Como vão os independentistas forçar uma consulta contra Madrid?

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Houve uma discussão feroz no parlamento catalão MARTA PEREZ/EPA

Qual a estratégia do governo catalão para referendar a independência?

Desde o início do ano que a estratégia era conhecida: a coligação Juntos pelo Sim (Esquerda Republicana da Catalunha mais Partido Democrata Europeu Catalão) e a CUP (Candidatura de Unidade Popular) prepararam uma série de leis chamadas de “ruptura” ou “transição” para passar da legalidade espanhola a uma nova, dando poderes ao parlamento e ao governo (gestão de impostos, por exemplo) regionais. Em Fevereiro, a “lei da ruptura”, uma espécie de “roteiro para a soberania”, foi apresentada aos restantes grupos parlamentares.

O que é que aconteceu no plenário desta quarta-feira do parlamento catalão?

Nos planos incluía-se a Lei do Referendo de Autodeterminação, mantida propositadamente em segredo até ao último momento – ou seja, até ser levada ao plenário –, para assim tentar encurtar ao máximo o tempo disponível para o Governo de Madrid recorrer judicialmente e declarar inconstitucional todo o processo. Foi esta lei que a maioria independentista levou a votos, tendo primeiro que enfrentar a oposição para a mudança da ordem de trabalhos e inclusão da proposta na agenda do dia.

A votação no parlamento é legal?

Os partidos da oposição ao governo catalão lutaram o mais que puderam contra a entrada da proposta de lei na ordem do dia, mas há precedentes: o artigo 81.3 do regulamento, invocado por Juntos pelo Sim e CUP para a aprovação “expresso” desta lei (admitindo assim propostas de emendas aos seus artigos mas não contrapropostas, ou seja, a apresentação de uma lei completamente diferente para ser votada a par da primeira) foi usado pela última vez em Maio, quando todas as bancadas acordaram alterar a ordem da reunião plenária e incluir uma votação sobre o caso de corrupção que envolve o Palau de la Musica Catalana. Depois de várias interrupções para reuniões do Grupo de Porta-vozes e da Mesa do Parlamento, a lei acabou por ser incluída na agenda.

Como respondeu a oposição?

As horas seguintes ao recomeço do plenário foram passadas a esgrimir argumentos sobre o tipo de emendas que poderiam ser apresentadas pela oposição e com os partidos anti-referendo a exigir ver a acta da reunião da Mesa onde ficou acertada a discussão da lei. Eram já 17h30 em Espanha e a Mesa continuava reunida para decidir se aceitava as propostas de emenda da totalidade da lei apresentadas pelo Partido Popular e pelo Cidadãos. Uma hora depois, o debate era outro: logo pela manhã, a oposição pedira um parecer sobre a legalidade da proposta de lei ao Conselho de Garantias Estatutárias (órgão que supervisiona o próprio parlamento que integra); a Mesa recusou mas os socialistas catalães recorreram e este órgão deu-lhes razão, pedindo um mês para analisar a lei e obrigando a Mesa a abordar de novo o tema. Noutras ocasiões, a maioria independentista ignorou as recomendações do Conselho de Garantias, alegando que não são vinculativas.

O que diz a Lei do Referendo de Autodeterminação?

No artigo 1º lê-se que a lei “regula a celebração do referendo de autodeterminação”, atribuindo-se em seguida a soberania aos catalães e declarando-se que esta “prevalece juridicamente” sobre o Estatuto da Catalunha e a Constituição. De acordo com a proposta, a consulta terá carácter “vinculativo” e se da contagem resultarem mais votos afirmativos do que negativos, a independência será declarada. Se mais catalães responderem “não” à pergunta “Quer que a Catalunha seja um estado independente na forma de uma república?”, o actual parlamento será desfeito e serão convocadas novas eleições autonómicas. A lei não diz quem deve assinar o decreto de convocatória do referendo nem dita regras para a campanha eleitoral, mas explica que depois de aprovada, será apresentado um decreto com “normas complementares”.

Quais são as principais críticas e acusações de ilegalidade?

Acima de tudo, o que os opositores apontam é a ilegalidade de um referendo que a Constituição não prevê e que o Tribunal Constitucional já declarou ilegal. Mais, os críticos apontam para inúmeros procedimentos e ilegalidades. Por exemplo, notam que os independentistas decidiram aprovar esta lei por maioria simples (Juntos Pelo Sim e CUP) de 72 deputados, numa assembleia de 135, enquanto para reformar o Estatuto de Autonomia se exige o acordo de dois terços dos deputados. O mesmo acontece com a elaboração de uma lei eleitoral catalã (parte do “roteiro para a autonomia” que não chegou a ser votado). E, ao contrário do que sugerem as normas internacionais para consultas de secessão, não é necessário que um número mínimo de eleitores participe na consulta para que esta seja válida (o referendo escocês foi uma excepção).

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