MPLA adiantou-se e anunciou a eleição de João Lourenço antes do fim da contagem

Partido do Governo está no limiar da maioria qualificada. Oposição reage ao anúncio do escrutínio provisório e diz que os resultados são falsos.

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João Lourenço, o cabeça de lista do MPLA Lusa

A Comissão Nacional Eleitoral de Angola ainda não tinha feito a divulgação dos resultados provisórios das eleições gerais, e a contagem dos boletins ainda ia a meio, quando o MPLA veio dizer, com base nas informações recolhidas pelos seus delegados nas assembleias de voto de todo o país, que a vantagem que já levava sobre os restantes partidos era tão grande que a sua vitória era “inescapável”.

Adiantando-se ao anúncio das autoridades eleitorais, e até à ida às urnas dos eleitores das províncias de Benguela, Lunda Norte e Moxico, que por causa do mau tempo só votam no sábado, o partido anunciou a transição do poder para as mãos de João Lourenço, que chefiará o Governo contando com uma nova maioria qualificada do MPLA no parlamento de Luanda.

“Temos vindo a fazer a compilação dos dados que os nossos delegados nos têm remetido de todo o país, e numa altura em que temos escrutinado acima de cinco milhões de eleitores, o MPLA pode garantir que tem a maioria qualificada assegurada. E pode com tranquilidade assegurar que o futuro Presidente da República será o camarada João Manuel Gonçalves Lourenço e o futuro vice-presidente será o camarada Bornito de Sousa Baltazar Diogo”, avançou o secretário do gabinete político do partido, João Martins, ao final da manhã desta quinta-feira.

Mas quando a Comissão Eleitoral apresentou a primeira contagem, de 5.938.853 boletins, o MPLA teve de rever as suas contas: com um terço das assembleias de voto ainda por reportar, o partido estava no limiar da maioria qualificada, mas com 64,5% dos votos expressos ainda não tinha garantido o objectivo de conquistar dois terços dos 220 lugares de deputados na Assembleia Nacional.

“Os militantes tudo fizeram para chegarmos à maioria qualificada. Vamos esperar que o resultado definitivo seja assim”, disse o responsável do comité central para as relações internacionais do MPLA, Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”, citado pela agência Lusa.

De acordo com os resultados provisórios avançados pela Comissão Nacional Eleitoral, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) chegava aos 24%, com pouco mais de um milhão de votos, e a Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE) andava nos 8,5%, um resultado bastante aquém das suas expectativas. A taxa de abstenção, que também ainda é provisória, estava nos 23%, equivalente a 1.375.884 eleitores, de um total de 9.317.294 eleitores inscritos.

Insatisfeitos, os mandatários dos dois maiores movimentos da oposição contestaram os números da CNE. Para o porta-voz da UNITA, José Pedro Cachiungo, os resultados são “falsos”. Tal como o MPLA, o partido do galo negro fez a sua própria compilação dos dados vertidos nas actas das assembleias de voto: “Os resultados que nos estão a chegar das mesas contradizem completamente essa contagem”, afirmou o vice-presidente da UNITA, Raúl Danda.

Mais cautelosa, Cesinanda Xavier, a representante da CASA-CE, disse que “possivelmente os dados foram forjados”. A coligação “não está de acordo com estes resultados”, reagiu.

O presidente da CASA-CE, Abel Chivukuvuku, informou que os líderes dos partidos que integram a coligação vão analisar os cenários pós-eleitorais durante o fim-de-semana e “estudar as probabilidades” de poder integrar o futuro Governo, numa coligação que admitia poder formar com a UNITA (“uma geringonça à angolana”) ou mesmo com o MPLA. “Nós já anunciámos no passado que a CASA-CE tem probabilidade de ser Governo. Se não for Governo, no mínimo vai ser parte do Governo”, afirmou na quarta-feira, dia da votação.

As diferentes projecções oficiais e oficiosas dos resultados da votação acabaram por levantar dúvidas sobre a lisura do escrutínio e, de certa forma, manchar a transparência do processo democrático que, segundo as autoridades eleitorais e os observadores internacionais, decorreu com normalidade, apesar de “pequenas falhas” como atrasos na abertura das assembleias de voto, afastamento de delegados dos partidos e incidentes isolados de violência.

Como referiu a eurodeputada socialista, Ana Gomes, que viajou para Angola como observadora eleitoral, “é na fase da contagem que muitos truques se fazem”. “Nunca tive a mais pequena dúvida de que o MPLA arranjaria maneira de ganhar”, acrescentou.

As sondagens sobre as intenções de voto já previam a vitória do MPLA, e a eleição de João Lourenço – símbolo de mudança gradual do regime – era dada como certa pelos especialistas e comentadores políticos. Mas para o futuro político do país, e para a margem de manobra do futuro Presidente, não é indiferente a percentagem de votos no único partido que esteve no poder em Angola – e cuja popularidade e peso eleitoral tem vindo a diminuir a cada votação.

Como comentou à Lusa a coordenadora do mestrado em Estudos Africanos do ISCTE, Ana Lúcia Sá, ninguém esperava uma surpresa no resultado das eleições gerais que pusesse em causa a primazia do MPLA. No entanto, o facto de o partido do Governo ter projectado uma maioria de 68% poucas horas depois do fim da votação alimentou as suspeitas de fraude. “O MPLA apresentou números que não se sabe de onde vêm”, notou.

Quanto à mudança na continuidade representada pela eleição de João Lourenço, a investigadora considera que o futuro Presidente tem a acção muito condicionada pelas leis aprovadas por José Eduardo dos Santos nos últimos meses. Além disso, o Presidente que agora deixa o cargo, depois de 38 anos, mantém-se à frente do partido. “E o MPLA vai sobrepor-se à estrutura de Estado”, estima.

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