Central de Cervejas: “Nova estratégia é reflexo da importância de Angola”

Desde o início deste ano, a cerveja Sagres é produzida localmente em Angola, sob licença da Sociedade Central de Cervejas (SCC). Em Moçambique, planos deverão aguardar o investimento da accionista Heineken

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François-Xavier Mahot é o presidente executivo da Sociedade Central de Cervejas desde Julho de 2015 Mário Lopes Pereira

Em entrevista concedida antes de Angola ir às urnas, Francois-Xavier Mahot garantiu não recear consequências de alterações políticas naquele mercado, onde a SCC, da qual é presidente executivo, passou a ter como parceira a Sodiba, controlada por Isabel dos Santos, filha do actual presidente José Eduardo dos Santos. Em vez de exportar Sagres para aquele que foi o seu maior mercado fora de Portugal, a Central de Cervejas recebe agora direitos de licenciamento de produção local sobre a marca.

No potencial português de que falou, inclui exportações?
Sim, em certos casos. Quando se fala de Angola, vê-se que a exportação não é sempre a solução. Às vezes, ter um parceiro local para a produção é a solução e esse é o caso de Angola. Com o nosso parceiro [Sodiba, de Isabel dos Santos] temos bastante potencial de negócio e continuamos a exportar. Em vez de exportarmos produto final, exportamos os ingredientes - que não é bem a mesma coisa, mas há um negócio por detrás. Contudo, mais importante, tornámos a marca Sagres disponível para um mais vasto número de consumidores, em Angola, ao sermos capazes de produzir no país. E obtemos algum negócio das royalties das marcas.

Receia algum impacto das mudanças políticas que podem ocorrer na sequência das eleições em Angola?
Penso que não. Eu cresci em África e aprendi que quando se faz negócio em África, é preciso olhar para o longo prazo, e não se perturbar com o que acontece no curto prazo. Mas estou optimista para este ano. Quando olho para o desempenho do negócio em Angola, versus os nossos planos para este ano, eles estão alinhados. Foi um desafio e tanto porque começámos com uma nova fábrica de cerveja [em 2017], uma nova operação – temos que garantir que tudo está a funcionar, do nada.

Este ano, quanto é que Angola vai representar nas vossas vendas totais?
A dificuldade [em comparar] é que não está nas vendas, está nos lucros. E isso é muito diferente. Agora estamos a exportar cevada, por exemplo, como ingrediente para a cerveja, e estamos a obter receitas dos royalties da cerveja vendida em Angola. E isso não vai para vendas em termos de volume, vai para royalties.

Uma vez que não divulgam receitas, lucros ou EBITDA – o que representará Angola em termos de actividade para a SCC este ano? E quanto pesou nos tempos bons [das exportações]?
De outra forma: a decisão de mudar a produção para Angola foi a certa, financeiramente. Porque estamos a recuperar. Face ao ano passado, este ano em Angola será melhor para nós, de uma forma diferente, não exportando.

Decidiram ficar em Angola porque é tão importante em termos de vendas, é isso?
Sim. Isso é claro, porque há uma relação entre os dois países. Os consumidores em Angola gostam das marcas portuguesas, para além da cerveja. Mas, nas cervejas, a marca Sagres é muito apreciada pelos angolanos. Estamos a tratar o mercado angolano como um mercado claramente estratégico para nós. Não foi um mercado que abandonámos – pelo contrário. A nova estratégia route to market, de produção local, é o reflexo da importância de Angola para o nosso negócio. Mas de exportação para produção local.

E, também, um reflexo do aumento de impostos em Angola, não?
Sim.

A Heineken nunca olhou para Angola como um mercado onde operar directamente?
Não sei.

Mas está na região?
Tem várias operações: Congo, RDC, África do Sul, Moçambique – vários países. Mas em Angola não temos nenhuma operação directa.

E para o mercado de Moçambique, têm alguns planos?
Nesta altura é muito cedo para dizer. Não é que não queira revelar, mas ainda não temos perfeitamente claro …

No próximo ano?
No próximo ano será mais claro, sim.

Mas não é claro porque a estratégia não está alinhada?
O potencial tem que ser confirmado, mas Moçambique tem uma relação – enquanto PALOP – com Portugal. É um mercado para o qual exportamos, mas as quantidades são muito diferentes de Angola. O potencial de negócio ainda tem que ser avaliado. Paralelamente, a Heineken está a pensar em investir em Moçambique. E ainda temos que ver formas de criar sinergias. É muito cedo para dizer.

Mas a Heineken está a investir numa fábrica local?
Não estou bem certo, mas penso que ainda estão a estudar [o investimento na unidade local]. Se a Heineken decidir em apostar na produção local, o que acho que vai acontecer, se estiverem disponíveis para produzir Sagres, acho que é natural – é uma forma de obter sinergias.  

Não exportam só para Angola. Que mercados tiveram melhor desempenho?
A nossa maior surpresa foi a China.

O que estão a exportar para a China?
Sobretudo Sagres [mais de quatro milhões de litros de cerveja], para a China. Penso que em geral há uma oportunidade de negócio para Portugal na China, para além da cerveja, para além de Macau. E a China é o principal mercado mundial de cerveja. Se vir alguns dados de exportações de alguns dos nossos concorrentes, estão também a crescer.

Em termos gerais, quanto valem hoje as exportações nos números totais de receitas da SCC, em percentagem?
A exportação é importante para o nosso negócio [em 2016, as exportações representaram cerca de 12% do volume global de cerveja da SCC]. Paralelamente, o que aprendemos - o que eu, pessoalmente, aprendi na Heineken -, é que se deve, primeiro, garantir que o mercado doméstico é forte. Não se pode construir o sucesso de um negócio, para o futuro, somente baseado em mercados de exportação. A exportação é um negócio complementar muito bom, mas nunca deve ser a primeira prioridade. A primeira prioridade deve ser o mercado doméstico - fazer que as nossas marcas tenham sucesso em Portugal, dando-lhes legitimidade então para serem exportadas. 

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