Quero subir à primeira divisão da vida social

Há uma enorme escassez de informação que nos permita estudar as causas da baixa mobilidade social no país.

Foi divulgado na passada semana um estudo sobre mobilidade social financiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, coordenado por Teresa Bago d’Uva. A autora e a sua equipa fazem uma análise exaustiva da informação disponível para estudar esta matéria em Portugal, chegando a três conclusões principais. A primeira é que o meio socioeconómico em que se nasce é, ainda, determinante da vida de cada cidadão. A segunda, mais optimista, é que a importância do nascimento no sucesso dos indivíduos diminuiu ao longo do tempo. A terceira, mais pessimista, é que em Portugal o peso do nascimento é superior ao observado nos restantes países da União Europeia.

A análise de Teresa Bago d’Uva e da sua equipa recebeu um merecido destaque na edição do PÚBLICO de quinta-feira, dia 7 de Setembro, bem como no programa “Fronteiras XXI”, uma colaboração entre a RTP e a Fundação Francisco Manuel dos Santos. Por essa razão, não me deterei no detalhe dos diversos factos interessantes trazidos à luz pela análise. Chamarei antes a atenção para o que ainda não sabemos — não por responsabilidade da equipa da Teresa Bago d’Uva, mas por falta de informação para estudar este desafio da nossa democracia que queremos progressista, onde o ascensor social não permaneça uma miragem, como na canção dos Ena Pá 2000 evocada no título: “Voltei para Chelas. A mágoa funda no meu coração. Um dia hei-de conseguir.”

Por um lado, é fundamental ir mais além na caracterização da mobilidade social. Por exemplo, não conhecemos a relação entre o nível de rendimento dos pais e dos filhos. O estudo concentra-se na relação entre o nível de educação e a profissão do pai e a educação, profissão e rendimento do filho ou filha. De facto, não existe, em Portugal, disponibilidade de dados que nos permitam relacionar rendimentos de pais e filhos. Ora, isto já acontece em alguns países, como os Estados Unidos da América ou a Suécia, onde as respectivas autoridades tributárias disponibilizam, de forma completamente anónima, a informação fiscal dos indivíduos permitindo ligá-la à dos respectivos pais.

Uma outra limitação é que existe informação para o rendimento do filho apenas num determinado ano: 2005 para algumas pessoas, 2011 para outras. Seria interessante observar o rendimento destes indivíduos ao longo de vários anos. Mais uma vez, nos países em que as autoridades permitem a utilização de dados fiscais ou de outras fontes administrativas para estes estudos, este conhecimento é possível.

Por outro lado, da constatação da baixa mobilidade social em Portugal decorre uma necessidade de investir em políticas que promovam o ascensor social das pessoas nascidas em meios desfavorecidos. Há, infelizmente, uma enorme escassez de informação que nos permita estudar as causas da baixa mobilidade social e das políticas públicas que a podem melhorar. Um exemplo do que não podemos (mas devíamos) fazer em Portugal é o Equality of Opportunity (http://www.equality-of-opportunity.org/), que tem sido conduzido pela equipa dos economistas Raj Chetty, John Friedman e Nathaniel Hendren. Este projecto analisa uma variedade de temas em torno da igualdade de oportunidades. Alguns exemplos são o impacto do bairro em que uma criança vive no seu rendimento quando atinge a idade adulta, nos comportamentos de risco (abuso de droga, criminalidade), ou a influência do rendimento individual na esperança de vida.

Os autores também dispõem, para cada pessoa que termina um curso superior numa universidade americana entre 1999 e 2013, do rendimento desta e dos pais dela. Com esta informação, calculam, para cada universidade nos EUA, a percentagem de alunos que são originários de famílias que fazem parte das 20% mais pobres da população. Calculam, também, que percentagem destes jovens recebe, mais tarde, um rendimento que o coloca nos 20% mais ricos. Com estes dois indicadores, calculam a chamada taxa de mobilidade de uma universidade, que nos diz a percentagem, de entre o total de alunos de uma determinada universidade, que é constituída por jovens que alcançaram o top 20%, sendo oriundos de famílias que estão entre as 20% mais pobres. Todos estes indicadores estão disponíveis online, para cada universidade americana, com a respectiva evolução ao longo do tempo.

Neste âmbito da análise das universidades, os autores chegam a algumas conclusões interessantes. Por exemplo, existe uma segregação, em termos socioeconómicos, dos alunos por universidades. Observa-se um decréscimo nas admissões de alunos oriundos das famílias que estão entre as 20% mais pobres, nas universidades com maior mobilidade social. Esta tendência é preocupante e aponta para a necessidade de agir ao nível do acesso a estas universidades. Outra conclusão que merece reflexão é a de que os alunos oriundos das 20% de famílias mais pobres e das 20% mais ricas que se formam numa determinada universidade ganham o mesmo.

Para melhor percebermos os bloqueios à mobilidade social, será necessário analisar com cuidado que está a acontecer nos bairros, nas escolas, nas universidades, no sistema judicial. Isto exige informação, em grande quantidade e maior qualidade. Alguma dessa informação existe nas chamadas bases de dados administrativas recolhidas, por exemplo, pelos sistemas de saúde, de educação, de segurança social, fiscal, judicial. A disponibilização das mesmas para efeitos de análise académica tem sido excepcional; teríamos todos bastante a ganhar se assim não fosse. 

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