreia do Norte no Conselho de Segurança da ONU, o Presidente norte-americano disse que é preciso fazer muito mais. E se a Coreia do Norte não perceber que "a desnuclearização é o seu único futuro aceitável", então os Estados Unidos vão agir: "Não teremos outra alternativa que não seja destruir totalmente a Coreia do Norte. O Rocket Man está numa missão suicida para o seu próprio regime" disse Trump, voltando a usar a nova alcunha que escolheu para Kim Jong-un – mas, desta vez, em plena Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Corte definitivo com o Irão

Depois de pedir aos países-membros da ONU que isolem a Coreia do Norte, o Presidente dos Estados Unidos virou-se para o Irão – e, se é verdade que as ameaças verbais à Coreia do Norte são repetidas há muito tempo, aquilo que Donald Trump disse sobre o Irão foi muito mais longe do que é habitual. Na prática, o Presidente norte-americano disse que o acordo sobre o programa nuclear iraniano, alcançado durante a era de Barack Obama, muito provavelmente é para ser rasgado: "Francamente, o acordo [com o Irão] é uma vergonha para os Estados Unidos, e acho que vocês ainda vão ouvir falar disto. Acreditem em mim."

A não ser, talvez, que o Governo iraniano cumpra a série de exigências que Donald Trump deixou em cima da mesa: "Chegou a hora de o regime [iraniano] libertar todos os americanos e cidadãos de outros países que foram detidos injustamente. Acima de tudo, o Irão tem de deixar de apoiar terroristas, começar a servir o seu povo e a respeitar os direitos de soberania dos seus vizinhos", disse o Presidente norte-americano enquanto o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ia dizendo que sim com a cabeça.

Trump lançou também um apelo aos iranianos para que se revoltem contra o Governo: "Os regimes opressivos não podem durar para sempre, e chegará o dia em que o povo terá de enfrentar uma escolha."

Mas o momento mais peculiar do discurso ficou reservado para a parte em que o Presidente norte-americano falou sobre a Venezuela. Pelo meio das acusações de opressão e de "roubo da soberania do povo" lançadas contra o Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, Donald Trump proferiu uma frase que ficará na História dos discursos nas Nações Unidas: "O problema na Venezuela não é o facto de o socialismo ter sido implementado de forma errada; o problema é o socialismo ter sido implementado de forma fiel" – uma frase que os líderes mundiais presentes na sala não souberam muito bem como receber, entre alguns tímidos aplausos e um burburinho com risos à mistura.

Refugiados perto de casa

Durante o seu primeiro discurso perante a Assembleia-Geral da ONU, o Presidente dos Estados Unidos falou também do plano da sua Administração para lidar com as pessoas que fogem a guerras e a várias formas de perseguição nos seus países.

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"Lutar pela democracia num planeta sustentável" é o mote da 72ª Assembleia das Nações Unidas JUSTIN LANE /EPA

No geral, a contribuição dos Estados Unidos passa por ajudar os outros países a terem melhores condições para receberem refugiados. "Pelo custo de alojar um refugiado nos Estados Unidos, podemos ajudar mais de dez na sua região de origem", disse Trump, sublinhando que os refugiados de hoje podem vir a ser os motores da mudança nos seus países amanhã – e que, por isso, é importante que estejam perto dos seus países.

Mais para o fim, o Presidente norte-americano voltou a sublinhar a ideia de que os Estados Unidos estão a pagar "muito mais" do que deviam para manter as Nações Unidas – um cheque que "até valeria a pena, se os seus objectivos declarados fosse alcançados, especialmente o da paz".

"As pessoas poderosas presentes nesta sala, sob os auspícios das Nações Unidas, podem resolver muitos dos problemas complexos. O povo americano espera que um dia, em breve, as Nações Unidas possam ser muito mais transparentes e eficientes na sua missão de promover a dignidade humana e a liberdade em todo o mundo", disse Trump, sem nunca ameaçar cortar de forma substancial o financiamento da ONU – e com um agradecimento ao secretário-geral, António Guterres, "por reconhecer que as Nações Unidas dever ser reformadas se quiser ser um parceiro eficaz contra as ameaças à soberania, segurança e prosperidade".

Apelo ao patriotismo

No final do seu discurso, o Presidente norte-americano lançou um apelo ao "espírito de sacrifício" e ao "patriotismo" – condições que consideram serem indispensáveis para garantir a paz entre os países.

"Se quisermos aproveitar em conjunto as oportunidades do futuro e ultrapassar os actuais perigos, não há alternativa a nações fortes, soberanas e independentes, nações enraizadas nas histórias e comprometidas com os seus destinos, nações que procuram aliados e não inimigos e, acima de tudo, nações de homens e mulheres dispostos a sacrificarem-se pelos seus países, pelos seus concidadãos, e por tudo o que há de melhor no espírito humano."

As últimas palavras foram todas reservadas para um apelo global ao resgate de um sentimento patriótico – quase como se Trump estivesse num comício de campanha, mas com mais requinte na escolha das palavras: "É esse o desejo ancestral de cada povo, o desejo mais profundo de cada alma sagrada. Deixemos, então, que seja esta a nossa missão, e que seja esta a nossa mensagem para o mundo. Vamos lutar em conjunto, vamos sacrificar-nos em conjunto, e vamos defender em conjunto a paz, a liberdade, a justiça, a família, a humanidade, e o todo-poderoso Deus que nos criou a todos", disse o Presidente norte-americano perante os líderes dos países-membros das Nações Unidas, terminando como se estivesse no Congresso norte-americano: "Obrigado, Deus vos abençoe, Deus abençoe as nações do mundo e Deus abençoe os Estados Unidos da América."

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