Náufragos da tempestade em Houston

Muitas pessoas ficaram retidas nas cidade inundada, ou foram obrigadas a procurar abrigo fora da sua casa. Aqui ficam algumas histórias.

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Salvamento de uma mulher com o seu caniche Adrees Latif /REUTERS
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Fotografando a cheia numa auto-estrada em Houston MICHAEL WYKE/EPA
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Salvamento a Nordeste da baixa de Houston MICHAEL WYKE/EPA

A chuva e a cheia apanharam-nos no hotel, os aviões não puderam descolar, os carros ficaram perdidos algures debaixo de água. A tempestade Harvey deixou milhares de naufrágos em terra.

Os hóspedes que não podem sair do hotel

Com água pelos joelhos e uma toalha sobre a cabeça para se proteger da chuva, Nichelle Mosby faz uma careta ao contemplar o parque de estacionamento do Marriott Courtyard Hotel, no sudoeste de Houston.

“Íamos embora hoje de manhã – até que aconteceu isto”, diz a meio da manhã de domingo, estendendo a vista pelo parque de estacionamento inundado até ao vizinho Residence Inn, onde a água passa o meio metro de altura.

Mosby e seis outros familiares, incluindo uma menina de quatro anos, vieram do Louisiana para visitar parentes. Quando o furacão Harvey chegou, refugiaram-se no Courtyard, onde estão agora presos com dezenas de outros hóspedes.

“Passámos pelo Katrina, mas este é diferente”, conta. Ao contrário de uma subida gradual da água, desta vez “foi como um jorro de água que chegou depressa demais.”

A maior parte dos carros estacionados do parque têm água pelas janela.

Lá dentro, as famílias amontoam-se à volta da televisão, onde no Weather Channel e nos noticiários as autoridades pedem às pessoas que fiquem em casa. Não longe do hotel, o aumento do caudal do rio Braes Bayou arrasta grandes quantidades de destroços. O nível do rio subiu entre três e seis metros, alagando as pontes a jusante, bem como todas as estradas.

Os hóspedes do hotel não tiveram hipótese de fugir. No parque de estacionamento a água chegou rapidamente a um metro de altura, e na estrada subiu ainda mais, deixando ao abandono muitos carros, completamente alagados.

No átrio, John McMillian, de 60 anos, toma o pequeno-almoço com a mulher Debbie, de 64, e a filha Tara, de 29. Vieram à cidade para que John fizesse cinco dias de tratamento à leucemia no hospital MD Anderson Cancer Center. Domingo seria o quarto dia de tratamento, mas agora estão presos no hotel.

“Em último caso, podemos sempre ir a pé para ao hospital”, diz. “Eu não o vou deixar fazer isso, não se preocupem”, responde a esposa.

Os McMillian dizem estar preparados para uma longa estadia no hotel, pois John precisa dos dois dias restantes de tratamento. E, tendo visto os avisos de tempestade, Tara incluiu na bagagem uma grande quantidade de água e comida.

“Sabíamos que isto era uma possibilidade”, refere Debbie McMillian. “Já passámos por muitos furacões, mas nunca tínhamos ficado presos desta maneira.”

O seu Acura, novo em folha, jaz submerso no parque de estacionamento. “Ainda nem paguei a primeira prestação.”

Anual Wisdom e a sua mulher Sandra, de Oklahoma, tomam o pequeno-almoço numa mesa mais afastada. O seu filho de 39 anos foi operado na quarta-feira a um cancro no cérebro no MD Anderson.

Chegados a 20 de Agosto, deixaram a sua  caravana num parque a cerca de 20 km de distância, mas não a voltaram a ver desde então. Passaram as primeiras noites no hospital com o filho e, quando o Harvey trouxe a chuva copiosa, não conseguiram voltar para a caravana.

Estava previsto que no sábado o filho saísse do hospital, mas os médicos deram ordens para que ficasse até a tempestade passar. É impossível sair do hotel. “Preparámos o quarto”, diz Sandra. “Trouxemos comida e água a mais e agora viemos cá abaixo abastecer-nos de snacks. E enchemos a banheira para podermos usar o autoclismo.”

