Tribunal de Díli condena casal português a oito anos de prisão por peculato

Tiago e Fong Fong Guerra considerados culpados de terem defraudado o Estado de Timor-Leste.

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NUNO VEIGA

Um colectivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli condenou nesta quinta-feira o casal de portugueses Tiago e Fong Fong Guerra a oito anos de prisão efectiva e uma indemnização de 859 mil dólares por peculato.

Depois de vários atrasos e adiamentos, a juíza Jacinta Costa, que preside ao colectivo de juízes que julgou o caso, leu o acórdão durante uma audiência que decorreu nesta quinta-feira, com duas interrupções, na sala principal do tribunal de primeira instância em Díli.

O tribunal declarou os dois arguidos co-autores do crime de peculato e absolveu-os pelos crimes de branqueamento de capitais e falsificação documental de que estavam igualmente acusados.

O Ministério Público pediu a prisão preventiva do casal - enquanto esperam recurso ao Tribunal de Recursos -, um agravamento da actual medida de coacção a que se opõe a defesa dos arguidos que estão há quase três anos com Termo de Identidade e Residência (TIR) , passaporte confiscado e proibição de saída do país. Porém, o tribunal recusou este pedido e o casal vai aguardar a decisão em liberdade.  

"Prejudicaram as finanças do Estado"

"Os arguidos prejudicaram as finanças e a economia do Estado e defraudaram o Estado de Timor. Actuaram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei e que eram criminalmente puníveis", disse a juíza que esteve durante mais de quatro horas a ler o acórdão da acusação.

Num texto em que deram como provados praticamente todos os factos apresentados pelo Ministério Público, os juízes repetiram em muitos casos palavras textuais da acusação num acórdão escrito em português.

Tiago e Fong Fong Guerra foram detidos no Aeroporto de Díli a 18 de Outubro de 2014. Tiago esteve em prisão preventiva até 16 de Junho de 2015. A partir daqui, o casal ficou com TIR, com obrigação de se apresentar às autoridades semanalmente, e impedido de sair do país. A leitura da sentença tinha sido adiada por quatro vezes.

O casal foi acusado já este ano pelo Ministério Público (MP) timorense dos crimes de peculato e branqueamento de capitais, relacionados com uma transferência de 859.706 dólares (cerca de 792 mil euros), feita em 2011 a pedido de um consultor nigeriano, Bobby Boye, para a conta de uma empresa da sua mulher de Tiago Guerra com sede em Macau. Segundo a defesa, o dinheiro da transferência saiu da Noruega para Macau e daqui para os Estados Unidos

Determinar que Boye era funcionário era essencial para provar o crime de peculato e, assim, poder provar o crime subjacente de branqueamento de capitais.

Offshore para despistar a origem do dinheiro

Os juízes consideraram provado que os dois arguidos abriram empresas em Timor e em Macau de forma concertada com Boye bem como os factos relativos à transferência e alegado conluio entre os arguidos, e que usaram a conta offshore para despistar a origem do dinheiro.

Para o tribunal a criação da sociedade Olive Macau, a escolha de um território offshore e outros aspectos do caso foram deliberadamente orquestrados pelos arguidos para se apropriarem dos fundos que sabiam que não lhe pertenciam.

Entre os argumentos, o tribunal considera que desde que chegaram a Timor o casal abriu muitas contas bancárias em Timor, realizando muitas transferências sem que o seu volume de negócios a tal permitisse.

Considera ainda que o casal abriu sociedades para ocultarem as suas actividades ilícitas de branqueamento de capitais de origem criminosa.

Rui Moura, advogado de defesa, considerou estranho que as alegações - que por norma e de acordo com as regras processuais servem para que o tribunal tenha conhecimento das posições das partes - sejam pedidas quando a decisão já estava preparada e ia ser lida.

Na sua intervenção, o advogado considerou que o Ministério Público não conseguiu fazer prova de que os arguidos são culpados "e que cabe ao MP fazer essa prova e não aos arguidos provar que são inocentes", devendo prevalecer em caso de dúvida o princípio do in dubio pro reu, absolvendo-se o casal.

O consultor nigeriano está actualmente preso nos Estados Unidos por defraudar Timor-Leste em 3,5 milhões de dólares (3,2 milhões de euros). Este consultor trabalhou com o Governo timorense na recuperação de impostos devidos ao país por empresas petrolíferas, primeiro integrado na cooperação norueguesa e depois em colaboração directa com o executivo de Timor.

A defesa nega todas as acusações e assegura que nunca ficou provado em tribunal que o dinheiro da transferência pertencesse ao Governo Timorense.

Tiago Guerra, 46 anos, engenheiro de profissão com um mestrado em Finanças, e a mulher, Fong Fong Guerra, empresária de 39 anos nascida em Macau, têm dois filhos, hoje com 10 e 12 anos, que vivem com os avós — as crianças vieram para Portugal pouco tempo depois de o casal ter sido detido e visitaram os pais em Timor em algumas ocasiões.

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