Atacar, recuar ou ficar parado: todos os caminhos que vão dar à Coreia do Norte são perigosos

Trump quer reforçar as sanções e envia mensagem aos chineses: se continuarem a negociar com a Coreia do Norte, deixam de negociar com os Estados Unidos. Bomba norte-coreana é dez vezes mais potente do que as de Hiroxima e Nagasáqui.

Foto
A Coreia do Norte divulgou fotos de Kim Jong-un com o que seria a bomba testada este domingo KCNA/REUTERS

Os relógios marcavam meio-dia na Coreia do Norte quando a agência de protecção civil da Coreia do Sul começou a receber chamadas telefónicas com relatos de prédios a abanar. Naquele momento ninguém sabia o que estava a acontecer, mas o mistério foi desfeito horas mais tarde: pela primeira vez na História, cidadãos sul-coreanos tinham sentido um abalo sísmico provocado por um ensaio nuclear na vizinha Coreia do Norte, e a milhares de quilómetros de distância, em Washington, a Casa Branca ficou a apanhar os cacos da maior e mais perigosa detonação da sua autoridade nas últimas décadas.

O sexto ensaio nuclear da Coreia do Norte desde 2006, realizado este domingo, não chegou sem aviso – contrariando as caras de espanto que se adivinham nas declarações públicas de vários líderes mundiais, foram muitas as indicações de que Kim Jong-un estava prestes a assinar a ordem para mais uma violação das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Na passada quarta-feira, o site norte-americano 38 North, especializado na análise da política norte-coreana, publicou um comentário sobre "a iminência" de mais um teste nuclear. A partir de imagens de satélite, os especialistas disseram que a zona de testes de Punggye-ri está "em modo de standby", pelo que não podiam "excluir a possibilidade de se realizar um sexto ensaio nuclear a qualquer momento, com pouco aviso prévio".

PÚBLICO -
Aumentar
PÚBLICO

O comentário do site 38 North era uma resposta às notícias que circularam na Coreia do Sul no início da semana passada, segundo as quais os serviços secretos sul-coreanos já tinham transmitido ao Governo que a Coreia do Norte estava a preparar-se para realizar mais um ensaio nuclear subterrâneo. Numa dessas notícias dizia-se que esse teste deveria ter lugar no próximo sábado, 9 de Setembro: o dia do 69.º aniversário da fundação da Coreia do Norte e precisamente um ano depois do quinto ensaio nuclear norte-coreano.

Mas ninguém esperava que um novo teste nuclear fosse tão potente que abalasse edifícios do outro lado da fronteira. Através da avaliação da magnitude do abalo sísmico (6,3 na escala de Richter) foi possível calcular que a detonação da bomba norte-coreana nos túneis subterrâneos foi dez vezes mais potente do que as bombas que os EUA largaram sobre Hiroxima e Nagasáqui na II Guerra Mundial. A maioria dos observadores duvida que a Coreia do Norte tenha construído uma versão tão pequena desta bomba que caiba num míssil balístico intercontinental, mas Vipin Narang, especialista em proliferação nuclear no Instituto de Tecnologia do Massachusetts, diz que se trata de uma bomba "destruidora de cidades", e deixa o aviso: "Agora, mesmo com uma tecnologia de mísseis balísticos intercontinentais relativamente imprecisa, conseguem destruir a maior parte de uma cidade."

Um novo mundo?

Foi este novo obstáculo ultrapassado pela Coreia do Norte no seu caminho para ser uma potência nuclear que, de um dia para o outro, atirou o resto do mundo para uma gigantesca sala de reuniões onde ninguém se entende sobre o melhor caminho a seguir a partir de agora, e num ambiente onde os interesses nacionais são tantos e tão diversos como as bandeiras representadas no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O Presidente dos EUA, Donald Trump, foi mais comedido do que o habitual em termos formais (deixou de fora expressões como "fogo e fúria"), mas foi mais longe do que qualquer dos seus antecessores ao passar um supreendente raspanete à Coreia do Sul, logo no dia em que os sul-coreanos se sentem mais vulneráveis em relação à capacidade nuclear do Norte. Para Trump, o Presidente Moon Jae-in tem confiado demais na ideia de um regresso às negociações com a Coreia do Norte, e avisou-o de que Kim Jong-un não vai lá só com conversa.

