Marcelo vs Passos: há uma nova temporada gélida na guerra dos tronos da direita

Passos fez um desafio ao Presidente. Marcelo desconfia de dedo do PSD no protesto dos enfermeiros. A tensão sobe, com autárquicas à vista - e directas no partido também.

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Marcelo Rebelo de Sousa e Passos Coelho: relações amargas Nuno Ferreira Santos

Se as relações entre Marcelo Rebelo de Sousa e Passos Coelho não são há muito as melhores - contam já com episódios suficientes para uma série política -, os últimos dias mostraram que está aí uma nova temporada de distanciamento entre eles. O pano de fundo é o novo ciclo político que se abre com as autárquicas e que passa por um congresso do PSD, com disputa interna quase garantida.

O último episódio aconteceu já esta quarta-feira, com o Presidente da República a responder, desde Atenas, ao líder do PSD, abrindo uma excepção à regra de não comentar a política interna quando está fora do país. Passos Coelho tinha desafiado, na terça-feira à noite, o chefe de Estado a “dizer alguma coisa” sobre os “anúncios que violam o seu dever de imparcialidade e de neutralidade” por parte do Governo. Foi poucas horas depois de Marcelo ter pedido aos partidos tréguas sobre os incêndios.

"Era bom que nas três semanas até às eleições, aquela tragédia, aquelas famílias e vítimas não possam ser envolvidas na campanha eleitoral local", aconselhou o chefe de Estado. “Talvez o senhor Presidente da República possa dizer alguma coisa sobre essa matéria. Isso sim, isso seria importante, numa democracia como a nossa, que o Governo se abstivesse todos os dias de fazer anúncios que violam o seu dever de imparcialidade e de neutralidade", ripostou o líder do PSD.

“Eu já fiz uma declaração sobre a matéria muito antes do período pré-eleitoral, dizendo que estou muito atento ao respeito do princípio da imparcialidade, inclusive nos diplomas legais que promulgo, atento a que não haja diplomas legais eleitoralistas que venham para promulgação neste período pré-eleitoral”, respondeu Marcelo.

Enfermeiros: Belém desconfia

A troca de palavras entre Marcelo e Passos surgiu logo a seguir a um outro episódio que, embora não seja tão flagrante, não é menos salgado, pelo menos para Passos Coelho. Na terça-feira, o Presidente resolveu entrar na guerra dos enfermeiros, aparecendo primeiro ao lado do ministro da Saúde no hospital de S. José para relativizar a importância do estatuto nas profissões do sector – sabendo que é a principal exigência dos enfermeiros especialistas – e depois anunciando que receberá na próxima semana os bastonários das profissões da saúde: enfermeiros, médicos e farmacêuticos.

O significado político evidente é tentar mediar, ou esvaziar, os protestos das três classes, pois se os enfermeiros têm uma greve nacional na próxima semana, os médicos ameaçam fazer uma depois das autárquicas e os farmacêuticos podem esperar pelo Orçamento do Estado para ver se as suas reivindicações na carreira pública são atendidas. Ou seja, Marcelo surge ao lado do Governo face a três corporações que entendem serem atravessadas por “uma forte influência da direita”, como ouviu o PÚBLICO de fonte de Belém.

No caso dos enfermeiros, essa influência é a mais evidente: a bastonária, Ana Rita Cavaco, é membro do Conselho Nacional do PSD, “órgão responsável pelo desenvolvimento e execução da estratégia política do partido”, eleita na lista encabeçada por Jaime Filipe Ramos.

Mas o episódio mais “picante” da rentrée foi protagonizado por outra personagem: Cavaco Silva, antigo Presidente da República e líder do PSD durante dez anos, que foi à Universidade de Verão da JSD dar bicadas ao Governo e ao seu sucessor em Belém, sugerindo que Marcelo se encaixa naquilo que classificou como “verborreia frenética da maioria dos políticos dos nossos dias, embora não digam nada de relevante”.

Passos Coelho, que foi a Castelo de Vide receber e ouvir o antigo Presidente como nunca tinha feito com nenhum convidado daquela iniciativa, nem mesmo quando o então presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, lá esteve, acabou a semana passada a defendê-lo: “O dr. Cavaco Silva não tem direito a exprimir a sua opinião? Não podem tomar o que disse pelo valor do que disse, e contraditá-lo se acharam que não merece a sua concordância?”

Certo é que a intervenção do ex-Presidente servia os interesses de Passos Coelho em toda a linha, tanto nas críticas ao Governo como a Marcelo, pois este é hoje visto dentro do PSD como um forte aliado de António Costa e um crítico da actual liderança social-democrata. No entendimento de um antigo dirigente social-democrata, ouvido pelo PÚBLICO, as farpas lançadas por Cavaco ao actual chefe de Estado encaixam como uma luva na estratégia de Passos Coelho de unir o partido à sua volta, tendo como cenário as eleições internas que irá disputar em breve.

Em público, porém, todos tentam desvalorizar a tensão. Marcelo já disse - como na entrevista de Agosto ao DN - que intrometer-se na vida do PSD seria “um erro de toda a dimensão”. Também na direcção nacional do PSD se jura que a tensão com Marcelo "não tem sido valorizada” - nem sequer tendo sido assunto da última reunião da direcção, esta semana.

Uma fonte da direcção, contactada pelo PÚBLICO, admite uma excepção: esta semana, quando Passos deixou o tal desafio a Marcelo para que perguntasse ao Governo antes pelos anúncios de medidas simpáticas antes de eleições. “Mas era mais para atingir o Governo”, diz essa fonte. Quanto ao futuro do PSD, mantém-se a fé: “Marcelo conhece bem o partido e sabe que ele não muda, depois das eleições, por causa dele”.

Certo é que o presidente do PSD fez orelhas moucas ao pedido do chefe de Estado para que não haja guerrilha partidária em torno da questão dos donativos destinados às vítimas do incêndio de Pedrógão Grande.  “Não há guerrilha partidária nenhuma à volta desta matéria", disse, mantendo o desafio ao Governo para que explique como está a gerir aquelas verbas: "O facto de haver eleições não significa que o Governo deva deixar de explicar ao país aquilo que faz”. Até elas, faltam ainda três semanas, 25 dias de campanha.

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