Derrotado na Síria e no Iraque, Daesh tenta afirmar-se com atentados na Europa

Perda de território na Síria e Iraque faz o grupo voltar-se para ataques terroristas fora dos seus bastiões.

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Mensagens escritas no pavimento, nas Ramblas, em memória das vítimas do atentado em Barcelona ALBERTO ESTEVEZ/EPA

As derrotas militares do Daesh na Síria e no Iraque, os países que são a sua base, enfraquecem o movimento a longo prazo – reduzem a sua capacidade de recrutar, organizar e planear ataques. Mais importante ainda, diminuem a capacidade de se financiar, já que muitas verbas vêm dos “impostos” sobre os cidadãos das áreas sob o seu controlo.

Mas a curto prazo esta perda de terreno pode fazer com que o movimento tente recuperar fôlego de outro modo – aumentar a importância dos ataques na Europa é um outro modo de o Daesh se manter relevante.

"Os ataques de Barcelona são um modo doloroso de nos fazer lembrar que o ISIS [Daesh] é mais do que um conjunto de territórios", disse ao Washington Post a especialista Rita Katz, do SITE Intelligence Group, que supervisiona movimentos extremistas. "É também uma rede virtual que habita espaços de ciber-território que têm tantas consequências como o espaço no Iraque ou na Síria."

“Não é surpreendente que o grupo tenha levado a cabo mais ataques internacionais enquanto sofre revezes”, diz um relatório de Junho de Daniel Byman, do centro de estudos norte-americano Brookings Institution, sobre a capacidade de o movimento atacar fora do território do seu autoproclamado califado.

“O terrorismo internacional dá um meio para atacar inimigos e provar a eventuais apoiantes que o grupo se mantém activo e merece o seu apoio”, diz Byman. “Assim, pedem aos seus seguidores para agir em casa e não viajar até à Síria.”

Apesar de na Europa se sublinhar o perigo de jihadistas que regressam da Síria para cometer ataques, o relatório diz que com base no que acontece nos EUA, este nem é o caso mais frequente: 28% dos combatentes que regressaram participaram em planos para um ataque, mas a maioria dos que consideraram viajar mas não o fizeram – 60% - participaram num complot terrorista.

O especialista da Brookings diz que é provável que aumente o número de atentados levados a cabo pelos chamados “lobos solitários”, pessoas inspiradas por grupos mas sem ligações directas a eles.

No entanto, a jornalista especializada em Daesh do New York Times Rukmini Callimachi investigou recentemente uma série de ataques que pareciam ser casos destes – e encontrou contactos entre os perpetradores e elementos do Daesh, que deram sugestões ou mesmo instruções sobre locais ou armas a usar em ataques.

Callimachi destaca o primeiro caso, de um francês que na Primavera de 2015 tentou disparar sobre um igreja em Villejuif, mas atingiu a sua perna, e dois casos na Alemanha, de uma tentativa de ataque num festival de música e outro que usou um machado num ataque num comboio, foram encontradas comunicações com operacionais do Daesh – no caso dos ataques na Alemanha, os atacantes e os responsáveis do Daesh comunicaram até momentos antes do ataque.

Isto aumenta a eficácia de ataques de “lobos solitários” que têm duas características fortes: são geralmente mais difíceis de detectar pelos serviços secretos (porque não há comunicação com redes terroristas) mas por outro lado são, na expressão de Byman, “incompetentes”.

Com os atacantes “remotamente controlados” pelo Daesh o grau de controlo ou orientação é muito variável e a zona cinzenta entre um "lobo solitário" e um ataque realmente organizado por um movimento fica muito maior. 

As reivindicações dos ataques também variam, e não necessariamente pelo grau de envolvimento da organização no ataque. O movimento reivindica em geral através de uma "agência de notícias", a Amaq, que é na verdade o seu braço de propaganda, e pode identificar ou não o autor ou autores do ataque, publicando ou não uma declaração de fidelidade gravada anterioremente.

O Daesh não costuma identificar os autores de atentados excepto quando estes morrem, presumivelmente para não prejudicar a sua defesa em tribunal. No caso de Barcelona, a reivindicação foi feita sem identificação dos autores do ataque, talvez pelo facto de o presumível condutor estar ainda provavelmente em fuga. 

Se há coisa em que a organização tem cuidado, é em não reivindicar um ataque que tenha sido levado a cabo sem qualquer participação sua, ou que tenha, no mínimo, inspirado, disse em Maio Rita Katz à rádio pública norte-americana NPR. “Ainda não conseguimos encontrar uma verdadeira mentira do ISIS [Daesh]”, assegurou. “Apesar de serem uma organização terrorista, querem dar aos seus seguidores informação autêntica.”

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