Um oásis esmeralda na cidade rosa

Marraquexe quer modernizar-se sem perder aquilo que atrai milhares de turistas todos os anos. Entre souks e praças, descobrimos novos museus e luxuriantes jardins. Até porque no nome da cidade esconde-se um palmeiral.

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Paulo Pimenta

Prostrado entre duas palmeiras altivas, um portão imponente interrompe o caminho para anunciar solenemente a entrada no jardim Anima. Sobre a madeira maciça, hamsás e ferraduras de metal brilham em diferentes tamanhos. Entrada proibida aos maus espíritos. Todos os outros podem seguir pela portinhola e perder-se num labirinto de trilhos entre vegetação luxuriante e coloridas obras de arte. É “o regresso do paraíso” à aridez da planície que se estende de Marraquexe ao sopé das montanhas do Atlas. Ou pelo menos aos quase três hectares de jardim que André Heller fez nascer dos escombros de uma antiga plantação de rosas na região de Ourika, a cerca de quarenta minutos de autocarro desde Marraquexe (a entrada custa 12€ e inclui serviço de shuttle gratuito de ida e volta à antiga cidade imperial, excepto em Julho e Agosto).

O artista austríaco visitou o país pela primeira vez em 1972 e foi amor à primeira viagem. Volta todos os anos desde então. “Ele gosta muito de Marrocos e queria fazer alguma coisa por Marraquexe”, conta Anne de Lanoue, relações públicas do Anima. No deserto magrebino replicou o conceito que tinha levado em 1989 para o jardim botânico do lago Garda, em Itália: um Éden onde comungam as artes do homem e da natureza. Desta vez, a partir do zero. Sobre a janela da bilheteira, uma fotografia mostra o cenário em 2010: linhas brancas marcam futuros trilhos sobre o solo ocre e despido. Heller comprou o terreno em 2008 (que se estende por mais cinco hectares). Dois anos depois, começou a transladar plantas dos quatro cantos do país, a resgatar cactos moribundos de pátios prestes a serem demolidos. O projecto, que inclui salas de exposições e um café, abriu ao público em Março de 2016. Custou nove milhões de euros e oito anos de jardinagem. Não era demanda pequena. A celebrar 70 anos, Heller queria desenhar naquela tela árida “um auto-retrato arquitectónico e botânico”, conta à revista alemã Stern.

Tal como outrora, há rosas a despontar em múltiplas cores num dos cantos do jardim. Brancas, amarelas, laranjas, rosas, vermelhas. Ressurgem a flutuar numa fonte à sombra de uma pérgola. Em poucos minutos perdemos o resto do grupo. As vozes vão-se tornando indistintas até mergulharmos no silêncio dos passos na gravilha, do vento nas folhas. Pouco andámos quando um burro – ícone-postal marroquino – surge de pé entre bananeiras. O país emancipado veste fato e gravata de mosaicos, calça luvas de boxe. Mais à frente, nas costas de uma réplica d'O Pensador, de Rodin, navega uma arca de papel com esculturas africanas, camelos, girafas. Na proa lê-se “espoir”. Esperança. Um diálogo político entre a Europa negligente, que pensa e repensa sem agir, enquanto África chega em hordas de refugiados, com a sua cultura exuberante e optimismo. No olhar de Heller sobre a actualidade equilibram-se doses de crítica, ironia e confiança. “É bom estar sentado em frente ao Rodin, na sua grande pose de fin de siècle. Ele pensa, enquanto o êxodo surge nas suas costas”, interpreta o artista à Stern.

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Pelo caminho, somam-se oliveiras, buganvílias, laranjeiras, araucárias, alecrim, rosmaninho. A cada curva, peças de artistas de renome, como Alexander Calder e Keith Haring. Cerâmicas de Picasso entre bambus. Algumas obras vêm da colecção privada de Heller, outras são criações do excêntrico e multifacetado artista austríaco. Como o gigante rosto africano, pintalgado de cores garridas, que nos sopra um bem-vindo spray de água, enquanto um dos jardineiros, de farda e chapéu de palha, recolhe ali perto a folhagem seca com um ancinho.

