Republicanos querem proteger investigação à Rússia com um colete anti-Trump

Senadores do Partido Republicano e do Partido Democrata trabalham em propostas para que o procurador especial, Robert Mueller, possa recorrer aos tribunais se o Presidente norte-americano o despedir.

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O procurador especial Robert Mueller é respeitado nos dois partidos Larry Downing/Reuters

Fake news há muitas, mas é cada vez mais claro que a investigação sobre as suspeitas de conluio entre a Rússia e a campanha de Donald Trump não é uma delas. Apesar de o Presidente norte-americano continuar a dizer que tudo não passa de uma aldrabice para desvalorizar a sua vitória nas urnas, alguns senadores do seu próprio partido querem agora aprovar uma lei que dificulte o despedimento do responsável máximo pela investigação.

Esse responsável, Robert Mueller, foi nomeado em Maio para liderar o megaprocesso que envolve antigos e actuais colaboradores de Trump, mas a sua escolha é contestada pelo Presidente desde o início. Ainda há duas semanas, numa entrevista ao The New York Times, o Presidente não afastou a hipótese de o despedir se a investigação chegar aos livros de contas das suas empresas e às suas declarações de impostos.

Tudo começou em Março, quando o homem que o Presidente nomeou para o topo do Departamento de Justiça, Jeff Sessions, anunciou que ia afastar-se da investigação do FBI sobre as suspeitas de colaboração entre o Governo russo e a campanha de Trump – como attorney general, Sessions é uma mistura entre um ministro da Justiça e um procurador-geral, e é a ele que o director do FBI responde.

Acontece que dois meses mais tarde, em Maio, o Presidente norte-americano decidiu despedir o director do FBI, James Comey, e a investigação sobre a Rússia ficou baralhada: com o attorney general de fora, o responsável máximo pelo processo passou a ser o seu vice, Rod Rosenstein; com o director do FBI de fora, o caso passou para as mãos do seu vice, e entretanto promovido a director interino, Andrew McCabe.

Com esta nova estrutura, a decisão sobre o futuro da equipa de investigação caiu no colo de Rosenstein, que tinha feito uma avaliação muito crítica do trabalho de James Comey como director do FBI e que recomendara ao Presidente que o despedisse. Só que Trump não esperava que Rosenstein (o seu próprio vice-attorney general) cedesse à pressão da opinião pública e do Congresso e nomeasse um procurador especial para investigar as suspeitas sobre a Rússia.

Um cargo sem lei

E é aqui que entra Robert Mueller, um republicano que foi nomeado director do FBI pelo Presidente George W. Bush em 2001 com o apoio de todos os senadores do Partido Republicano e do Partido Democrata. Respeitado por quase todos os políticos em Washington, mesmo numa época de grandes divisões partidárias, Mueller foi escolhido por Rosenstein para continuar o trabalho do director do FBI que Trump despediu, ainda por cima com muito mais autonomia e liberdade de movimentos.

O problema é que o estatuto dos procuradores especiais nos Estados Unidos (e até o nome do cargo, mas isso é outra história) tem mudado ao longo dos anos. Durante um século, até ao período após o escândalo Watergate, na década de 1970, os Presidentes e os responsáveis pelo Departamento de Justiça foram nomeando procuradores especiais para se encarregarem de casos complicados, que envolviam políticos eleitos e outros altos responsáveis do Governo federal.

Mas depois de o Presidente Richard Nixon ter feito tudo para despedir o primeiro procurador especial do escândalo Watergate, Archibald Cox, o Congresso achou por bem proteger esse cargo das vontades políticas dos Presidentes e aprovou a Lei de Ética no Governo. A partir de 1978, um procurador especial só podia ser nomeado pelo attorney general após a aprovação de um painel de três juízes nomeados pelo presidente do Supremo Tribunal, e só podia ser despedido pelo Congresso ou pelo attorney general por "incorrecções substanciais" ou incapacidade física ou psicológica – um palavreado que tornava muito difícil um despedimento com justa causa.

