Fazer turismo é combater o terrorismo

Cada um de nós – privilégio supremo – não precisa sequer de agarrar numa arma para fazer a sua parte. Basta pôr o chapéu e os óculos escuros. Cada turista é um combatente contra o Estado Islâmico. Não percebo como é possível não gostar deles.

É de uma triste ironia que tenha sido na mesma Barcelona que se está a afirmar como capital mundial do antiturismo, com grupos organizados a pintar autocarros — “el turismo mata los barrios” —, a pichar paredes — “tourist go home” —, a promover manifestações — “Barcelona no està en venda” — e a invadir praias com cartazes xenófobos — “mon immeuble n’est pas ton immeuble!” —, que tenha ocorrido mais um atentado, vitimando pessoas de 35 nacionalidades diferentes em plena zona das Ramblas. Os grupos terroristas são os melhores aliados desta gente: um camião a alta velocidade vale por mil cartazes a dizer “tourists go home”.

Eis o que a trupe antiturista parece esquecer: a massificação do turismo na Europa está intimamente relacionada com a insegurança provocada pelo terrorismo. Portugal que o diga: as actuais enchentes em Lisboa e no Porto não se devem ao génio de quem nos governa, mas ao fracasso da Primavera Árabe, à instabilidade no Egipto e aos atentados no Magrebe. Para quem não tem dinheiro para voar para as ilhas do Pacífico, o planeta turístico está muito mais curto — e é por isso que as classes médias francesas ou inglesas invadem a Espanha mediterrânica ou Portugal. São quentes, não são caros e são seguros. Convinha que a trupe antiturista desenvolvesse alguma sensibilidade geopolítica.

Eu acabo de regressar a Portugal após dez dias a ser turista, que é uma coisa que acontece a todos os que têm o privilégio de sair de vez em quando das cidades onde vivem. Fui com a família de carro para França: rezámos a Deus em Taizé e ao império do Rato na Disneylândia de Paris; prestámos homenagem aos mortos americanos no cemitério de Colleville-sur-Mer; aprendemos que a guerra mata gente, mas mistura povos, enquanto deslindávamos os segredos da tapeçaria de Bayeux. Os meus quatro filhos desarrumaram lojas de souvenirs, tropeçaram em franceses e foram duas ou três vezes admoestados por indígenas. Fomos tristes turistas, com chapéus de abas largas, calções Coronel Tapioca e iPhone a disparar a cada 30 segundos.

E, no entanto, sentimo-nos bem: o turismo é a nossa pequena forma de resistência. As orações em Taizé são agora vigiadas por soldados franceses, equipados com armamento de guerra. A segurança na Disneylândia está muito mais apertada. Mas continuar a viajar pela Europa não é só um prazer — é a nossa modesta forma de resistir a quem nos quer matar. Daí que os desprezados turistas mereçam ser vistos com outros olhos: à sua maneira, eles são defensores de um modo de vida de que todos nos devemos orgulhar. Como sempre acontece com as ameaças exteriores, este terrorismo tão próximo tem, pelo menos, a grande vantagem de nos devolver o amor genuíno pelos nossos valores. Foi isso que tentei passar aos meus filhos: a consciência de que viver em democracia e em liberdade, numa das melhores e mais justas sociedades que o Homem foi até hoje capaz de criar, é um enorme privilégio.

Convém, por isso, valorizá-lo e defendê-lo. “No tinc por!” — “Não tenho medo!” —, gritou-se em Barcelona. Sim, é isso, mas também é muito mais do que isso: é um amor profundo à liberdade de cada um poder ser o que deseja e um imenso desejo de transmitir esse amor às gerações futuras. Cada um de nós — privilégio supremo — não precisa sequer de agarrar numa arma para fazer a sua parte. Basta pôr o chapéu e os óculos escuros. Cada turista é um combatente contra o Estado Islâmico. Não percebo como é possível não gostar deles.

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