Estamos em pleno Verão, os termómetros aproximam-se dos 35ºC (dia ameno para uma estação do ano em que as temperaturas chegam facilmente aos 45ºC). São poucos os turistas com quem nos cruzamos no Anima. Um contraste absoluto com o jardim Majorelle, o mais famoso e visitado de Marraquexe. Só em 2015, somou 683 mil visitantes, lê-se no panfleto distribuído na bilheteira. Há fila junto à entrada do pequeno jardim botânico construído pelo pintor francês que lhe dá nome (custa 70 dirhams, cerca de 6,30€). Há turistas à espera que outros saiam para visitar o Museu Berbere criado por Yves Saint Laurent e Pierre Bergé no antigo atelier de Majorelle (30 dirhams – 2,70€).

Em 1980, o designer de moda (falecido em 2008) e o companheiro decidiram comprar o antigo refúgio do pintor para salvá-lo da demolição e futura reencarnação em hotel. Restauraram os edifícios de icónico azulão, recuperaram o jardim, criaram uma fundação e reabriram-no ao público. Hoje é atracção turística inevitável na cidade. Cactos de mil formas, bambus tatuados com nomes e corações, palmeiras, linhas de água e tanques de nenúfares e tartarugas. Uma explosão de cores que contagia e ajuda a explicar o formigueiro de turistas que posam para fotografias em cada recanto. Brevemente, o projecto terá nova atracção. Dois museus dedicados a Yves Saint Laurent têm inauguração marcada para 19 de Outubro: um em Paris, outro aqui, em Marraquexe, não muito longe do roseiral onde  pediu que fossem depositadas as suas cinzas depois de morrer.

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Sombra esmeralda na cidade rosa

Marraquexe é como “uma rosa entre palmeiras”. “Um oásis no deserto”, apelidaram-na ao longo dos tempos. Desde a fundação, no século XI, que o verde integra a palete de cores que tinge a cidade. Na altura, para lá das muralhas da medina formava-se um segundo anel de pomares e de hortas, para protecção e abastecimento. Para chegar à cidade, os mercadores tinham de atravessar longos campos de tamareiras e, quando partiam, tornavam-se especialmente vulneráveis a assaltos naquela zona de menor visibilidade. Tinham de cruzá-la com rapidez. “Murkus, murkus”, aconselhavam os habitantes locais. Palavra que os berberes carregaram nos cofres amedrontados há quase mil anos e que terá evoluído de dialecto em dialecto até chegar a Marraquexe. Ou pelo menos é essa a lenda que o guia Mohamed Rakata escolhe contar-nos hoje.

Para a alma – e compêndio turístico – da cidade, contam tanto os monumentos e mercados quanto os seus jardins. Há “67 parques” em Marraquexe e uma “área total de espaços verdes a rondar os 350 hectares”, contabiliza o gabinete regional de turismo, sem somar ainda os históricos Agdal e Menara (500 e 80 hectares, respectivamente). Construídos no século XII, os dois jardins integram as enormes cisternas que abasteciam de água vinda do Atlas toda a cidade. Incluindo as fontes e os canteiros dos pátios interiores dos luxuosos riads e palacetes da medina. É um pedaço dessa história que o italiano Lauro Milan quer devolver à cidade com a abertura ao público do Jardim Secreto (50 dirhams, aproximadamente 4,50€). “Há um século, [a cidade] era muito mais verde do que agora, por isso quis recuperar esse lado de Marraquexe”, conta.

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O antigo palacete com jardim interior fica em pleno centro histórico da cidade. Visitamo-lo antes de mergulharmos no bulício das ruas apertadas da medina, das lojas que transbordam em artigos sobre os passeios inexistentes, das motas, dos carros, das carroças, das bicicletas em gincana sobre turistas e vendedores ambulantes. “Agora é Verão. Vão passar o tempo todo na piscina porque não há ninguém na rua”, gracejava o guia Sellek à despedida em Casablanca. Mas o itinerário não contempla mergulhos. E numa cidade com cerca de 1,3 milhões de habitantes e mais de 1,8 milhões de turistas (dados de 2014) são poucas as vielas que encontraremos desertas mesmo no calor do meio-dia. Tem, por isso, outro sabor, esta pausa no Jardim Secreto. Sabe a esmeralda na cidade vermelha. A bálsamo de água fresca, sombra e silêncio. Com um travo a história da cidade.

As origens do edifício remontam ao século XVI, quando o sultão Moulay ‘Abd-Allah começou a erguer o bairro de Mouassine. Destruído quando a dinastia saadiana caiu em desgraça, foi reconstruído três séculos depois pelo governador local U-Bihi. Os vizinhos tinham-no estudado na escola mas não sabiam que tinha morado aqui, recorda Lauro Milan. “Tivemos de fazer toda a pesquisa histórica por nós. Não existia sequer informação nos organismos públicos.” A linhagem de proprietários - “gente importante de Marrocos” - é agora contada em painéis numa das salas, ao lado de textos sobre a arquitectura, os jardins e o sistema de abastecimento de água tradicional, encontrado durante as obras e totalmente reabilitado. Nos jardins – um exótico, com espécies de todo o mundo; e um islâmico tradicional, com fonte e canteiros desenhados a régua e esquadro por caminhos de mosaicos – ficaram apenas as palmeiras mais altas. Tudo o resto foi replantado.

Depois de dois anos de trabalhos, o palacete abriu ao público pela primeira vez na história. “Pertence a Marrocos, à cultura e à história deles. Eu só o restaurei”, explica Lauro Milan. É formado em arquitectura, mas 20 anos volvidos a reconstruir palacetes e casas na medida de Marraquexe assume-se apenas como “construtor”. Ao currículo, soma entretanto a gestão de restaurantes e de riads. E acredita que deles – e de hotéis e de casas de hóspedes – Marraquexe tem “o suficiente”. “O que nós precisamos é de cultura, de manter a tradição deles, torná-la viva e conhecida dos turistas e pessoas de todo o mundo.” Nem que seja através de um jardim com espaço museológico, café, esplanada e miradouro sobre a cidade. “Mais vale um pequeno jardim bem cuidado do que um vasto campo abandonado”, lê-se em ditado marroquino à entrada.

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No coração, um souk

Subimos à torre do Jardim Secreto, outrora símbolo de poder e fortuna do proprietário do palacete. Do alto do miradouro, os terraços formam um longo tapete ocre, estendido sobre a planície até se desvanecer nas poeiras que enevoam a cordilheira do Atlas. Aqui e ali brotam brocados de antenas parabólicas, copas de árvores de pátios vizinhos e os altivos minaretes das principais mesquitas da cidade: a icónica Koutoubia, lá ao longe, e Ben Youssef, no centro da medina. Ao lado fica a madrassa, antiga escola corânica da cidade, que visitamos pouco depois, ao regressarmos à azáfama de turistas, artesãos e vendedores. “Sem comércio, Marraquexe não existiria. Não tem recursos naturais”, lembra o guia Mohamed Rakata, 55 anos, num português de sotaque entre o brasileiro e o espanhol. Desde a telenovela O Clone, transmitida pela Globo entre 2001 e 2002, que muitos brasileiros “querem ir a Fez” e acabam por estender a visita a Marraquexe. “Como falava francês, italiano e espanhol decidi aprender. No início foi difícil, mas comprei uns livros e hoje já está bom”, conta.

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No bairro dos curtumes, localizado na zona Norte da medina, o ambiente é hostil. É aqui que o couro é preparado em sucessivos banhos num quadriculado de tanques e trabalhado nas oficinas em redor. O cheiro ácido arde nos olhos, os trabalhadores pedem dinheiro a cada fotografia. Dos povos berberes chega a tradição do curtume de peles finas (ovelha, cabra). “No Sul, os árabes estão mais habituados a trabalhar peles grossas, como camelo ou vaca”, indica o guia Khaled Idrissi. São essas que se preparam aqui. O processo demora cinco semanas: na primeira são cobertas de sal, passam por um banho de cal na segunda e excrementos de pombo na terceira. À quarta são limpas e na última semana é aplicada uma “coloração natural e o tanino”.

