Sobre a noite passada: como o Inverno, a eficiência na batalha também chegou à Guerra dos Tronos

Dracarys, ou de como a meio da sétima temporada mais uma batalha catapultou a série junto dos fãs e dos críticos. Foi também o episódio mais curto de sempre da série, símbolo do seu novo ritmo narrativo.

Foto

Os autores televisivos de A Guerra dos Tronos tinham-no prometido: esta temporada traria reuniões e primeiros encontros. Os trailers avisavam: guerra a caminho. E, chegados exactamente a meio desta sétima temporada, A Guerra dos Tronos voltou a fazê-lo: sobre uma pilha de reencontros e sob um novo ritmo narrativo, entregou uma cena de batalha que fechou o episódio mais curto de sempre, The Spoils of War, com uma dúvida mas sobretudo com enorme entusiasmo dos fãs. Mais uma ascensão nas listas dos melhores episódios da série no IMDB e afins, mais uma chuva de comentários incendiados nas redes sociais. Dracarys.

Este texto contém spoilers sobre o episódio The Spoils of War

À hora de publicação deste texto, The Spoils of War tinha 9,9 em 10 de avaliação no agregador IMDB e uns unânimes 100% no seu congénere Rotten Tomatoes. É uma reacção mensurável também pela actividade nas redes sociais em torno de A Guerra dos Tronos, uma das maiores séries televisivas da actualidade – até ao final de Julho (a sétima temporada estreou-se dia 16 nos EUA e a 17 em Portugal, no canal SyFy), a criação literária de George R.R. Martin transposta para a televisão por David Benniof e Dan Weiss gerou 2,4 milhões de interacções no Facebook e no Twitter. Segundo a analista de mercado dos média Nielsen, bateu todos os outros programas incluindo a reality TV e o desporto.

Nessa altura, a temporada – um dos acontecimentos televisivos do ano, que suscita num canal de TV por subscrição ou na pirataria um appointment viewing que já quase só é reservado a esta escala para o desporto, finais de novelas ou cerimónias de prémios como os Óscares – ainda ia a meio. Entretanto tornou-se público um ataque de hackers à HBO que terá como objectivo o pagamento de um resgate e que ameaça directamente A Guerra dos Tronos, tendo revelado o guião de um episódio ainda por emitir e emails com os planos de marketing e promoção da sua valiosa série. A importância de manter o visionamento colectivo e simultâneo dos episódios, defendeu Kaitlyn Tiffany no site The Verge, “deve ser abundantemente clara dado o episódio da noite passada”.

Visto o quarto episódio dos oito que terá esta temporada, algumas personagens que nesta saga de tons dramáticos mas também folhetinescos não se reuniam há anos já se reencontraram; outras que pareciam destinadas a chocar fizeram-no pela primeira vez. Com muita acção e desenvolvimento das muitas narrativas da série condensados em poucos episódios, um cliffhanger sobre o destino de duas personagens findou Spoils of War. Mas a pergunta final parece ser outra. Com “um grande reencontro e a mãe de todas as batalhas, este foi o episódio de A Guerra dos Tronos mais satisfatório de sempre?”. A questão retorica é da jornalista Rebecca Nicholson no Guardian, mas está subentendida em tweets, posts e conversas sobre uma série que sabe quando jogar os seus trunfos em chamas com uma batalha que galvaniza, choca e divide os espectadores.

Tal como a morte (ou ressurreição) de uma personagem querida, a entrada em cena de dragões que custam milhões em efeitos visuais para mais uma das batalhas que fazem de A Guerra dos Tronos um sinónimo de “televisão épica” é uma arma de entretenimento massivo. O realizador Matt Shakman diz ao Vulture que “olhou para O Resgate do Soldado Ryan” para filmar algumas das cenas da batalha, que foi rodada ao longo de 23 dias e tratada em pós-produção ao longo de semanas, detalhou à revista Variety. O dragão “é do tamanho de um [Boeing] 747” e as chamas que cospe têm um diâmetro de 30 pés [914 centímetros]”, causando um efeito que evoca a destruição de Pompeia pela lava e os efeitos aterrorizadores da bomba atómica, como explicou Shakman à revista.

Era preciso fazer justiça a batalhas como a de Blackwater, Hardhome ou à Batalha dos Bastardos, explicam os responsáveis, e colocar vários adversários em confronto num tabuleiro de vitórias satisfatoriamente impossíveis. Tudo com o enquadramento geográfico, militar e até racial de um western - de John Ford, como referiu Shakman, pela primeira vez atrás da câmara de um episódio deste blockbuster televisivo.

É já comum o facto de esta Loot Train Battle (um baptismo muito menos orelhudo do que o de outras cenas do género na série) dominar emoções e conversas sobre um episódio pleno de pistas, reencontros de família Stark e piscares de olho a alguns fãs que há muito desejam ver certos pares de gelo e fogo apaixonarem-se – até houve gravuras rupestres alusivas ao grande e místico arco narrativo da história, para cujo desfecho se caminha nos 12 últimos episódios. E uma citação directa dos jogos de poder de Westeros e seus artífices de bastidores, como Mindinho. Menos habitual é o novo ritmo da temporada, mais condensada em oito em vez dos dez habituais episódios e contrariando em parte o estilo dos livros de Martin que lhe servem de base. Os diálogos filosóficos, as longas ausências, as migrações com durações medievais e os segredos num mundo sem a circulação de informação da actualidade deixaram, como o vinho de Cersei Lannister, de ter tanto tempo para respirar.

“O melhor episódio da sétima temporada até agora”, diz Sean T. Collins na Rolling Stone. Também o mais curto, como assinala Alan Sepinwall no Uproxx, e “excitante de uma forma que a sétima temporada não tinha sido até agora”, diz o critíco – a rapidez actual da série, na condensação de muitas resoluções e avanços em pouco tempo, comparando com as seis temporadas anteriores, não é um símbolo de eficiência narrativa positiva para todos.

Efficiency is coming” é a frase que há meses algumas comunidades de fãs, como a reunida em torno do podcast Storm of Spoilers, usam para, evocando o lema do clã Stark, “Winter is coming”, simbolizar a iminente economia narrativa da versão televisão de A Guerra dos Tronos. Há dias, Alicia Lutes resumia no site Nerdist que “o ritmo pós-livros da série é desconcertante, cansativa e esmagadoramente rápido comparando com as temporadas anteriores”, pesando os seus prós e contras. Há outras coisas que nunca mudam, ainda assim: a dificuldade de pintar personagens exclusivamente como heróis ou vilões embate numa batalha em que, como diz Weiss no vídeo Inside the episode que a HBO publica após cada episódio, dados os líderes de cada facção “é impossível querer realmente que qualquer um deles ganhe e é impossível querer realmente que qualquer um deles perca”.

Isso e o facto de a lista de crueldade e violência física e psicológica que a série espelha, e até certo ponto eleva, continuar a intrigar os espectadores. “Que tal farsa seja abraçada e louvada na televisão mainstream é verdadeiramente um festim de tudo o que há de errado na humanidade”, como escreveu o leitor Anton, da Austrália, ao Guardian.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários