Governo diz que remuneração dos médicos aumentou entre 15% e 20%

Sindicatos reagem mal a proposta do Governo que passa por ter médicos com mais de 55 anos a fazer urgências. “Isto é ultrajante. Nunca um governo tinha ido tão longe numa atitude de confrontação”, diz FNAM.

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O Governo não está disposto a abrir os cordões à bolsa para responder às reivindicações dos médicos e a contraproposta que apresentou aos sindicatos esta semana fez com que as negociações, que se arrastam há um ano e meio, voltassem praticamente à estaca zero.

Resultado: além de ameaçarem com uma nova greve, os dirigentes sindicais vergastaram o ministro da Saúde com duras críticas. Os médicos fizeram greve em 10 e 11 de Maio.

No documento negocial, o Governo propõe que os profissionais com mais de 55 anos passem a fazer urgências. Diz que as remunerações dos médicos aumentaram entre 15% e 20% nos dois anos desta legislatura, um crescimento sem paralelo noutro grupo profissional da Administração Pública. E que, entre 2014 e 2017, o número de médicos especialistas aumentou 8,1% (1339) e o de enfermeiros, 9,4% (3477).

O que deixou os dirigentes das duas estruturas — o Sindicato Independente dos Médicos e a Federação Nacional dos Médicos — à beira de um ataque de nervos foi aquilo que designam como “manipulação e demagogia” nos dados avançados neste documento e sobretudo a proposta de pôr os médicos mais velhos a fazer urgências.

O protocolo negocial foi enviado para os sindicatos na segunda-feira e é resultado do trabalho conjunto dos ministérios da Saúde e das Finanças. Sintomaticamente, aliás, a próxima reunião negocial, marcada para esta sexta-feira, deverá realizar-se no ministério de Mário Centeno.

Na contraproposta, o Governo demonstra abertura para reduzir a carga horária dos médicos nos serviços de urgência, como os sindicatos reivindicam, mas com uma condição: a de que os mais seniores (os que têm mais de 55 anos e que, actualmente, estão dispensados de fazer urgências) aceitem dedicar uma parte do seu horário semanal (seis horas por semana) a estes serviços.

“É uma não proposta negocial. Lamentavelmente, o ministro da Saúde está a empurrar os médicos para uma nova greve”, reagiu o secretário-geral do SIM, Jorge Roque da Cunha. “Nunca tinha assistido a tamanha provocação, nem no tempo de Leonor Beleza [que foi ministra da Saúde no final dos anos 80]”, reforçou Mário Jorge Neves, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam).

Tendo em conta o teor da contra-proposta, Roque da Cunha considera desde já que o ministro Adalberto Campos Fernandes optou por “declarar aberta a guerra” e, “sem cumprir os compromissos já assumidos pelo primeiro-ministro no Parlamento”, decidiu assumir uma posição “pouco séria” e “empurrar os médicos para a confrontação”. “Não fez absolutamente nada do que se tinha comprometido e ainda está a gozar com a nossa cara”, lamentou.

“Isto é ultrajante. Estamos perante uma situação inédita, nunca um Governo tinha ido tão longe numa atitude de confrontação”, corrobora Mário Jorge Neves. A proposta negocial “é muito pior do que a que determinou a greve de Maio”, defende o dirigente sindical que acredita que esta “só vai contribuir para uma mobilização muito maior e uma indignação generalizada” dos médicos.

Grande impacto orçamental

Em causa estão reivindicações que estão a ser negociadas há cerca de um ano e meio e que passam, sobretudo, pela redução das actuais 18 horas para apenas 12 horas semanais do trabalho no serviço de urgência, pela diminuição do número anual de horas suplementares que os médicos são obrigados a fazer por ano (de 200 para 150) e pela redução do número de utentes por médico de família (de 1900 para 1550).

Os sindicatos têm contado como o apoio da Ordem dos Médicos. Na semana passada, o Fórum Médico (que integra a Ordem dos Médicos, além dos sindicatos e várias associações profissionais) deu mesmo um prazo ao Governo (até ao final deste mês) para se comprometer com a resolução das principais reivindicações da classe. E avisou que, se isso não acontecesse, voltaria a estar em cima da mesa a convocatória de uma nova greve nacional.

Além da abertura para uma redução gradual da carga horária de trabalho de urgência dos médicos que estão sujeitos ao regime das 18 horas — desde que isto seja compensado com o recurso a médicos seniores —, os responsáveis governamentais dizem que estão disponíveis para estudar com os sindicatos a redução de 200 para 150 horas por ano do trabalho suplementar. Mas isso terá que acontecer de forma faseada, até 2021, e deverá ser previamente avaliado o “número muito elevado de horas extraordinárias realizado”.

Quanto à redução do número de utentes por médico de família, os responsáveis governamentais começam por notar que ainda há mais de 800 mil portugueses sem médico assistente nos centros de saúde e que apenas em 2020 se prevê a cobertura total da população.

Por isso, até lá, a colocação dos novos especialistas deve realizar-se “exclusivamente nos locais deficitários” e, até ao final deste ano, é necessário proceder a “um apuramento rigoroso dos utentes inscritos, para que as listas sejam depuradas de eventuais duplicações, óbitos, mudanças de residência”. Deverá ainda ser reavaliada a ponderação dos utentes inscritos nas listas, mas que não são utilizadores, e a redução do número de utentes por médico será gradual, apenas podendo avançar se não afectar o objectivo de atribuir a cada cidadão um médico de família.

Na contraproposta, fazem igualmente questão de frisar que a reposição do valor pago por hora extraordinária que está em curso — 50% em Abril e os restantes 50% em Dezembro próximo — tem um impacto orçamental de cerca de 80 milhões de euros por ano e que a abertura de concursos para assistentes graduados e consultores acarretará custos anuais de cerca de 3 milhões de euros e de 10 milhões de euros, respectivamente.

É um documento “pejado de demagogia e não verdades”, responde o SIM em comunicado. Atribui ao trabalho médico “aumentos remuneratórios que nada mais são do que uma reposição do que lhes foi roubado no passado recente, manipulando números”.

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