A esta hora, muitos tanques estão já tapados por tecidos e peles. Há amontoados de pêlos - “a lã morta” - pelos cantos. Dependendo da estação do ano, podem aqui trabalhar “50 ou 60 pessoas”, estima Khaled. O trabalho é feito sobretudo de manhã, antes das horas de maior calor. De tarde, são poucos os homens que vemos galgar entre os rebordos das tinas, cobrindo os tanques, passando com carrinhos de mão. Alguns ainda envergam as longas botas de borracha que protegem o corpo da cal tóxica. Trabalhar nos curtumes é estar no fundo da estrutura social – herança familiar de quem sempre viveu no bairro ou emprego de último recurso. “São pagos à tarefa. Podem ganhar entre 8 a 50 euros por dia, dependendo do número de peles que consigam curtir.” As peles, já esticadas, são depois transportadas até aos souks nos alforges de burros e vendidas em leilão aos artesãos, que as hão-de transformar em malas, casacos, cintos, chinelos, babuskas.

Nos souks de Marraquexe “existem mais de mil lojas”, arredonda Mohamed um número impossível de contar. Ruelas, vielas, becos, praças, caves, garagens. Os mercados dividem-se em especialidades por quarteirões, mas parecem ramificar-se a cada veia da medina. Em cada porta há uma loja, um restaurante, uma padaria, um atelier. O turismo regional arrisca outros números: 40 mil artesãos para nove souks na cidade velha. E todos parecem convergir num único sentido. Nos telhados de zinco que resguardam do calor as ruas transformadas em caótico mercado debruça-se quase sempre a mesma placa. Neste labirinto, as setas não apontam à Meca religiosa, antes à comercial: a praça Jemaa el-Fna.

Sobre o coração comercial e turístico de Marraquexe já tudo se disse e, ainda assim, nada nos prepara para a energia contagiante que se vive na praça mal cai a noite. De dia, um terreiro imenso adormecido na torreira do sol. De noite, uma explosão de luzes, sons e cheiros que nos expandem os sentidos. Rapazes em acrobacias aos ombros uns dos outros, uma roda de pescadores de cana em alguidar, jogos de azar, contadores de histórias, dançarinos, performers, tatuadoras de hena. Bancas de restaurantes, de sumos, de gelados, de especiarias, de aparelhos electrónicos, de brinquedos, de flores, de lanternas. Muitos turistas, tantos marroquinos. Para Mohamed, é através do ambiente vivido na praça que quem visita Marraquexe “pode descobrir a profunda alma da cidade”.

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Modernidade, um museu de cada vez

Não é para estes lados, no entanto, que encontraremos Sara Lagnaoui. Jemaa el-Fna e os souks “são mais para os turistas”, não são o seu “sítio preferido de Marraquexe”, diz num esgar a bonita jovem marroquina. Aos 27 anos, Sara prefere os cafés, os centros comerciais. Visitar galerias de arte, museus, jardins. “Marraquexe não é tão moderna como Rabat ou Casablanca”, compara. Mas está em constante mudança. “Há sempre novas construções, lojas, prédios, exposições.” Enquanto tudo surgir “sem destruir as tradições e os hábitos antigos” da cidade, encara as transformações como algo positivo. “Acho que mudar é bom. Por agora.”

Sara é formada em multimédia mas, enquanto não decide qual o passo seguinte, trabalha como recepcionista no Museu de Arte Contemporânea Africana (Macaal), inaugurado em Novembro de 2016 no resort Al Maaden. É ela quem nos guia pela exposição E-Moi, que explora a identidade africana ao logo de cerca de 50 peças. “No início, éramos apenas três...”, lê-se na primeira sala. Chaibia Tallal, Ahmed Cherkaoui e Jilali Gharboui. Quadros dos três artistas marroquinos começaram um acervo que conta hoje com mais de mil obras de arte contemporânea de artistas africanos, coleccionado pelo director da Fundação Alliances, responsável pelo museu. No rés-do-chão, está o trabalho biográfico de alguns dos principais artistas marroquinos. No primeiro andar, o olhar sobre África diversifica-se em obras de todo o continente. Exploram-se temas como a sexualidade, a religião, a diversidade cultural, o papel da mulher, a guerra.

