As (poucas) vezes que o PSD salvou propostas socialistas

Costa fala agora de pacto com sociais-democratas. A resolução do Banif e a lei que permite o acesso às comunicações electrónicas por parte das secretas são dois raros exemplos em que o Bloco Central funcionou nesta legislatura.

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António Costa tem falado em concertação com o PSD, após as autárquicas, acerca de fundos comunitários e projectos estruturantes Daniel Rocha

O primeiro-ministro lançou o desafio de tentar consensos com o PSD sobre a estratégia nacional após 2020, mas os primeiros dois anos desta legislatura são pouco animadores para as intenções de António Costa. Não chegam à dezena as vezes em que o PSD salvou propostas socialistas essenciais para a governação ou que travou intenções das bancadas do BE e PCP.

Banca, segurança, portagens, educação (congelamento de propinas), aumento do salário mínimo, reposição de freguesias e maiores restrições no consumo de tabaco são as áreas em que o voto do PSD (fosse por abstenção ou a favor) ajudou o PS. Com 86 deputados, a bancada socialista é mais pequena do que a do PSD (89 eleitos) e só consegue maioria com a colaboração de PCP e BE.

Assumindo que não seria “muleta” da "geringonça" e que a maioria de esquerda teria de se bastar a si própria, o PSD abriu uma excepção a este princípio logo nos primeiros meses de Governo socialista, em Dezembro de 2015, a propósito da resolução do Banif. A bancada "laranja" absteve-se e viabilizou o Orçamento rectificativo onde estava inscrita a injecção de 2,2 milhões de euros no banco. A decisão foi justificada com o “sentido de responsabilidade e o interesse nacional”. Na mesma altura, foi o voto contra do PSD (e também o do CDS) que permitiu ao PS travar a intenção da esquerda de nacionalizar o Novo Banco. A mesma votação já se repetiu em Abril deste ano, quando os partidos à esquerda tentaram de novo fazer passar a proposta para que o Novo Banco passasse a ser 100% do Estado.

O chumbo também seria o efeito do voto contra da bancada social-democrata à pretensão de BE, PCP e PEV de eliminar as portagens nas antigas auto-estradas Scut (A22, A23, A24, A 25 e A4). O Bloco Central (mais o CDS) funcionou em Maio de 2016 e voltaria a formar-se, com o mesmo espírito, meses depois, quando BE e PCP tentaram manter congelados os valores das propinas no ensino superior.

PSD e CDS também ajudaram o PS a colocar um travão às intenções do PCP de acelerar o aumento do salário mínimo nacional para 600 euros, que entraria em vigor Janeiro de 2017. O Governo aponta para esse valor mas só em 2019, o que levou a um alinhamento dos três partidos no mesmo sentido. As bancadas da direita reiteraram a posição de que o processo negocial deve passar pela concertação social.

Ficou pelo caminho uma outra proposta de PCP e BE sobre a reposição de freguesias extintas no anterior Governo PSD/CDS. Às bancadas da direita bastou defender a sua reforma para se oporem à proposta da esquerda. O PS votou contra com o argumento de que estava em curso uma avaliação da reorganização territorial e que é necessário dar mais competências às juntas de freguesia.

A aliança PS-PSD-CDS não serviu apenas para travar propostas da esquerda, mas também para dar corpo a matérias em que houve uma conciliação de posições. Foi o que aconteceu com a proposta do Governo que aumentou as restrições ao consumo de tabaco, aprovada em Junho passado. Neste caso, o PSD votou ao lado do PS, mas não foi essencial para a viabilização da proposta, já que PCP, BE e PEV se abstiveram.

Na matemática parlamentar, o voto favorável do PSD também contribuiu para que fosse aprovada a proposta que permite o acesso aos metadados (registos de comunicações) por parte dos serviços secretos. O texto final construiu-se a partir de uma proposta do Governo e de um projecto do CDS, mas socialistas e democratas-cristãos não chegam para fazer maioria no Parlamento. Precisariam pelo menos da abstenção do PSD, caso BE, PCP e PEV votassem contra, tal como aconteceu. Durante a fase da especialidade, algumas alterações avançadas pelo PSD foram aceites e o diploma foi aprovado com o voto dos três partidos – PSD, PS e CDS.

Também na área da segurança, a aliança Bloco Central e CDS repetiu-se para viabilizar a proposta de lei do Governo sobre as prioridades de política criminal para 2017-2019.

No passado mês de Julho, a abstenção do PSD foi crucial para a aprovação da alteração do regime que estabelece as condições e procedimentos de entrada, permanência e saída de cidadãos estrangeiros do território português. A proposta do Governo transpõe directivas relativas à imigração e à protecção de direitos nacionais de Estados terceiros.  

Em matéria de política externa, PS, PSD e CDS mantiveram o tradicional entendimento. Chumbaram, por exemplo, projectos do PCP e BE que rejeitavam os Acordos de Livre Comércio e Serviços (CETA) entre a União Europeia e Canadá. A crise na Venezuela, que se agudizou nos últimos meses, também tem permitido juntar na apreciação dos votos de rejeição da violência e apelo ao diálogo democrático as bancadas do PS, do PSD e do CDS.

Na primeira metade da legislatura, foi ainda marcante o caso inverso, isto é, situações em que o PSD não deu apoio a uma medida do Governo em que era pública a oposição de BE e PCP. Foi a proposta de redução da Taxa Social Única como forma de compensar o aumento do salário mínimo. Não tinha o apoio da esquerda e o PSD roeu a corda. A medida teve de ser substituída por uma redução do Pagamento Especial por Conta. “Uma solução que, tudo visto, até é francamente melhor”, concluiu o primeiro-ministro ao Expresso do passado sábado. 

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