México: narcotraficantes levam a guerra até Cancun

O turbilhão da violência associada ao tráfico de droga está a espalhar-se por todo o território mexicano, e até mesmo às zonas turísticas, num ano que pode ser o mais mortífero de sempre.

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Riviera Maia: os arcotraficantes estão a infiltrar-se nas mecas dos destinos de férias Adriano Miranda/PÚBLICO/arquivo

Carlos Mimenza não confirma se a sua equipa de 200 homens anda armada. “Deixo à vossa imaginação. Os meus advogados recomendam o silêncio”, diz. Mas têm drones e usam máscaras. Alguns são hackers altamente qualificados, recrutados entre activistas do grupo Anonymous.

A sede de operações é numa cabana de luxo na floresta, a porta de entrada escondida por uma cascata. Garantem ter o governador sob vigilância 24 horas por dia, bem como altos funcionários e polícias. Mimenza, um agente imobiliário, acusa as autoridades mexicanas de serem responsáveis pelo aumento da violência e dos casos extorsão, e de estarem em conluio com os cartéis de droga, em vez de protegerem empresários como ele.

Mimenza não é o primeiro mexicano que grita “basta”. Há uma longa tradição de fazer justiça pelas próprias mãos na década da guerra contra a droga, em que o México se tornou num dos países mais perigosos do mundo. O mais preocupante é o local onde o exército privado de Mimenza está fazer a sua guerra. Não é nos laboratórios de metanfetaminas de Michoacán, nem na fronteira da Ciudad Juarez, mas num resort da Riviera Maya, em Playa del Carmen, a poucos quilómetros de Cancun, no centro da indústria de turismo que rende ao México 17 mil milhões de euros anualmente.

Os narcotraficantes já dominam muitas áreas do México, quer cooptem funcionários públicos ou os desafiem publicamente. Agora, como nunca se viu, estão a infiltrar-se nas mecas dos destinos de férias, deixando cadáveres em malas de viagem à porta de condomínios exclusivos, incendiando discotecas com tiroteio. A bolha invisível que protegia os turistas estrangeiros está a ameaçar rebentar.

“Isto pode afectar seriamente a economia”, diz Alejandro Schtulmann, director da consultoria de risco político Empra, na Cidade do México. “Quem nunca visitou o México agora pensa duas vezes antes de o fazer.”

O factor "El Chapo"

O ano de 2017 pode ser o mais mortífero de sempre no México. Na origem pode estar a prisão e extradição do cabecilha do narcotráfico Joaquin “El Chapo” Guzman.

Esta prisão pouco fez para subir a fraca popularidade do Presidente Enrique Pena Nieto. A taxa de criminalidade piorou e o ministro do Interior Miguel Osorio, inicialmente visto como seu provável sucessor nas eleições presidenciais de 2018, viu-se na posição defensiva.

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Joaquin "El Chapo" Guzman, o cabecilha do cartel de Sinaloa Henry Romero/REUTERS

Isto porque o Cartel de Sinaloa, de Guzman, estava muito enfraquecido e o seu novo rival, o Jalisco Nueva Generación, ganhou força. A luta pelo território intensificou-se e alastrou para locais pacíficos como Cancun e Playa del Carmen, nas Caraíbas, e também para os destinos turísticos na costa Ocidental, como Los Cabos. Este ano, no estado de Quintana Roo, onde se situam os dois primeiros resorts, a taxa de homicídio duplicou. E em Baja California Sur, no Pacifíco, quase quadruplicou.

Só em Junho, as autoridades de Los Cabos desenterram 14 corpos perto de uma reserva marinha. Também encontraram uma mala de viagem com restos mortais numa estrada que leva à zona hoteleira. Em Cancun, a faixa de mais de 22 km de hotéis é separada da cidade. Ainda assim, em Novembro, três homens foram alvejados mortalmente numa discoteca.

As autoridades de Cancun apelaram aos meios de comunicação locais para não darem tanta cobertura às notícias, dizem duas pessoas que afirmam ter conhecimento do assunto. Os cartéis têm outros métodos, mas agendas semelhantes. “Não se querem auto-sabotar, porque assim que as mortes cheguem aos noticiários o turismo será afectado, e a sua galinha dos ovos de ouro acaba-se”, diz Schtulmann.