A Bienal de Marraquexe, organizada desde 2005, levou à criação de novas fundações culturais na cidade e há “cada vez mais galerias e novos artistas”, defende Sara. Nos últimos anos, somam-se aberturas de museus um pouco por toda a cidade. Só em 2016 inauguraram três: um dedicado ao artista Farid Belkahia, o Museu de Arte e Cultura de Marraquexe (Macma), o Museu de Arte Contemporânea Africana. No início do ano, o príncipe herdeiro veio inaugurar o Museu da Civilização da Água. “A próxima bienal é em 2018 e teremos, de certeza, muitos novos projectos e galerias”, acredita Sara. Marraquexe quer sacudir a imagem dos souks, dos burros, dos véus. Quer ser (também) destino turístico de resorts luxuosos, grandes avenidas e museus modernos. Se a única peça permanente do Macaal é uma janela aberta para o continente africano (Love Suprême, de Mohamed el Baz), a imagem da exposição – auto-retrato de Cheri Samba – mostra o que dela se vê: um artista africano em pose segura sobre sombras da cultura europeia.

 

Casablanca

De uma mesquita se faz (quase todo) o turismo na cidade

Não é atracção exclusiva da maior cidade de Marrocos, mas quando é a única mesquita aberta a não muçulmanos no país torna-se ponto de visita obrigatório. “Foi durante o protectorado francês que a proibição foi instaurada”, apressam-se os guias sempre que o assunto vem à baila. O decreto refere todas as mesquitas construídas, esta foi a única concluída depois disso, fugindo à interdição. Assunto arrumado. Subamos, então, os olhos pelo monumental edifício inaugurado em 1993. Colosso branco e verde, solitário, à beira-mar. A mesquita Hassan II é a “terceira maior do mundo árabe” e “tem o minarete mais alto dos países islâmicos [200 metros]”, debita o guia Sellek Abdelmjid, 62 anos de idade, 39 de profissão. Lá no alto, o azul da bandeira indica ser sexta-feira, dia sagrado para os muçulmanos.

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A sala de oração tem espaço para 25 mil fiéis e é um testemunho notável da arte decorativa islâmica e do trabalhado ancestral dos artesãos. “Mais de cinco milhões de turistas visitam-na todos os anos”, aponta Sellek. Durante as orações, o tecto da sala imensa abre-se para deixar a luz entrar. Por agora, é o mar que se agita na penumbra, com as ondas a bater junto às janelas. Esvoaçam pombos entre os candelabros. “Precisamos de espiritualidade, mas não de extremismo ou fanatismo”, diz Sellek, enquanto exemplifica os passos dos fiéis durante a oração. “Com movimentos destes, se tiveres mulheres bonitas à frente podes esquecer-te de Deus”, justifica o guia a separação entre homens e mulheres. “Têm de cobrir a cabeça para não excitar os bigodes”, ri-se Sellek, sexagenário enxuto de fato impecável e fedora de xadrez na mão. Em tempos estudou engenharia, mas não nasceu para ficar num escritório. “Gosto de conhecer pessoas novas, de viajar por todo o país e trocar ideias com estrangeiros”, conta. Foi para a Suíça ganhar experiência como guia. Andou pela Alemanha, pelos Países Baixos. Regressou a Marrocos e trabalha como freelancer para agências de viagens. “Have no boss.”

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Ao longo da costa, uma nova zona está a ser construída de raiz na cidade. Nos tapumes, sorriem edifícios modernos, lojas espelhadas, jardins, fontes, esplanadas. “Deverá estar pronta daqui a 14 meses”, estimam. Casablanca é cidade, não é postal turístico. Na metrópole, vivem cerca de oito milhões de pessoas. Há 18 mil táxis a circular pelo trânsito caótico de avenidas e rotundas sem lei. É a cidade dos negócios, responsável por 32% do PIB marroquino (dados de 2014). E a única do país onde existe “alguma falta de segurança”, especialmente à noite, dizem-nos.

Mas, a esta hora, o bairro des Habous, construído nos anos 1930, não passa de um souk aprumado e pachorrento. É conhecido como Nova Medina, onde as lojas se sucedem em ruas largas e sem confusão. Da mesquita chega a voz do muezzin. “Está a ler algumas frases do Corão antes da segunda oração do dia.” Muitos vendedores recolhem as mercadorias, baixam o portão da loja. Não muito longe fica uma das pastelarias mais famosas de Casablanca, asseguram-nos. Na pequena sala da Patisserie Bennis Habous acotovelam-se tabuleiros e tabuleiros de bolos. Na comitiva, serão poucos os que resistem a levar uma caixa. À porta das mesquitas, já cheias, sentam-se homens de olhos fechados na sombra e suspiram-se orações.

A Fugas viajou a convite do Turismo de Marrocos

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