Trump reservou palavras menos duras para a China, mas ainda assim voltou a pôr toda a responsabilidade de uma solução às costas de Pequim: a Coreia do Norte "transformou-se numa grande ameaça e num embaraço para a China, que está a tentar ajudar, embora com pouco sucesso". Mas, um pouco mais tarde, a Casa Branca elevou o tom das críticas à China, ainda que indirectamente, com o anúncio de que está já a trabalhar no reforço das sanções à Coreia do Norte – e fez saber que qualquer país que continue a fazer negócios com Pyongyang deixará de fazer negócios com Washington. Apesar de ninguém o ter dito directamente, a mensagem era para a China, cujas transacções económicas têm mantido o Governo norte-coreano à superfície.

Tanto em Washington como em Seul, Tóquio ou Pequim, os líderes políticos e militares ficaram ainda mais divididos do que já estavam quanto aos próximos passos a dar – há quem defenda uma maior abertura com vista ao regresso à mesa de negociações sobre o programa nuclear norte-coreano; há quem defenda o reforço das sanções e da sua verificação, o que passa muito pela vontade da China e da Rússia, mas também pela perseguição às organizações criminosas que se aproveitam dessas sanções para venderem produtos à Coreia do Norte a preços mais elevados; e há quem queira acelerar a fundo na resposta militar.

Mas o mundo em que cada uma dessas opções poderia dar resultados pode ter acabado este domingo, com a demonstração de que a Coreia do Norte tem capacidade para arrasar uma cidade moderna. A partir de agora, qualquer decisão terá de ser tomada tendo em conta essa nova realidade, e ninguém mais do que os sul-coreanos e os japoneses estarão a pensar nisso.

Sem boas soluções

Se os EUA decidirem lançar um ataque, a Coreia do Norte poderá atacar Seul, matando centenas de milhares de pessoas, incluindo milhares de militares norte-americanos; e, se isso acontecer, a Coreia do Sul e o Japão podem deixar de fazer concessões militares em troca do apoio norte-americano – o risco de que Seul e Tóquio queiram ter bombas nucleares é enorme. Por outro lado, não fazer nada também não é uma opção para o Presidente Donald Trump, que já disse várias vezes que não será com ele na Casa Branca que a Coreia do Norte vai passar a ser uma potência nuclear capaz de atingir o território continental dos EUA. Mas esse é o caminho que Pyongyang está a seguir com o seu programa nuclear, iniciado com a finalidade de dissuadir um possível ataque norte-americano.

A insistência no papel da China também pode estar a ser inflacionada. Segundo vários analistas, a influência chinesa sobre a Coreia do Norte tem os seus limites, e o principal interesse nacional chinês é que o regime norte-coreano não se desintegre (numa guerra ou numa revolução interna), para que as suas fronteiras não se transformem no destino de milhões de norte-coreanos e num gigantesco mercado negro onde se compre e venda o material nuclear que ficar para trás. Na última década não faltaram sanções à Coreia do Norte e – apesar de todas as falhas na sua verificação – a verdade é que o programa nuclear registou enormes progressos desde que Kim Jong-un chegou ao poder, nos últimos dias de 2011.

Para Nicholas Eberstadt, do centro conservador American Enterprise Institute, a insistência nesse caminho deve-se a um desconhecimento da mentalidade norte-coreana, tanto no Ocidente como nos países aliados na Ásia. O caminho, diz Eberstadt, deve passar por uma mistura de todas as soluções propostas até agora, tendo como ponto de chegada uma mudança lenta na sociedade norte-coreana, talvez de décadas, e como ponto de partida uma tomada de consciência dura, mas tão sólida como uma rocha: "A verdadeira liderança norte-coreana (e não a versão imaginária com a qual alguns ocidentais gostariam de negociar) não irá nunca abrir mão da opção nuclear de forma voluntária", disse o especialista num depoimento perante o Senado norte-americano no início do ano.

"Concordar com a desnuclearização seria o mesmo que abandonar a sagrada missão da unificação coreana: o que é o mesmo que rejeitar a própria razão de ser da República Popular Democrática da Coreia. Por isso, uma submissão a exigências estrangeiras para uma desnuclearização poderia muito bem significar mais do que uma humilhação para a liderança da Coreia do Norte: poderia também significar a deslegitimação e a desestabilização do regime", conclui Eberstadt.

Sugerir correcção
Ler 114 comentários