Só este ano, os jornalistas do Novedades Quintana Roo, um jornal de Cancun, receberam cinco ameaças de morte, incluindo uma mensagem enviada no Facebook para um fotógrafo, com fotografias da sua mulher e da casa do casal, afirma o editor Cesar Muñoz.

Se o plano é mostrar que tudo está como dantes, então Mimenza e o seu grupo não estão a ajudar. No seu site de notícias, e no YouTube, o empresário acusa responsáveis estatais que estão em conluio com os cartéis e oferece iPhones à audiência que filmem provas de corrupção.

O principal alvo da sua fúria, o governador Carlos Joaquin Gonzalez, ignora as acusações. Os cidadãos têm o direito de acompanhar de perto os eleitos desde que o façam legalmente, mas “nenhuma acusação [de Mimenza] foi corroboradas por alguma autoridade”, diz Felipe Ornelas, chefe do gabinete de imprensa do governador. Ornelas acusa ainda Mimenza de não ter sujeitado o governador anterior, que foi preso em Junho por acusações de branqueamento de capitais, a este nível de escrutínio.

Contra a corrupção

Mimenza, cuja actividade principal é ser agente imobiliário, também tem interesse no turismo: é proprietário de um refúgio de animais e de uma empresa de aluguer de veículos todo-o-terreno. Numa entrevista na sua cabana isolada, enquanto homens de cara tapada reviam atentamente imagens de videovigilância nos seus portáteis e um segurança vagueava pela floresta com um par de binóculos, explicou como começou a sua vida de vigilante.

Uma das suas empresas foi assaltada em Novembro. A sua irmã teve uma arma apontada à cabeça, os seus funcionários foram amarrados, e muitos despediram-se depois deste incidente. Diz que lhe roubaram cerca de 38 mil euros do cofre. Conta como resistiu à vontade de “pegar nas suas coisas e abandonar o país” e escolheu concentrar-se na luta à corrupção. Percebeu que a “violência dos cartéis é um problema que o Governo escolheu ignorar e que só Governo é que o pode resolver.”

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Operação militar em Cancun para capturar narcotraficante Gerardo Garcia/REUTERS

As autoridades de Cancun não estão de braços cruzados. Julian Leyzaola, um ex-chefe da polícia famoso por ter limpado as perigosas ruas de Tijuana e da Ciudad Juarez, foi recrutado como conselheiro pelo presidente da câmara. Leyzaola já foi comparado ao ex-mayor de nova Iorque Rudy Giuliani e acusado de usar os mesmos métodos rudes.

O município já despediu 150 polícias desde Maio, por chumbarem na avaliação. E, de acordo com Darwin Puc Acosta, um ex-tenente-coronel que se tornou chefe da polícia de Cancun em Junho, há mais polícias afazer patrulha nas ruas. “Estão a acontecer coisas que não eram normais nesta cidade”, diz. “Honestamente, não as considero alarmantes. Resolvem-se facilmente se lidarmos bem com elas. E é isso que estamos a fazer.”

Há muito em jogo. O turismo representa quase 9% do PIB do México, mais do que o petróleo. E é, de longe, o país da América Latina mais visitado. O estado de Quintana Roo recebe cerca de dez milhões de turistas por ano, um terço do valor total a nível nacional.

Mas as empresas locais dizem que os números não contam a história toda. Os turistas podem até estar nos seus quartos e na praia, mas há menos a ir à cidade. As vendas da Victoria’s Secret, na Quinta Avenida, a principal rua de Playa del Carmen, caíram 50%. Ao lado, na loja da Swatch, desceram 24%. Martin Perez, um empregado de mesa num restaurante ali perto, diz que recebe um quarto das gorjetas que recebia.

Muitos dos residentes conseguem dizer exactamente quando é que as coisas começaram a descambar. Em Janeiro, cinco pessoas foram alvejadas durante um festival de música electrónica. “Foi quando começou o descalabro”, diz Perez, olhando para a discoteca agora fechada.

Exclusivo PÚBLICO/Bloomberg

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