José Eduardo dos Santos deixa João Lourenço com a maioria mais curta de sempre

Resultados provisórios confirmam perda da hegemonia do partido de José Eduardo dos Santos, que cede o cargo de Presidente ao fim de 38 anos no poder. MPLA vai ter de promover reformas.

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João Lourenço sucede a José Eduardo dos Santos na presidência de Angola LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Com 98% dos boletins das eleições gerais angolanas já escrutinados, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) liderava a contagem dos votos, com uma parcela de 61% que lhe garantia uma nova maioria qualificada na Assembleia Nacional. Se os números não sofrerem alterações, o único partido que formou Governo em Angola contará com uma bancada de 150 deputados, mais três do que os 147 necessários para ultrapassar o bloqueio da oposição no Parlamento com 220 deputados.

A confirmar, será a maioria mais curta de sempre para o MPLA, que nos últimos três ciclos eleitorais perdeu cerca de dez pontos em cada sufrágio — caiu dos 81% obtidos em 2008 para os 71% em 2012 e os 61% de agora.

Pela primeira vez, o partido do Presidente José Eduardo dos Santos, que vai abandonar o cargo depois de 38 anos no poder, viu a sua hegemonia comprometida em Luanda, a capital e maior círculo eleitoral do país: com apenas 48%, o MPLA foi ultrapassado pelos dois maiores partidos de oposição, que juntos conquistaram 50%.

O cabeça-de-lista do MPLA, João Lourenço, será o próximo Presidente da República — trata-se de uma eleição indirecta, com o cargo a ser ocupado pelo líder do partido com mais votos. O antigo general e actual ministro da defesa, escolhido por José Eduardo dos Santos para assegurar a transição do poder, ainda não fez qualquer comentário sobre o desfecho eleitoral.

Para o director do programa africano da londrina Chatham House, Alex Vines, trata-se de “um bom resultado para o MPLA”, mesmo se não foi a “grande maioria” que o partido anunciou quando se antecipou à CNE e anunciou a sua vitória nas eleições. “O partido sabe que tem sérias reformas a fazer no futuro imediato”, notou aquele especialista na política angolana, que antecipa dificuldades do novo Governo para combater a corrupção e conter a crise económica, que resulta da redução para metade do valor de mercado do crude nos últimos três anos.

Durante a campanha, João Lourenço falou em medidas para diversificar a economia angolana (dependente das receitas do petróleo para financiar as importações de bens de consumo).

Não afastou a possibilidade de recorrer ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional para reestruturar as contas do país e torná-lo um destino mais atractivo para o investimento estrangeiro.

Oposição demarca-se da CNE

Segundo os resultados provisórios avançados ontem pela Comissão nacional Eleitoral, a União para a Independência Total de Angola (UNITA) consolidou a sua posição como o maior partido da oposição, tendo obtido 26% dos votos (perto de 1,8 milhões de eleitores), que lhe permitirão aumentar em mais 19 eleitos a sua representação parlamentar — presumivelmente para os 51 deputados.

Formada apenas em 2012, a Convergência Ampla de Salvação de Angola — Coligação Eleitoral (CASA-CE) também aumenta a sua bancada na Assembleia Nacional: o movimento formado pelo antigo dirigente da UNITA Abel Chivukuvuku e que aglutina vários partidos, duplicou a sua votação face às últimas eleições, alcançando 9,5% dos votos e elegendo 16 deputados.

No entanto, tanto a UNITA como a CASA-CE puseram em causa os valores provisórios avançados pela autoridade eleitoral, dizendo que os dados da sua contagem paralela e as informações recolhidas pelos seus delegados nas assembleias de voto mostram números muito diferentes dos oficiais.

Por exemplo, segundo a UNITA, o partido do Governo não ficou à frente em Luanda. “O MPLA não ganhou em Luanda e nós vamos prová-lo, com actas e não com um discurso de uma folha e muita água”, disse  o porta-voz da UNITA, Estevão José Pedro Katchiungo, aos jornalistas que acompanhavam o anúncio na sede da CNE. Mas “há muito tempo para verificar tudo; vamos manter a calma”, acrescentou.

Os comissários nacionais dos dois partidos demarcaram-se da CNE, dizendo que “não se revêem” na forma como foram coligidos e comunicados os resultados provisórios. “Não posso assumir nem posso subscrever um documento cuja origem eu desconheço”, explicou o representante da UNITA, Isaías Chitombe.

Apelos à calma

O secretário do gabinete político do MPLA, João Martins, repetiu os apelos à calma, aconselhando os porta-vozes da oposição a guardar as suas reclamações para depois do anúncio dos resultados definitivos, que serão oficialmente publicados a 6 de Setembro. “Se tiverem queixas a fazer, deverão usar os canais oficiais previstos para o efeito e fazê-lo em sede de contencioso eleitoral e não na praça pública, como parece ser a sua estratégia”, criticou.

Um comportamento que, interpretou, pretende “antecipar uma situação de perturbação, pouco condicente até com a lisura e a transparência do processo conforme atestado pelos cidadãos e os observadores internacionais”.

Os dados provisórios da Comissão Nacional Eleitoral apontam para uma taxa de abstenção de 23%, com 2.134.057 eleitores a ficar em casa num universo de 9.317.294 inscritos. 

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