A propósito do encerramento do Museu da Vida de Cristo, em Fátima

Alguém já pensou em pesquisar os sucessivos e muito bem financiados projectos que o Turismo de Portugal, ou os seus antecessores, promoveu e vai promovendo por esse País fora, tendo como móbil a Cultura, em especial o Património Cultural e os Museus?

Nem por ser mais esperada, deixa de ser menos significativa a notícia do fecho definitivo do chamado Museu da Vida de Cristo, em Fátima. A sociedade por quotas que o suportava, sugestivamente intitulada “Vida de Cristo, Parques temáticos Lda.”, foi declarada insolvente em Tribunal, de nada lhe valendo a afirmação de possuir em 2015 um activo de 7,5 milhões de euros (importaria saber se real e constituído a expensas de quem), sendo o passivo actual de “apenas” 6,2 milhões euros. Os credores, com a CGD à cabeça, não aceitaram envolver-se num eventual Plano Especial de Regularização, que se converteria em refinanciamento.

Instalado num edifício moderno com mais de 4000 m2 de área e pensado para captar cerca de 200 mil visitantes por ano (mas não tendo em 2016 sequer atingido os 40 mil), o dito “museu” foi activamente promovido pelas entidades oficiais do Turismo (mais do que pela Igreja, deve reconhecer-se, que apenas lhes prestou inicialmente algum apoio técnico), nos seguintes termos: “O Museu Vida de Cristo assume-se como um museu único que se situa nas imediações do Santuário de Fátima. Este museu apresenta ao público 210 figuras em cera, representando 33 cenas diferentes da vida de Cristo, desde a anunciação à ascensão de Jesus. A visita a este museu único afigura-se uma experiência muito enriquecedora.” (do sítio oficial do Turismo do Centro).

Tudo isto dá que pensar. Dá que pensar o (ab)uso do termo “museu” em projectos comerciais, neste caso de figuras de cera, tirando partido de motivações religiosas, como noutros casos de presuntos ou cervejas, tirando partido de motivações gastronómicas. Ora, importa ter presente a definição adoptada pelo Conselho Internacional de Museus e usada em todo o Mundo: “O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento…” Projectos como o indicado não são museus em sentido próprio e apenas fazem uso do termo pelo prestígio que confere – coisa que, em nosso entender e desde que pertencemos ao grupo de trabalho que preparou a actual Lei-Quadro dos Museus Portugueses, deveria ser interditada, fazendo da designação museu uma marca-registada, tal como farmácia ou universidade.

Mas dá que pensar sobretudo o papel, as mais das vezes funesto (quando não pestilento, pelos odores de corrupção), do Turismo na relação com os Museus e a Cultura em geral. E aqui entramos no lado mais sério da questão. Alguém já pensou em pesquisar os sucessivos e muito bem financiados projectos que o Turismo de Portugal, ou os seus antecessores, promoveu e vai promovendo por esse País fora, tendo como móbil a Cultura, em especial o Património Cultural e os Museus? Alguém já reparou como neles é frequente o expediente de supostas iniciativas privadas, frequentemente fundacionais ou “associativas” para fugirem ao controlo publico ou somente a impostos, de que ninguém sabe bem quais os capitais próprios (porque o segredo é a “alma do negócio”…), mas de que todos vamos ouvindo falar ou sabemos atingirem grossas maquias públicas, oriundas seja do OE seja, as mais das vezes, dos fumos de canela com que se polvilham os fundos europeus? E não haverá neste paroquial País de “brandos costumes” quem tenha a coragem de dizer “basta”?

Ainda recentemente o nosso simpático ministro da Cultura dizia que não estava obcecado com o 1% do OE para a Cultura, porque outros departamentos do Estado investiam nela (acrescentamos nós que muito mais do que a Cultura….). Independentemente da infelicidade desta observação, que numa espécie de “esperteza saloia” se limita afinal a repetir o discurso dos seus antecessores, especialmente os da Direita (e é quase ofensiva da inteligência de quem se tem batido em sentido contrário), é caso para perguntar se estará então o senhor ministro pelo menos preocupado em fazer com que as opções do Turismo nestas áreas sejam principalmente ditadas pelas políticas governativas de Cultura e não se limite somente a dançar a música que lhe põem do gira-discos, porque afinal “manda quem paga”.

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