Contam já terem sobrevivido no passado a muitos tornados no Oklahoma. “Mas isto é uma loucura”, lamenta-se Sandra. “Já é mau que chegue ter de vir cá para o nosso filho ser operado ao cérebro, mas levar ainda com um furacão é um bocado demais.”

Kevin Sullivan

 

Casamento arruinado

Desde quinta-feira que Sarah e Eric Fisher preparavam o casamento do seu irmão mais velho. Estava marcado para sábado no The Farmhouse, junto ao Lago Conroe e a uma hora de viagem de Houston.

Ia ser um fim-de-semana de arromba. Tinham alugado uma casa no lago, o que explica o unicórnio insuflável no carro de Sarah. Mas quando começaram a surgir as notícias da chegada do Harvey à região metropolitana de Houston, os convidados apressaram-se a cancelar a presença.

Os fornecedores fizeram o mesmo. A noiva ficou destroçada e o casamento foi adiado.

Por isso, Sarah, acompanhada pelo marido e pelos pais, Laura e Tim Schuur, voltou para a casa dos pais, em Spring. Quando chegaram, já só tiveram tempo de levar a mobília para o andar de cima. A chuva começou a cair, e às oito da manhã a casa começou a ficar inundada. 

Depois de no ano passado uma tempestade lhes ter inundado a casa, a família sabia que tinha de fugir.

Jack, um caniche, e Daisy, um buldogue, foram os primeiros a descer por um tubo insuflável que tinha como primeiro destino ser atrelado a um barco no Lago Conroe.

Laura colocou uma bóia à cintura. E o unicórnio insuflável, que Sarah usara na festa de noivado da sua melhor amiga, umas semanas antes, serviu para salvar os pertences da família. Caminharam por 3km,  com água entre a cintura e o peito, antes de serem salvos por familiares.

“Na última inundação a água chegou aos 20 cm”, diz Sarah. “Acho que desta vez vamos ter o dobro.”No momento destas palavras, a água já passou a caixa do correio e o camião azul estacionado à frente da casa está quase submerso.

Mas Sarah e a família estão 25 kma noroeste, em casa do avô. Aí, os cães dormem, a família está em segurança e um certo unicórnio insuflável é finalmente esvaziado no alpendre traseiro.

Stephanie Kuzydym

 

Os ingleses que ficaram em terra

Sob um guarda-chuva verde-escuro, Richard Whelan aperta junto ao peito a filha de um mês, Marnie. A sua mulher, Amy Whelan, limpa as gotas de águas dos óculos, um gesto que terá de repetir em breve.

Nos cinco anos que levam a viver em Houston, os Whelan já viram a cidade inundar-se  três vezes, mas nunca assim, nunca tão gravemente.

Vivem num complexo de apartamentos num quarteirão contíguo ao rio Buffalo Bayou e caminham na estrada paralela ao rio, para verem os estragos que a água causou em casas, garagens e na KHOU, a emissora local.

Amy guarda o telemóvel na gabardina preta depois de tirar fotografias para mostrar à família, em Inglaterra. Richard é oriundo de Londres e Amy de Manchester.

Estava tudo preparado para que, no sábado, Marnie fizesse com a mãe a sua primeira travessia transatlântica. Quando viram as previsões meteorológicas, os Whelan tentaram alterar o voo, mas todos os voos que deviam sair do George Bush intercontinental Airport foram cancelados.

“Devíamos estar num avião hoje à noite, mas não há qualquer hipótese”, diz Amy.

Olha para o marido com um sorriso. Ele é o Sr. Segurança. Tem estado atento às notícias e pergunta-se porque estará tanta gente a tentar conduzir com este nível de água.

“Vai ali um tipo a fazer kayak, e reconheço que até tem a sua piada, mas só consigo dizer ‘que raio estás a fazer?’”, conta Richard.

Está a pé desde as sete da manhã, socorrendo os vizinhos do lado. Ajudou a empurrar um carro azul por uma rampa acima para o tirar de uma garagem subterrânea, onde a água galgou as protecções contra inundações.

Stephanie Kuzydym

Exclusivo PÚBLICO/Washington Post

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