Empresários e políticos brasileiros e angolanos envolvidos em escândalos de corrupção pediram vistos gold

Entre outros, familiares do vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, e empresários brasileiros envolvidos na Lava-Jato desembolsaram milhões de euros em propriedades em Lisboa no âmbito do programa dos vistos gold, segundo uma lista obtida pelo Guardian e pelo Expresso.

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Otávio Azevedo, antigo presidente da segunda maior construtora do Brasil, REUTERS/Rodolfo Burher

Vários empresários e políticos angolanos e brasileiros envolvidos em processos e escândalos de corrupção requereram vistos gold através da aquisição de propriedades em Portugal. A informação é divulgada pelo jornal britânico The Guardian e pelo semanário Expresso, que teve acesso a uma lista de nomes que realizaram pedidos para este tipo de vistos em toda a Europa, incluindo em território português. Entre outros, familiares de Manuel Vicente, o até aqui vice-presidente de Angola acusado pelo Ministério Público de subornar um magistrado português, e Otávio Azevedo, antigo presidente da segunda maior construtora do Brasil, e que foi condenado em 2016 a 18 anos de prisão domiciliária no âmbito da Operação Lava-Jato, gastaram milhões de euros em imóveis em Portugal para terem acesso aos vistos dourados.

O programa dos vistos permite a quem investir pelo menos 500 mil euros numa propriedade em Portugal adquirir autorização de residência permanente. Passados cinco anos a legislação nacional permite que essa autorização seja transformada em direitos de cidadania, ou de nacionalidade, o que, de acordo com a lei europeia, permite a liberdade de circulação por todos os Estados-membros da União Europeia. O programa foi alvo de uma investigação em Portugal, a operação Labirinto, no âmbito da qual vários altos dirigentes do Estado foram detidos e investigados, estando neste momento a ser julgados. O processo levou ainda, em 2014, à demissão do então ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, igualmente a responder em tribunal por crimes de colarinho branco neste processo.

Segundo a documentação descoberta pelo Guardian e pelo Expresso, Octávio Azevedo, ex-presidente da construtora Andrade Gutierrez e condenado, no ano passado, a 18 anos de prisão domiciliária pelo envolvimento num esquema de corrupção investigado pela Operação Lava-Jato, comprou, dois anos antes da condenação, um imóvel em Lisboa no valor de 1,4 milhões de euros. Nesse mesmo ano, em 2014, fez o pedido para obtenção de um visto gold.

Ao jornal britânico, um porta-voz de Azevedo explicou que o empresário ainda não foi informado se o seu pedido foi aceite ou não, garantindo que a aquisição do imóvel na capital portuguesa foi realizada de acordo com a lei.

Mas este não é o único responsável desta empresa a comprar propriedades em território nacional. Sérgio Lins Andrade, presidente do conselho de administração e principal accionista da Andrade Gutierrez, pediu também um visto gold em 2014 através da compra de um imóvel em Lisboa no valor de 665 mil euros. Lins Andrade foi também convocado a prestar declarações aos investigadores da Lava-Jato.

Um porta-voz do empresário não desmentiu ao Guardian a compra da propriedade em Lisboa mas acrescentou que Lins Andrade não vive em Portugal nem tem intenções de o fazer.

Na mesma lista aparece ainda Pedro Novis, antigo presidente e CEO da Odebrecht, construtora que está no centro do alegado esquema de corrupção investigado na mesma operação judicial. Novis comprou um imóvel, também em Lisboa, e em 2014, por 1,7 milhões de euros. O seu porta-voz disse que o empresário nada tem a declarar e que esta aquisição é conhecida pelos tribunais brasileiros.

Existem ainda outros dois empresários brasileiros nesta lista. Carlos Pires Oliveira Dias, vice-presidente da construtora Camargo Correia, empresa também envolvida na Lava-Jato, e que desembolsou 1,5 milhões de euros em Portugal no âmbito do programa dos vistos gold. O outro é José Maurício Caldeira, alto-quadro da brasileira Asperbras, comprou um apartamento na capital portuguesa por um milhão de euros. Caldeira está envolvido na operação Rota do Atlântico, onde a sua relação com José Veiga, detido no âmbito da mesma investigação, está sob suspeita.

Outros dos nomes destacados pela notícia de ambos os jornais são alguns familiares de Manuel Vicente, vice-presidente angolano e antigo presidente da Sonangol, e que terão recorrido também ao programa dos vistos gold em Portugal. Um advogado do político angolano não fez comentários ao jornal britânico.

Outros três angolanos estão também nesta lista, incluindo outro alto-quadro da Sonangol. Trata-se de Sebastião Gaspar Martins, membro do conselho de administração da empresa petrolífera. O Guardian diz que o empresário procurou o visto em 2014. Gaspar Martins não fez comentários sobre o caso.

Pedro Sebastião Teta, secretário de Estado das Telecomunicações e Tecnologia de Angola, é outro nome exposto na lista. No caso, o político angolano recorreu ao programa de vistos em 2013.

João Manuel Inglês é um coronel angolano e assessor do general Manuel Hélder Vieira Dias, que recorreu a este programa em 2013. Conhecido por Kopelipa, um dos chefes militares de Angola e um dos homens próximos do ainda Presidente José Eduardo dos Santos, o general está, juntamente com Tchizé dos Santos, filha do antigo Presidente angolano, e o seu marido, Hugo Pêgo, e Mirco Martins, enteado de Manuel Vicente, sob suspeita do DCIAP por branqueamento de capitais. Inglês, por sua vez, foi envolvido num processo nos Estados Unidos juntamente com Vieira Dias.

Notícia corrigida nesta terça-feira. Por lapso, o PÚBLICO tinha escrito que "de acordo com a legislação europeia, é possível obter nacionalidade depois de cinco anos a residir no país". Na verdade, passados cinco anos é a legislação nacional que permite que a autorização de residência seja transformada em direitos de cidadania, ou de nacionalidade, o que, de acordo com a lei europeia, permite a liberdade de circulação por todos os Estados-membros da UE.

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