Abate de árvore monumental de Lisboa acaba em queixa na Justiça

Plataforma em Defesa das Árvores diz que o abate do velho lódão se deve a poda descuidada, mas a junta de Santo António diz que a árvore está sinalizada “há muito tempo” pelos serviços camarários para ser deitada abaixo.

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Rui Gaudêncio

O aviso foi colocado há dias pelos serviços camarários e anuncia o abate de um “monumental e classificado” lódão no Jardim Alfredo Keil, na zona central da Praça da Alegria, em Lisboa. Agora, a Plataforma em Defesa das Árvores responsabiliza a junta de freguesia de Santo António pelo estado em que a árvore está, depois de ter feito uma poda “desastrosa”, há dois anos, que deixou o lódão “totalmente desequilibrado e fragilizado”, e lamenta que Lisboa “perca mais uma das suas árvores monumentais”. 

A árvore de grande porte deverá ser cortada pelos serviços municipais, nos próximos dias, por lhe terem sido identificados problemas fitossanitários. Mas os activistas acreditam que o grande lódão terá este fim pela má manutenção feita pela junta de freguesia ao longo dos anos e pede que se apurem “responsabilidades”. Na passada quinta-feira, o grupo apresentou uma queixa junto do Ministério Público por acreditar estar perante “um crime ambiental”. 

Confrontado com a acusação de negligência no cuidado com as árvores, o presidente da junta de freguesia de Santo António, Vasco Morgado, refutou peremptoriamente as críticas, admitindo que a árvore em causa “não é podada há uma série de anos” e que está identificada “há muito tempo” pela câmara municipal para ser deitada abaixo. 

Apesar da gestão e manutenção das árvores estarem, desde 2014, a cargo das juntas de freguesia, é o município que decide sobre o abate. “Neste caso, a câmara, que tem os relatórios fitossanitários das árvores, não nos informou sequer. Pôs lá o papel”, diz o autarca. Vasco Morgado adiantou ainda que existem relatórios, “já muito antigos, sobre o estado das árvores” que indicam que o grande lódão “não está particularmente em bom estado”. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, obter mais esclarecimentos junto da câmara. 

O grupo de activistas ambientais garante, contudo, que a poda terá ocorrido em Janeiro de 2015 e que a árvore terá sido desbastada “sem nenhum critério” nem “razões fitossanitárias sérias”, diz Rosa Casimiro, da Plataforma em Defesa das Árvores. E refere ainda que a intervenção terá sido realizada sem o conhecimento do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que seria necessário dado que algumas árvores daquele jardim estavam classificadas. 

Vasco Morgado afirmou ao PÚBLICO que não era essa a situação da árvore que será deitada abaixo. No entanto, o abate foi anunciado na mesma altura em que foi publicado um novo regime legal de classificação do conjunto de árvores daquele jardim (publicado em Diário da República a 8 de Setembro). Além das seis árvores que já beneficiavam de protecção, foram incluídas mais três no lote de árvores classificadas, entre as quais os dois lódãos-bastardos que ali permanecem. 

No mesmo documento, lê-se ainda que “estes exemplares formam um conjunto singular que representa mais de 45% do arvoredo” do jardim, o que justifica “o seu enquadramento na categoria de conjunto arbóreo de Interesse Público”. 

Atribuída a classificação, “todas as operações de beneficiação do arvoredo classificado, nomeadamente podas, desramações e tratamentos fitossanitários”, o “abate de qualquer árvore”, a introdução de vegetação, assim como obras de reparação e manutenção, ficarão sujeitas à “autorização prévia” do ICNF. 

Por isso, nota Rosa Casimiro, “mesmo que [o lódão] não estivesse classificado, qualquer abate, qualquer intervenção, junto de árvores classificadas tem de ter autorização do ICNF”. 

A mesma responsável diz saber que o relatório que sustenta a decisão de abate, elaborado pelo Laboratório de Patologia Vegetal “Veríssimo de Almeida” do Instituto Superior de Agronomia, da Universidade de Lisboa, terá concluído que a árvore é “perigosa”. Mas não é isso que está em questão, diz. 

“Nós não questionamos o relatório técnico. Agora, pomos em causa os cuidados que essa árvore teve. Se calhar podia não ter sido abatida agora se tivesse sido bem cuidada”, sublinha Rosa Casimiro. 

Para o presidente da junta de Santo António, a árvore “devia ter sido abatida quando foi se cortou o primeiro lódão” em 2014, ainda antes da “divisão administrativa” que, nesse ano, passou parte das árvores em Lisboa para a gestão das juntas de freguesia. Ainda há dois meses, conta o autarca, caiu “um ramo enorme que, felizmente, não atingiu ninguém”, sublinhando que o que está em causa é “a segurança das pessoas”.

Obras na praça

Rosa Casimiro admite que este “não é um caso isolado” e que a Plataforma em Defesa das Árvores tem denunciado situações semelhantes. “Há árvores que estão a ser mal cortadas, insiste-se em instalar parques infantis à volta de árvores classificadas em que se cortam raízes. E ninguém é responsabilizado pelas coisas que se vão fazendo”, diz. 

Recorde-se que a parte central da Praça da Alegria está a ser intervencionada para dar lugar a um parque infantil e a um quiosque. As obras estão a cargo da junta, que decidiu avançar com a construção destas infra-estruturas que estão previstas no âmbito do programa municipal Uma Praça em Cada Bairro. 

“As obras na Praça da Alegria têm vindo sempre a ser adiadas. Nós conseguimos arranjar forma de fazer agora a parte interior da obra, a parte mais fácil”, explicou Vasco Morgado. 

Foi feito um acordo com os hotéis da zona que vão suportar os custos destas novas infra-estruturas. Já as obras no exterior do jardim serão da responsabilidade da câmara de Lisboa, ao abrigo do programa municipal. Segundo a informação que consta no site da câmara de Lisboa, a previsão é de que esta intervenção se inicie “após 2017”, tendo como principais objectivos o aumento da circulação pedonal nos topos da praça, o aumento da área para esplanadas e o descongestionamento a circulação rodoviária.      

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