Prémio Champalimaud para instituições que cuidam da visão de milhões de pessoas

Um milhão de euros será dividido entre duas organizações que trabalham na área de visão e querem mudar vidas nos países em desenvolvimento.

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Da esquerda para a direita, Bill Kendal , Izidine Hassane e Julia Strong, da Sightsavers, e Massimo Maggio e Babar Qureshi, da CBM Nuno Ferreira Santos

A Sightsavers e a CBM (Christian Blindness Mission) são as duas instituições que vão receber um milhão de euros, no total, para financiar o esforço que fazem para prevenir e tratar problemas de visão em todo o mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento. O Prémio António Champalimaud de Visão 2017, o maior galardão nesta área e que é apoiado pela Organização Mundial da Saúde, é entregue esta terça-feira, em Lisboa, numa cerimónia presidida por Marcelo Rebelo de Sousa. É o reconhecimento do trabalho de duas organizações que já mudaram as vidas de milhões de pessoas e que todos os dias lidam de perto com dois dados impressionantes: há 39 milhões de pessoas cegas no mundo e  80% das cegueiras podem ser prevenidas ou curadas.

Izidine Hassane coordena o trabalho de uma clínica em Nampula, Moçambique, gerindo um programa da Sightsavers com o apoio do governo local. É um dos muitos programas da associação sem fins lucrativos com sede no Reino Unido e 67 anos de história, que actua em mais de 30 países em desenvolvimento com programas de prevenção da cegueira e doenças oculares, de tratamento e rastreio e ainda de inclusão para pessoas com incapacidades visuais.

Entre as várias acções da Sightsavers, Izidine Hassane destaca o projecto de mapeamento global do tracoma (uma doença inflamatória ocular crónica, causada pela bactéria Chlamydia trachomatis e que afecta pálpebras, a membrana conjuntiva e córnea, podendo resultar em cegueira), que decorreu entre 2012 e 2016. Apesar de o Prémio Champalimaud de Visão 2017 ter sido atribuído por toda a história da organização, o gestor acredita que este projecto teve um peso especial. Afinal, contabiliza, decorreu em 29 países de África, Ásia e Caraíbas, envolvendo um total de 2,9 milhões de pessoas examinadas que vivem em zonas endémicas do tracoma. “Foi o maior estudo feito no mundo sobre uma doença infecciosa.”

Segundo explicou ao PÚBLICO, a abordagem apoia-se em quatro pilares: uma frente cirúrgica para os casos que o exigem; o tratamento com antibióticos; a avaliação do impacto da acção, incluindo medidas de prevenção; e ainda a intervenção no ambiente em que as pessoas vivem. Um plano executado sempre, frisa Izidine Hassane, com o apoio do governo local e dos serviços de saúde locais. A ideia é dar a cana e ensinar a pescar, ou seja, ajudar a fazer a mudança mas assegurar que esta é mantida e sustentável quando a Sightsavers partir para outro lugar. E já esteve em muitos.

Só em 2016, a associação fez seis milhões e 600 mil cirurgias a cataratas, 154 milhões de tratamentos, 12 milhões de exames oculares e garantiu um par de óculos para 300 mil pessoas. Os números ao longo de mais de seis décadas são ainda mais notáveis: foram realizadas mais de oito milhões de cirurgias para recuperar a visão e 576 milhões de tratamentos para doenças que podiam resultar em cegueira. Sobre o prémio de um milhão de euros que a Sightsavers vai dividir com outra organização, Izidine Hassane garante: “Será gasto, euro por euro, em benefício da saúde ocular de quem precisa.”

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Babar Qureshi e Massimo Maggio, da CBM, e Julia Strong , Bill Kendal e Izidine Hassane, da Sightsavers Nuno Ferreira Santos

Babar Qureshi é o director internacional da CBM para as doenças tropicais negligenciadas. A organização com mais de 100 anos, fundada na Alemanha, também actua sobretudo em países em desenvolvimento abordando vários tipos de incapacidade com destaque para os problemas de visão. Em 2016, com mais de 300 parceiros, chegaram a mais de 28 milhões de pessoas em 59 países com projectos que estão sobretudo direccionados para a inclusão das pessoas com problemas de visão e outros grupos marginalizados. “Tentamos tornar os cuidados de saúde ocular acessíveis às pessoas mais marginalizados no mundo. Vamos até aos países mais pobres, procuramos aí as regiões mais pobres e, nelas, as comunidades mais pobres”, resume o médico que actualmente trabalha no Reino Unido. “Olhamos para os olhos das pessoas e para a comunidade onde a pessoa vive. Se aquela pessoa está cega ou incapacitada de forma irreversível, reabilitamos esta pessoa na comunidade, através de educação ou outra coisa, o que aquela pessoa precisar. Mostramos, assim, que olhamos para uma perspectiva mais abrangente do que apenas os olhos”, conta. Assim, quando não é possível ajudar a ver, ajudam a viver melhor.

Também a CBM trabalha com os governos locais para garantir que os projectos são sustentáveis. “Capacitamos as pessoas para que não seja uma acção em que estamos a entregar um serviço mas que sejam as pessoas daquele país a ser fortes o suficiente para o executar.” Tal como a Sightsavers, a CBM garante que vai usar a verba do prémio para continuar o trabalho que fazem e “fortalecer a estratégia desenvolvida para os próximos anos”.

Izidine Hassane e Babar Qureshi representam duas organizações com histórias semelhantes mas também têm, cada um, a sua história. “Imagine o que é ver uma pessoa cega entrar num hospital, amparada por um familiar. É uma pessoa que deixou de ser útil, de conseguir ajudar no sustento da família… E passados alguns dias ver essa pessoa a dançar aos saltos no hospital e, agora, sem precisar de ninguém a apoiar. Como é que vê isto? Imagine criar condições para isto acontecer. Criar condições para um médico ter o conhecimento e meios para aquela pessoa chegar até ao hospital… Ou saber que há uma mãe que vai ver o filho pela primeira vez, um avô que vai ver os netos ou bisnetos pela primeira vez”, conta o gestor para explicar o que o levou até à Sightsavers. “É a possibilidade de garantir uma vida melhor ao próximo, de forma igualitária, que me motiva. Todos os dias.”

Já Babar Qureshi lembra um passado distante de uma visita a várias aldeias na Nigéria quando ainda era um médico a fazer o internato. “Era um projecto sobre a cegueira dos rios [doença parasitária transmitida por uma mosca]. Visitámos aldeias atrás de aldeias durante seis semanas. E todas estavam cheias de pessoas cegas. Nunca vi tanta gente cega na minha vida. Foi aí que percebi que queria ser oftalmologista para o resto da vida”, diz. Com a decisão tomada, foi só uma questão de procurar uma organização que preenchesse o desejo de trabalhar para quem mais precisa. Está na CBM há 21 anos.

Em duas organizações diferentes, Izidine Hassane e Babar Qureshi têm pelo menos uma coisa em comum: cuidam da visão de milhares de pessoas e mudam as suas vidas. 

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