Só que o comportamento do procurador especial Kenneth Starr na investigação aos negócios e aos casos amorosos do Presidente Bill Clinton, na década de 1990, deixou o Congresso a pensar que, se calhar, tinha dado liberdade a mais à figura do procurador especial em 1978. E foi assim que os dois partidos decidiram não renovar a protecção legal aos procuradores especiais – desde 1998, o cenário voltou a ser semelhante ao que era antes do escândalo Watergate, com muitas dúvidas sobre quem pode despedir quem e porquê. O Departamento de Justiça tem um regulamento para isso, mas Donald Trump e alguns especialistas defendem que o Presidente tem poderes para despedir Robert Mueller, e outros especialistas dizem que não. Na prática, só os tribunais poderiam revolver o assunto se um Presidente decidisse despedir um procurador especial sem base nas tais "incorrecções substanciais".

Mensagem para a Casa Branca

Para pôr alguma ordem nisto tudo, e para tentar antecipar uma decisão mais radical de Donald Trump, um grupo de senadores do Partido Democrata e do Partido Republicano anunciou que está a trabalhar em duas propostas de lei ligeiramente diferentes, mas que deverão ser misturadas nas próximas semanas.

Ainda não é certo que qualquer uma dessas propostas tenha o apoio de pelo menos 51 senadores para poder ser aprovada – e se isso não acontecer nas próximas semanas, dificilmente irá a votos no Senado (como ninguém gosta de estar a trabalhar numa lei durante algum tempo e depois ser humilhado no dia da votação, os autores deste tipo de propostas tentam convencer os seus colegas de ambos os partidos a ficarem do seu lado muito antes da decisão final).

Mas, seja qual for o destino das propostas, o simples facto de incluírem as assinaturas de senadores do Partido Republicano é suficiente para que a mensagem chegue à Casa Branca – sempre são minutos e minutos de tempo de antena nos canais nacionais e rios de títulos nos maiores jornais com senadores do Partido Republicano a torcerem o nariz à postura do Presidente Trump em relação à investigação sobre a Rússia. E quando estas mensagens começam a ser enviadas publicamente, é sinal de que outros senadores do Partido Republicano também começam a ficar fartos – por um sem número de razões, calculam que ainda não chegou a altura de dar a cara.

Para preencher o vazio legal, os republicanos Lindsey Graham e Thom Tillis e os democratas Cory Booker e Chris Coons cozinharam propostas que voltam a inscrever na lei obstáculos ao despedimento de um procurador especial: se o Presidente dos Estados Unidos ou o attorney general quiserem despedi-lo, terão de justificar as razões perante um painel de três juízes e, mesmo assim, esse procurador especial poderá sempre recorrer da decisão nos tribunais.

Há ainda dois pormenores que tornam estas duas propostas mais complicadas para Trump – os republicanos Lindsey Graham e Thom Tillis e o democrata Chris Coons fazem parte da Comissão de Assuntos Judiciais do Senado, que está a investigar as alegações de conluio entre o Governo russo e a campanha de Trump. Para além disso, todos concordam que a lei, se for aprovada, deve ter efeitos a partir do passado dia 17 de Maio – o dia em que Robert Mueller foi nomeado procurador especial.

Esta semana, a Casa Branca recebeu outra notícia desagradável lá dos lados do Departamento de Justiça. Segundo o Wall Street Journal, o procurador especial Mueller já constituiu um grande júri para aprofundar a investigação sobre a Rússia e a campanha de Trump. Na prática, isso significa que a investigação chegou a um novo patamar – apesar de este passo não garantir que o processo vai acabar numa acusação formal, o procurador especial precisa de um grande júri para intimar altos responsáveis a testemunharem ou a entregarem documentos sensíveis, como por exemplo as declarações de impostos que Donald Trump continua a não revelar.

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