A cor da pele

O sistema de ensino olha os afrodescendentes como estrangeiros e com a expectativa de que não passarão da “escolaridade mínima obrigatória”.

A partir da década de 70, com a mudança de regime, o sistema de ensino tornou o país mais democrático e justo. Mas não o suficiente. O apelido, a escolaridade ou a profissão dos pais continuam a ser factores demasiado importantes na ascensão social. Como se constata lendo o estudo “Mobilidade Social em Portugal”, divulgado pelo PÚBLICO nesta semana, esse darwinismo social, do qual não se fala, é entre nós superior ao da média dos países da União Europeia. Subir na vida por cá é, de facto, bem mais difícil do que na generalidade dos países da UE, aqueles que a nova e qualificada leva de emigrantes portugueses escolheu como local para viver.

Ninguém duvida que políticas públicas como a generalização do acesso à escola ou a escolaridade obrigatória foram decisivas para melhorar a mobilidade social, e muito em particular a mobilidade das mulheres.  Mas se olharmos para essa ascensão social em função, não do género, mas sim de um ponto de vista étnico, o cenário pode ser ainda mais deprimente e injusto. Tudo porque além do apelido, da escolaridade ou da profissão dos pais há que acrescentar a cor da pele. O sistema de ensino olha os afrodescendentes como estrangeiros e com a expectativa de que não passarão da “escolaridade mínima obrigatória”, como diz nesta edição a historiadora Joacine Katar Moreira, o que é todo um programa discriminatório.

Se as escolas assumirem um papel verdadeiramente estrutural, o projecto-piloto de Autonomia e Flexibilidade Curricular, que terá início neste ano lectivo, pode ser um pretexto para que as escolas alterem esse olhar, com a introdução de temas como a interculturalidade ou o racismo, e não encarem a cor da pele como uma fatalidade. A educação para a cidadania, cuja estratégia o Ministério da Educação prometeu apresentar em breve, na sequência daquele projecto-piloto, não devia ter os alunos como únicos destinatários. Pode ser um tema tabu, mas a formação dos professores e os conteúdos dos manuais que utilizam deveria fazer parte dessa estratégia para a cidadania. Se há algo com que o sistema de ensino não pode pactuar é com a reprodução de qualquer tipo de desigualdade, seja ela regional, social, de género ou étnica. E com a reprodução de estereótipos, sejam eles de que cor forem. Uma escola que reproduz desigualdade não é uma boa escola.

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